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Em Pauta

Comitiva Desesperança, a verdadeira vida do peão boiadeiro

Por Mário Sérgio Lorenzetto | 16/09/2024 06:20

“Nossa viagem não é ligeira 

Ninguém tem pressa de chegar

A nossa estrada é boiadeira

Não interessa onde vai dar”

Essa a primeira estrofe. A última, deixa claro o pensamento.

“Ê, tempo bom que tava por lá 

Nem vontade de regressar…”


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A bela música de Almir Sater é uma licença poética. Utilizamos a ideia de “licença poética” para dizer que não condiz com a história ou a realidade. Romantizou a vida ruim e perigosa. O cotidiano do peão boiadeiro era quase um filme de terror. Unia a monotonia com momentos de exaustão e risco de vida.


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Benzendo…..

O medievo nos legou as rezas para aqueles que vão morrer nos campos de batalha. Os peões boiadeiros eram benzidos antes da partida. Iam atravessar o imenso Estado de Mato Grosso do Sul tocando algo como mil cabeças de boi em trilhas e muita mata fechada. Tente organizar meia dúzia, cada vaca para um lado, e verá a dificuldade… Durava meses.


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A organização.

O gado era escoltado por um chefe, também chamado capataz ou comissário. Era ele quem decidia as etapas da viagem e negociava o rebanho. Podia comprar a boiada ou apenas tocá-la a preço acertado com o fazendeiro. Ele ia à frente, junto com o sinaleiro, também chamado ponteiro, que ao som do berrante, uma trompa feita de corno de touro, avisava os camaradas sobre as paradas ou travessias de riachos. Os guias, cujo número depende do tamanho do rebanho, colocavam-se ao lado do gado. O chave vai atrás. Depois dele, vem ainda o culateiro. Ele cuida dos bezerros, às vezes nascidos durante a viagem e incapazes de acompanhar a tropa. Bem `a frente de todos, vem o personagem de destaque: o cozinheiro. Ele preparará o acampamento para seus camaradas.


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Perigo é o nome da comitiva.

O benzimento começava pedindo a proteção contra os assaltantes. Era o primeiro perigo a ser enfrentado. Nossas raras e precárias estradas não dispunham de uma só proteção contra os meliantes, que nelas pululavam. Depois, vinha o estouro da boiada. Os animais, especialmente os dos pantanal eram chucros, a imensa maioria era selvagem meio domesticado. Sempre reagiam, tentando fugir, até do pio de um pássaro por eles desconhecido. Fugir, significa estourar. Duas ou três vacas que tentam fugir da boiada, muitas vezes, redunda em um estouro. E ele levava muito perigo de vida ao peão. Também tinham de enfrentar, especialmente em São Paulo, fazendeiros que impediam a passagem do gado. Era um momento de tensão . Haviam atravessado mais de 600 quilômetros, não havia como retornar. Dinheiro ou bala? Pagar o dono da terra para passar com o gado ou matá-lo - e a seus camaradas - era a decisão a ser tomada. Tempo de violência. Muita violência. O insumo de que somos feito no MS.


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O trabalho é a monotonia ou a exaustão.

Havia uma meta a ser cumprida diariamente. Algo como dezoito quilômetros a ser percorridos. O capataz tinha de ser um ótimo meteorologista para determinar a partida. Tempo de seca era um poeirão asfixiante. De chuva, atoleiros infinitos. Nos poucos dias de viagem considerados bons, a monotonia tomava conta dos peões. Mas essa não era a regra. Sempre havia pelo menos um pequeno estouro de boiada que precisava ser reconduzida. Esse era um trabalho exaustivo tocado em meio de mata fechada. Significava, no mínimo, muitas lanhadas no rosto, cortes e ferimentos. Não era raro aparecer o terror dos terrores: uma cascavel. Não há descrição possível. Só o barulho dos guizos da cobra levava a um imenso estouro. Dias de trabalho cansativos para reorganizar a comitiva.


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Te benzo, te curo.

O refrão era bem conhecido: "Te benzo, te curo, com bosta de burro”. Com bosta de burro e ervas tidas como medicinais. Adoeceu, se lascou. A comitiva não podia parar para esperar o doente melhorar. Ia aos trancos até a fazenda mais próxima (que era bem distante). Benzer era tudo que restava para o peão boiadeiro. E, para completar, tinha a comida. Merece outro texto. Deixarei para outra comitiva. Esta ja partiu!

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