Santo de casa, os santos queridos pelos brasileiros
Sai farra, entra fé. É tempo de devoção. Santo Antônio, um dos mais vendados pelos brasileiros, arranjou casamentos, participou de batalhas e ainda encontrou Exu nas encruzilhadas. São Brás curou soluços de crianças. São Jorge, meu predileto e de todos corinthianos, além de derrotar os dragões verdes, chegou aos balcões de botequins suburbanos. São Longuinho ajudou os fiéis dispostos a dar três pulinhos, a encontrar objetos perdidos. O temor dos raios e trovões foi abrandado com rezas para Santa Bárbara. Santa Luzia cruzou as trilhas nas matas e sertões em seu cavalinho faminto por capim. E Santa Clara trouxe um sol amarelo feito com gemas dos ovos quebrados. Muitas coisas no Brasil só acontecem com a ajuda dos santos. Mas quem seriam eles e elas? Como surgiram no mapa do cristianismo e encontraram seus caminhos?
No inicio, Jesus era o mediador.
O cristianismo, em larga medida, redefiniu a luta incessante dos homens contra as tentações ao reconhecer em Jesus Cristo o mediador entre nossas fragilidades e a perfeição expressa em Deus. Mas uma reunião - Concílio - realizada cinquenta anos depois da morte de Jesus e convocado pelas principais lideranças cristãs - Pedro, Paulo e Tiago - abordou uma questão decisiva: os inúmeros não judeus poderiam aderir ao cristianismo sem praticar os requisitos do judaísmo, como a circuncisão? Prevaleceu a opinião de Paulo. Bastava que qualquer um passasse a pertencer à Igreja. Esse é o marco da cisão entre o cristianismo e o judaísmo. Foi assim que, para atender os anseios e não chocar outros povos, deixaram surgir os santos. Se a principio Jesus foi encarado como exclusivo mediador entre a humanidade e Deus, os santos passaram a ocupar esse espaço, enquanto Jesus foi realocado ao lado de Deus Pai.
Sai martírio, entra a conduta em vida.
Na época das perseguições, santo era aquele ou aquela que dava a vida pela fé em Jesus Cristo. Aos poucos, a perspectiva do que seria santidade vai se modificando. Desde 313, o cristianismo se torna uma religião cada vez mais poderosa. É quando a conduta em vida determina quem deve ser santificado. O santo é alguém próximo das mulheres e dos homens. Está à distância de uma oração, de uma prece, de um pedido feito com fervor. Cria-se uma espécie de negociação. O crente pede, promete e o santo concede a graça em troca da promessa feita. Essa relação chega ao ponto de criar uma espécie de jogo em que o fiel pode chegar até mesmo a punir o santo enquanto a graça não for concedida. É uma vertente do cristianismo muito popular, nada tem a ver com os mandatários. Mas é bem brasileira.
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