Há quase 30 anos, professora vê educação se transformar na Capital
Docente vive, na sala de aula, o passado e o presente no aprendizado de crianças e adolescentes
O amor pela educação foi o que motivou a professora de inglês Luzimar Cristiane Morel Fai, de 47 anos, a lecionar por quase 30 anos. Nesse tempo, ela assistiu a diversas modificações do cenário educacional, tanto na grade curricular quanto na convivência com os estudantes: “Eu amo a minha profissão, estar em sala, as pessoas e ter esse contato com os alunos”. A professora segue na profissão em Campo Grande.
À reportagem, Luzimar abordou alguns pontos importantes durante a longa trajetória. Entre elas, a reforma trabalhista e alteração do tempo de serviço prestado. Antes, ela poderia se aposentar com no mínimo 30 anos de contribuição (independentemente da idade) ou quando atingisse 60 anos.
Com a reforma da previdência, promulgada em 12 de novembro de 2019, a professora não pode mais se aposentar apenas por tempo de serviço. Somente por idade, que também aumentou, passou a ser 62 anos para as mulheres, com, no mínimo, 15 anos de contribuição.
“Quando comecei, eu me lembro que iria me aposentar aos 43 anos, comecei bem novinha. Fazia faculdade e me lembro de pensar isso. Antes, era só o tempo de serviço e com o tempo a lei foi mudando, muita coisa mudou. Além disso, precisa atingir a idade correta. Estou muito bem de saúde, ainda bem”, brinca.
Além das classes lotadas, a docente revelou que um dos desafios enfrentados é ter o respeito dos estudantes, coisa que antes não precisava ser exigido. “Hoje, as crianças são mais mal educadas, percebemos mais o desrespeito. Mas consigo lidar e dar o meu conteúdo", desabafa.
Tecnologia - Outro ponto de mudança foi o acesso e, consequentemente, a dependência de aparelhos celulares. De acordo com Luzimar, hoje os alunos não conseguem manter atenção por muito tempo na aula, pois sempre há um vídeo, uma foto ou um comentário na internet “mais interessante” que o conteúdo ministrado.
“Antes, recebíamos alunos um pouco mais focados e menos distraídos. Acho que essa questão das mídias deu uma atrapalhada. Temos que saber aproveitar a tecnologia, mas com sabedoria. O engraçado é que eles sabem muito de celular, mas vai mandar fazer um texto no word, eles não sabem das ferramentas, sabem de vídeo e foto”, ressalta a professora.
Devido ao problema, a Escola Estadual Maria Constança Barros Machado, onde Luzimar leciona, vai oferecer cursos de informática aos alunos.
Virada do século - Falando em tecnologia, a professora contou que a virada do século foi muito significativa na educação. A mudança das lousas, do uso do giz em muitas escolas e a implementação até da versão digital assustam e desafiam Luzimar.
“Trabalhei por 18 anos em uma escola. A gente não tinha muita tecnologia, só uma televisão que era levada em um carrinho. Hoje tem ar, temos lousa digital, então em relação à tecnologia isso mudou muito da minha realidade”. De acordo com a profissional, essa é a única escola pública da Capital a usar a lousa digital.
As mudanças na virada do século também impactam os alunos, afirma Luzimar. Segundo ela, os estudantes estão mais distraídos, apressados e irritados.
Tem exceções, mas no geral o adolescente está muito fragilizado, não consegue focar, iniciar um trabalho e ter força de vontade para terminar de forma excelente. Se comparar com alunos dos anos 2000, não tínhamos tanta comunicação celular, as coisas andavam mais. É legal, mas pra sala de aula é complicado saber lidar com tudo isso. Ele [aluno] quer estar no whats, Instagram, Twitter. É difícil para eles conseguirem focar”, comenta a professora.
Novo Ensino Médio - O assunto tão debatido do Novo Ensino Médio também é um ponto importante destacado pela professora, como um divisor de águas na sala de aula. Com a alteração, Luzimar entende que já era complicado e ficou ainda pior.
Antes, ela tinha duas aulas por semana, agora tem apenas uma. O que segundo Luzimar é, de certa forma, prejudicial. “O conteúdo que dava há 25 anos, no início da minha carreira, tenho que diminuir pela metade. Pós-pandemia então é pior ainda, porque eles vêm com muitas dificuldades, às vezes não sabem nem o português, temos que realmente fazer um trabalho forte”, frisa.
Em 2021, quando a escola implementou o “novo regime”, não havia - em um primeiro momento - cursos que preparassem os docentes para alteração.”Foi um rebuliço. Depois o governo fez o curso, mas aprendemos no início com a mão na massa. Fomos a escola piloto aqui, uma das primeiras do Estado”, explica.
Psicológico - Na questão saúde mental, tanto dos alunos quanto dos professores, Luzimar enxerga que seria necessário apoio mais intensivo e permanente nas escolas. Apesar de existir uma equipe de ronda nas unidades educacionais.
“Precisa de uma demanda diária, a escola é muito ativa, todos os dias são muitos acontecimentos. Acho que cada escola teria que ter um profissional da saúde mental efetivado. Isso não é uma demanda apenas pós-pandemia. Isso vem crescendo e acumulando. Tudo estoura na escola”, conta.
A participação dos pais e responsáveis pode deixar o cenário mais favorável aos professores. De acordo com a professora, é preciso que eles estejam realmente conectados a escola e com o que os filhos estão fazendo.
A gente teria que ter uma parceria muito grande para que funcionasse. Infelizmente a gente ainda vê muito quando chama eles na conversa, que eles também precisam de ajuda. O filho ali é só um reflexo do que ele vive em casa. Seria necessário uma restauração familiar”, complementa Luzimar.
Exaustão - O panorama salarial para professores não é equivalente ao trabalho realizado e as horas dedicadas a planejamentos e aulas. A jornada de trabalho de um professor pode chegar a 60 horas semanais.
”Às vezes, priva até o convívio familiar para atingir um teto salarial bom. Um dos problemas disso é a convivência com a família. A gente nunca deixa de levar trabalho para casa. No início, eu trabalhava até 60 horas. As horas de planejamento nunca são o suficiente. A gente trabalha muito. É muita prova pra corrigir. O desgaste físico e mental é grande”, desabafa a professora.
Hoje, Luzimar trabalha apenas 20 horas, mas está ciente que esta não é a realidade da maioria. Mesmo com todos os problemas ela não se arrepende da profissão.