Falta quase tudo nas Upas, de soro a aparelho para exames
Prioridade na campanha eleitoral do prefeito Alcides Bernal (PP), a saúde, segundo médicos e usuários, piorou em Campo Grande e a população agoniza com a falta de material de trabalho, de remédios e de aparelhos básicos nas três Upas (Unidades Básicas de Saúde) e nos seis Centros Regionais de Saúde. O caso parou nas mãos do MPE (Ministério Público Estadual), após o Sindicato dos Médicos fiscalizar e confirmar a ausência de condições para efetuar atendimento de qualidade à população.
Após várias denúncias, o sindicato foi à Upa do Bairro Coronel Antonino dia 20 de setembro. No local, a entidade constatou a falta até de papel para imprimir receitas e fichas de exames. Para piorar a situação, os equipamentos de urgência e emergência estão “quebrados” e colocam em risco a vida dos usuários. Passados 25 dias, o sindicato protocolou, dia 15 de outubro, denúncia no MPE.
“Como os hospitais estão superlotados, muitos pacientes permanecem até 12 horas nas Upas a espera de um leito. Por isso, é extremamente necessário equipamentos para acompanhar as condições da pessoa”, frisou a diretora administrativa do sindicato, Luzia Santana. Apesar da importância, na unidade do Coronel Antonino o monitor de cardiograma e o eletrocardiograma estavam quebrados.
De acordo com uma funcionária da Upa, que pediu sigilo do nome por medo de represália, o aparelho de ultrassom “ficou quebrado por dois meses”. “Na semana passada, após a prefeitura saber de fiscalização do Ministério da Saúde, mandaram um equipamento de outra unidade para cá”, relatou.
Nesta terça-feira (29), ainda conforme a funcionária, a Upa está sem tubos para coleta de sangue, hipoclorito, medicamento necessário para fazer nebulização, e sem lençóis para as camas.
No Centro Regional de Saúde do Guanandi, o aparelho de raio-X não funciona há meses. O coletor de lixo Admis Júnior Mattos Benfica, 27 anos, precisou contar com a boa vontade dos patrões para conseguir, hoje, carona para realizar o exame na Upa do Bairro Coronel Antonino.
Ontem (28) à noite, durante o trabalho, ele sofreu um acidente e colegas o levaram à Upa do Coronel Antonino. Lá, ele chegou às 21h e foi atendido às 2h45. “Me deram uma injeção para dor e me mandaram embora. De manhã, acordei com o joelho inchado e vim correndo para o posto do Guanandi”, relatou.
No local, o médico o mandou de volta ao atendimento de origem para realizar o exame de raio-X. “Depois, vou precisar voltar aqui para ele analisar o exame, ainda bem que o pessoal da minha empresa está dando assistência, caso contrário, não teria como andar de ônibus com a perna machucada”, comentou.
Revolta - Da Upa da Vila Almeida, os pais da pequena Aline, de um ano e três meses, Adão Colman Ramos, 33 anos, e Lindinalva Ferreira da Silva, 22 anos, saíram desolados, após não encontrarem remédios básicos para a filha tratar pneumonia. Antes, eles ainda enfrentaram o desafio de encontrar um médico pediatra.
“Ligamos para os postos do Aero Rancho, Universitário, Cophavilla e Guanandi e todos estavam sem médicos. Precisamos sair de moto, com a criança no colo, do Aero Rancho até a Vila Almeida para achar um pediatra”, comentou Adão, que deixou o emprego de açougueiro para socorrer a filha.
Na Upa, o casal chegou às 11h e só saiu às 16h e de mãos vazias. “A farmácia do posto não tinha soro nasal e nem os antibióticos amoxilina e cefalexina”, contou a mãe da pequena Aline. “É revoltante”, completou. “Só lembram da gente na hora da eleição”, emendou o pai, fazendo menção ao políticos.
Ele ainda relatou que, na semana passada, sua mãe, Ramona Colman, 54 anos, precisou pagar para não interromper o uso de medicamentos controlados. “Todo o mês, ela pega a receita no posto e ganha o remédio, mas, como não tinha papel de receita, indicaram o medicamento em uma folha sulfite e a farmácia se recusou a fornecer o remédio por não conter os dados necessários”, contou.
Também na Upa da Vila Almeida, a costureira Carmem Godoy, 56 anos, saiu sem medicamentos básicos para combater dor e controlar a diabetes. Já o aposentado Reinaldo Azevedo, 72 anos, ficou sem remédio para amenizar labirintite. “É a segunda vez que venho no posto do Guanandi e não tem o medicamento”, afirmou.
Perseguição – Por denunciar o caos nos postos, o médico Renato Figueiredo chegou a ser afastado do cargo. A prefeitura, por sua vez, alegou mal atendimento, mas colegas de trabalho negam a negligência e destacam a atuação exemplar do profissional. Por sete anos, ele atuou nas Upas do Coronel Antonino e da Vila Almeida.
“Uma vez e outra, faltavam medicamentos, mas, nos últimos 10 meses, a situação piorou demais”, desabafou. Segundo ele, tem dias que faltam até 30 produtos, entre medicamentos e material de trabalho, sem contar os equipamentos estragados. “A gente se sente amarrado, sem ter como ajudar as pessoas”, lamentou.
Sem condições de trabalho, ele ligava para o secretário municipal de Saúde, Ivandro Fonseca, cobrando vagas nos hospitais para não deixar o paciente morrer. “No início, ele me atendia, depois, já não atendia mais, mas prefiro denunciar, porque não aguento ver gente morrer sem poder fazer nada”, frisou.