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Cidades

Racismo afeta saúde desde o nascimento até a morte, diz especialista

27 de outubro é o Dia de Mobilização Pró-Saúde da População Negra

Bruno de Freitas Moura, Agência Brasil | 27/10/2023 09:22
De acordo com o IBGE, 56% dos brasileiros se reconhecem como negros – somatório de pessoas pretas e pardas. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)
De acordo com o IBGE, 56% dos brasileiros se reconhecem como negros – somatório de pessoas pretas e pardas. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

A população negra brasileira tem os piores indicadores relativos a emprego, renda, educação e participação política quando comparada ao grupo de pessoas brancas.

Apresenta também índices desfavoráveis relacionados à vitimização pela violência. Quando são avaliadas as condições de saúde, mais uma vez os negros ficam em posição desvantajosa, com piores incidências de determinados males e doenças. Campo Grande News - Conteúdo de VerdadeCampo Grande News - Conteúdo de Verdade

Dados do boletim Saúde da População Negra confirmam que questões como mortalidade materna, acesso a exames pré-natais e doenças infectocontagiosas se mostram mais severas na população negra.

De acordo com o IBGE, 56% dos brasileiros se reconhecem como negros – somatório de pessoas pretas e pardas.

Do nascimento à morte - Uma explicação para os dados considerados preocupantes é o racismo. Segundo Andrêa Ferreira, pesquisadora da Associação de Pesquisa Iyaleta, há várias evidências que colocam o racismo como "determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra". Para ela, o preconceito acompanha essa população desde antes do nascimento até a forma pela qual morre.

"Quando a gente olha os dados de mortalidade materna, a gente sabe que as taxas são maiores entre as mulheres negras. Quando a gente olha a mortalidade por causas externas, por exemplo, que inclui acidentes e por arma de fogo, ela se concentra na população negra. Então, o racismo faz todo esse percurso de interferir na possibilidade de nascer, crescer e viver", afirma a pesquisadora.

"O racismo condiciona a vida das pessoas negras em todas as suas fases, desde a possibilidade de terem um parto adequado, de nascerem vivas até a forma como morrem".

Andrêa Ferreira: racismo é "determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra". Foto: Fiocruz/Divulgação
Andrêa Ferreira: racismo é "determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra". Foto: Fiocruz/Divulgação

Na avaliação da Andrêa, uma vez que a pessoa negra consegue romper barreiras que a afastam do serviço de saúde, começa outro problema. "Você tem um tratamento desigual quando a gente compara as pessoas brancas e as negras. Você tem o viés racial implícito, o preconceito e as discriminações pautando a forma como as pessoas negras são tratadas". A pesquisadora considera que essa forma de racismo prejudica a forma de acolhimento, tratamento, oferta de exames e, consequentemente, o diagnóstico de doenças.

"Temos estudos que mostram como o racismo em suas manifestações retarda, por exemplo, o diagnóstico da sífilis gestacional no Brasil", cita.

O estudo do Ministério da Saúde revela que 70% das crianças com sífilis congênita - transmitida para a criança durante a gestação - são filhas de mães negras.

Para Andrêa, a pandemia de covid-19 foi uma prova de como o racismo atua como determinante social. "A pandemia foi clara em mostrar como o racismo estava ali, determinando quem seriam as pessoas que precisaram sair do isolamento social para trabalhar, que moravam em casas densamente povoadas, sem acesso à água e saneamento. Eram as pessoas negras", avalia.

Racismo em todas as partes - Lúcia Xavier é fundadora da organização não governamental (ONG) Criola, defensora dos direitos humanos de mulheres negras. Ela concorda que um dos fatores que fazem com que negros tenham piores índices de questões relativas à saúde se dá por uma forma de racismo no atendimento de saúde. Para ela, há “um conjunto de procedimentos feitos de forma inadequada”.

"[A pessoa negra] recebe menos informação do que precisa. É atendida com rapidez quando precisa de um pouco mais de tempo para explicar, para reconhecer os problemas. As queixas não são admitidas como legítimas. Se ela acaba perdendo sua consulta, volta para o fim da fila de espera".

Uma outra face do acolhimento e tratamento inadequados é, na avaliação de Lúcia, que a pessoa acaba sendo responsabilizada pelos problemas.

“Qualquer agravo que ocorra, o primeiro responsável é ela. Se ela se infectou com dengue, é porque ela não cuidou da água parada. Se ela pegou covid-19, é porque não utilizou os mecanismos de proteção necessários para cuidar da sua saúde”, exemplifica.

Sandra da Silva, moradora da região metropolitana do Rio de Janeiro Foto: Arquivo Pessoal
Sandra da Silva, moradora da região metropolitana do Rio de Janeiro Foto: Arquivo Pessoal

“Doença de negro” - No país em que mais de 60% das mortes por aids são de negros – índice que era de 52% em 2011, Lúcia aponta que as doenças infectocontagiosas são também consequência dessa discriminação que acontece durante o que deveria ser um acolhimento.    

“As doenças infectocontagiosas são resultado das condições sociais e pioram porque o sistema não é capaz de olhar essa situação sem discriminar. Quando se trata de doenças sexualmente transmissíveis ou tuberculose ou agravos dessa natureza, sempre se responsabiliza o sujeito pelo fato de ele ter contraído aquele agravo”. 

A fundadora da organização Criola identifica que, por causa da alta incidência, algumas doenças acabam ficando marcadas como sendo “doenças de negros”. 

“Muitas das doenças que a população negra enfrenta passam a ser compreendidas, praticamente, como uma doença marcada por essa experiência de ser negro, quer seja a pressão alta, a mortalidade materna, quer seja a tuberculose, por exemplo”. 

Lúcia Xavier acredita que há uma forma de racismo quando se tratam também de condições genéticas, como no caso da doença falciforme, que afeta mais pessoas negras. 

“O modo de atender, de cuidar, de preservar essa vida anda lentamente. Não é trabalhado com tanta avidez, com tanta capacidade para atender esse grupo. A doença falciforme é também muito simbólica em termos do racismo institucional”. 

Políticas públicas - Durante a divulgação do boletim epidemiológico Saúde da População Negra, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, enfatizou que combater o racismo é a agenda do desenvolvimento sustentável, da equidade. “Essa pauta deve ser uma perspectiva e não um tema isolado, para que todas as ações do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como determinante social da saúde".

O Ministério da Igualdade Racial informou à Agência Brasil que “está em articulação para fortalecer a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra”.

“Dentre os compromissos assumidos pela política, cabe destacar o aprimoramento do registro do quesito raça/cor nos sistemas de informação do Sistema Único de Saúde, da atenção prestada, inclusive enfrentando o racismo institucional e adequando a assistência aos problemas de saúde mais prevalentes na população negra, que incluem, dentre outros, a anemia falciforme, diabetes mellitus, hipertensão arterial, deficiência de glicose-6-fosfato e as doenças infecciosas”, afirmou em nota.

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