Para quem não conseguiu sair da favela, ver vizinhos em apartamentos é esperança
Barracos da favela do Jardim Canguru ficam a poucos metros do condomínio que será inaugurado amanhã
Em frente aos destroços do barraco onde morou por 5 anos, Vanessa Oliveira, de 38 anos, se pergunta como serão os dias que virão. Por um descuido na entrega de documentos, a dona de casa perdeu um dos apartamentos do Residencial Jardim Canguru, para onde partiu a maioria dos vizinhos que, assim como ela, viveu por anos na favela às margens do córrego que cruza a Rua Catigua. Para Vanessa, ver os vizinhos de casa nova, bem do outro lado da rua, é luz no fim do túnel, a esperança de também realizar o sonho.
O barraco de apenas uma peça onde Vanessa mora é um dos poucos que ainda está de pé na área da quase extinta favela. No início da semana, fiscais da Prefeitura foram até o local e derrubaram as moradias improvisadas onde morava quem não foi sorteado com um dos novos apartamentos. Quem ficou diz que a informação repassada é que todos ganharão um terreno onde poderão construir um imóvel, no entanto, nenhum detalhe foi dado ou oficializado.
Agora, enquanto ainda se abriga no barraco, a dona de casa observa a intensa movimentação do outro lado da rua, no condomínio para onde vão os amigos.
"É triste, né. A gente quer nosso cantinho e nossas coisinhas para ficar mais tranquilo. Vamos ver o que vai acontecer, se vai ter outro sorteio, outra negociação”, comenta ainda com ar de esperança.
Em toda a região, trabalhadores fazem os últimos ajustes e reparos na área por onde passará o presidente Jair Bolsonaro (PL) amanhã (29). Na tarde desta quarta-feira (29), de um lado se via o condomínio "novinho em folha", além de ruas e calçadas restauradas. Do outro, pilhas de entulho. Resto dos barracos já derrbados.
Catador de material reciclável, Marcelo Souza, de 18 anos, também não teve a mesma alegria que os vizinhos. Segundo ele, a renda de R$ 400 do Bolsa Família e cerca de R$ 200 do trabalho com reciclagem, o obrigaram a morar na comunidade.
Sem apartamento e sem saber para onde ir, o trabalhador reclama da derrubada do barraco onde morava. “Estava trabalhando e foram me falar que estavam derrubando. Vim correndo e quando cheguei tinha um monte de homem. Nem deu tempo de eu salvar nada, nem aproveitar alguma telha. Me senti desvalorizado", desabafa.
Enquanto quem continua na favela se questiona sobre o futuro, moradores sorteados para viver no residencial participam do mutirão para ligação de água e cadastro na tarifa social. Equipe da Águas Guariroba está na calçada da rua lateral do condomínio, recebendo os pedidos.
Ao Campo Grande News, a Amhasf (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários) alegou que controla a região há mais de dois anos, com cadastro finalizado e com acompanhamento do Ministério Público.
"Foi alertado que tentativas de ocupações posteriores ao cadastro em Área de Preservação Permanente não seria permitido, portanto, não há projetos habitacionais no local para quem não estava cadastrado à época da selagem. É preciso participar dos próximos sorteios para pleitear uma unidade dessa modalidade de benefício da habitação de interesse social", manifestou, em nota.
Condomínio - O Residencial Canguru teve investimento de R$ 29 milhões, sendo R$ 24 milhões do Governo Federal, por meio do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial), e R$ 5 milhões em contrapartida do Estado. Além disso, a Prefeitura de Campo Grande doou o terreno. Os apartamentos estão sendo adquiridos por meio do Programa Casa Verde e Amarela.
No local, há cinco blocos de quatro andares, com quatro apartamentos por pavimento, além de infraestrutura completa, com drenagem, esgoto, água, pavimentação, energia elétrica e iluminação pública. Nas proximidades, há transporte público, creches, escolas, postos de saúde e de segurança.
*Matéria alterada no dia 30 de junho, para acréscimo de informações