Dilemas pandêmicos: O grande massacre de gatos e as máscaras
Quando foi que a peste, a verdadeira peste, a peste negra, entrou para a lista dos grandes flagelos da humanidade? Essa peste, chamada de peste bubônica, pois se caracteriza pela presença de gânglios linfáticos inchados e doloridos (bubões) na virilha e nas axilas, existia de modo endêmico na Ásia Central. Não há notícias que existisse no Ocidente. Até o dia funesto de 1.346, quando os tártaros resolveram sitiar o porto de Caffa, na Crimeia, às margens do Mar Negro.
Atirando cadáveres por cima dos muros.
O bacilo da peste, transmitido pelas pulgas dos ratos que acompanhavam essas tropas mongóis, logo infectou tanto os sitiantes quanto os sitiados. Os mongóis, já doentes, acharam lógico compartilhar seu mal com os sitiados e catapultaram os cadáveres por cima dos muros para infectar Caffa. Os mongóis inventaram a primeira guerra biológica. Mas essa peste não ficaria presa em Caffa e arredores.
Um navio genovês.
Um navio de comerciantes genoveses conseguiu escapar do cerco mongol. Fizeram uma escala em Messina, uma pequena comuna na região da Sicília, em 1.347. Depois, atracaram em Gênova e, por fim, em dezembro de 1.347, em Marselha. A cada parada a peste se alastrou, no ritmo da descarga das mercadorias e na descida do navio dos ratos que pegaram carona. Era possível, portanto, seguir a peste conforme se segue os ratos. O ratão asiático tomou conta das cidades em detrimento do ratinho europeu. Mas havia outra decisão funesta.
O papa que mandou exterminar os gatos.
A Idade Média não foi uma boa época para os gatos. Tinham má reputação de serem animais maléficos, detentores de poderes assustadores. Essa ideia idiota começou com a bula papel de 1.233 que especificava que os gatos pretos eram servos do Diabo. Corria risco de ser acusado de feitiçaria pelo simples fato de ter uma Inquisição que se encarregaria de, junto com os judeus, erradicar os gatos. Os pobres bichanos desapareceram das cidades e dos portos. Deixaram o terreno livre para os ratões da Ásia, que carregavam a peste.
O massacre de humanos.
Se não tivessem massacrado os gatinhos, é bem possível que não tivesse ocorrido a morte de tanta gente. Estima-se que, em cinco anos, a peste negra fez 25 milhões de vítimas, ou seja, de 30% a 50% da população ocidental.
Moral da triste história.
Como diria Lá Fontaine: não era bom ser homem ou gato na Europa naquela época..."Les animaux malades de la Peste" ("Os animais enfermos da Peste") é uma fábula viva que cabe em nosso tempo. Basta trocar o papa por outro líder e os gatinhos pelas máscaras. Tristes decisões pandêmicas. Funestos líderes.