Na casa, onde até sanitário é rosa, única tristeza é pedaço tirado pela igreja
No Cabreúva, a cor escolhida da pintura aos objetos faz referência à profissão da proprietária
O calor aperta mas, à medida que ela desce até o jardim dona Nilce vai encontrando o frescor que nos dias mais quentes fica difícil na casa de madeira. Mas nada tira o encanto da residência toda pintada de rosa que atrai olhares pela delicadeza das cores.
Quem conhece Nilce Campos de Oliveira, de 73 anos, já sabe o amor que ela tem pela casa rosa, pintura que entrou no lugar do verde que durou mais de 40 anos e hoje faz referência a uma cor que a acompanhou por muito tempo. "O rosa é uma cor muito delicada, me lembra as flores do jardim e principalmente os bolos. Fui confeiteira, fiz muito bolo rosa e de flores", lembra.
É como se o rosa trouxesse doçura aos dias de Nilce que, durante anos, enfrentou uma briga judicial pelo terreno onde mora. Tudo começou depois do casamento, quando ela e o marido compraram o terreno que tinha 400m². Na época, ao lado começou a construção de uma igreja que ''tomou" cerca de 40 metros de dona Nilce sem nenhuma permissão, garante ela.
O terreno ficou estreito para o projeto que o casal tinha em mãos. Naquele tempo, ela diz que o diálogo era difícil e a falta de conhecimento a fez sair perdendo. "Eu tinha os documentos que comprovava a metragem da locação, mas eles disseram que estavam certos. Naquele tempo eu não tinha muito conhecimento e meu marido ficava muito nervoso. Por isso, até hoje não conseguimos provar que eles estão errados", lamenta.
Nilce não contém as lágrimas mesmo dizendo que é feliz, mas assume, que lá no fundo, ficou a indiganação diante da falta de justiça. "Foi uma sacanagem. Ainda espero o dia que vou provar que parte desse terreno é meu", afirma.
Na igreja ao lado, ninguém quis falar sobre o impasse sobre a área. Mas o conforto de Nilce vem ao morar numa casa que todo mundo ama. A delicadeza é o que traz personalidade a cada cômodo, começando pela sala muito bem organizada, com alguns móveis antigos, que fizeram parte da história da família. Mas até o banheiro chama atenção. A proprietária escolheu ter um vaso sanitário também na cor rosa. "Todo mundo acha fofo e eu acho uma graça", justifica.
Aposentada e viúva, hoje, Nilce mora com sua mascote vira-lata Neguinha, companheira por todos os cantos da casa. Mãe de dois filhos e avó de três, quando não está recebendo a visita da família, Nilce vai cantar no coral da Assembleia Legislativa em que faz parte há 15 anos. "Acho que sou uma das mais antigas que continua, é uma delícia", diz orgulhosa.
Desde que se aposentou do ofício de fazer bolos, é a música que transforma seus dias. "Não tem alegria maior. Eu falo que se um dia eu sair do coral, não sei o que pode acontecer comigo. Ainda bem que meus filhos me dão todo apoio".
E apesar dos tormentos, ela não muda de ideia sobre a residência. E olha que já tentaram comprar e até derrubar o local, mas ela garante que não sai. "A igreja já me ofereceu outra casa em troca dessa. Eles queriam comprar e derrubar minha casinha. Mas eu não deixo, cresci aqui".
A ligação com o bairro veio desde o nascimento. Caçula de seis mulheres, Nilce veio ao mundo em outra casa de madeira que ficava na Vila dos Ferroviários. Sua mãe fez tudo na gestação e até o parto sozinha. "Ela não teve parteira, eram minha irmãs mais novas que colocavam uma bacia na cama para ela fazer tudo e assim eu nasci. Quando tinha que lavar roupa, ainda grávida, ela esfregava com a bacia na cama e minhas irmãs enxaguavam. Foi uma história de luta que começou aqui nessa região".
Largar a casa de madeira e o bairro é como abrir mão do passado. "Não tem como deixar isso aqui, essa é a minha história. Acho que nem saberia viver em outro lugar", conclui.
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