Mistérios da jornada humana. Uma transformação abrupta

Um esquilo corre em frente de uma porta da choupana de Montagnana di Padova, no norte da Itália. Ele faz uma pausa e, um tanto curioso, espia um ser humano esquisito que, em vez de dedicar sua energia ao estoque de comida - como deveria -, gasta o tempo lendo um livro. Como seus antepassados e seus contemporâneos, ele passa boa parte do tempo coletando alimentos, fugindo de predadores, procurando parceiros para procriar e buscando abrigo contra condições climáticas precárias. E, na verdad, durante a maior parte da existência humana, desde o surgimento do Homo sapiens como uma espécie distinta, o impulso básico da vida humana era muito semelhante ao de um esquilo, definido pela sobrevivência e pela reprodução. Mas, nos últimos séculos, e somente neles, a humanidade experimentou uma melhoria incrível e sem precedentes na qualidade de vida.

A mudança radical foi só no século XIX.

Imagine se meus ancestrais de Montagnana di Padova, na época de Jesus, dois mil anos atrás, entrassem em uma máquina do tempo e viajassem para esse mesmo lugar em 1.800. Sem dúvida, eles ficariam impressionados com a nova e magnífica muralha da cidade (continua tal como era na Idade Media até nossos dias) , o considerável crescimento populacional e as inovações adotadas. Porém, embora a Montagnana di Padova do século XIX fosse bem diferente de sua antecessora romana, nosso viajantes do tempo se adaptariam com facilidade ao novo ambiente. Seriam capazes de manter seus ofícios e, assim, se sustentar, uma vez que os conhecimentos e habilidades adquiridos na antiga Montagnana continuariam pertinentes na virada do século XIX. Também estariam vulneráveis aos mesmos perigos, doenças e ameaças naturais e suas vidas não teriam uma variação muito grande. Logo ali adiante, poucos anos depois, viriam mudanças profundas.

Abismo entre épocas.

No entanto, visualize a experiência de nossos viajantes caso fossem levados pela máquina do tempo poucos anos depois. Eles ficariam perplexos. Suas habilidades estariam obsoletas, a educação formal seria um pré-requisito para a maioria dos empregos, e as tecnologias, que talvez lhes parecessem feitiçaria, seriam necessidades diárias, várias doenças teriam sido erradicadas. A expectativa de vida dobraria no mesmo instante, exigindo uma nova mentalidade completamente diferente e a obrigação de pensar a longo prazo. O abismo entre essas épocas tornaria difícil conceber o mundo que eles deixaram para trás. Era desagradável, brutal e breve.

A escuridão dominava a sujeira.

Um quarto dos recém-nascidos morria de frio, fome e doenças. Grande quantidade de mulheres morria durante o parto. A expectativa de vida raramente ultrapassava os 40 anos. Era um mundo dominado pela escuridão depois que o sol desaparecia. Um lugar onde mulheres, crianças e homens dedicavam longas horas ao transporte de água até suas casas. Só tomavam banho uma vez por ano, geralmente no mês de maio. Passavam os meses de inverno em moradias cheias de fumaça. A maioria das pessoas raramente se aventuravam fora de seus locais de nascença. A comida era pobre e pouco variada. Uma crise econômica levava à fome e morte em massa.

Transformação abrupta.

Há muito tempo prevalece a ideia de que, ao longo do tempo, os padrões de vida aumentaram gradativamente. Trata-se de uma distorção. Não foi assim. Embora a evolução tecnológica tenha sido, de fato, um processo bastante gradual, que se acelerou no decorrer do tempo, isso pouco trouxe em melhorias para as condições de subsistência. A surpreendente ascensão de qualidade de vida dos três últimos séculos foi, na verdade, o produto de uma transformação abrupta. Um tanto "misteriosa", necessitando uma teoria que melhor a explique.

Compare a vida de um camponês de Montagnana do XVI ao de um de Jerusalém do I a.C.

A vida das pessoas antes do XIX era comparável com a de seus ancestrais mais remotos. As condições de um camponês de Montagnana do XVI eram semelhantes às de um servo chinês do século XI, de um maia há 1.500 anos, de um pastor grego do IV, um fazendeiro egípcio há cinco mil anos, ou de um pastor de Jerusalém que viu Jesus. Mas, desde o XIX, uma fração de segundos em termos históricos, a expectativa de vida dobrou, a renda per capita disparou, multiplicando-se em vinte vezes nas regiões ricas e em quatorze vezes nas mais pobres. O que explica esse "Mistério do Crescimento", a transformação inimaginável na qualidade de vida dos últimos séculos em termos de saúde, riqueza e educação? Esse tempo ofusca quaisquer outras mudanças desde o surgimento do Homo sapiens.