“Cida do Picolé” fundou a Cruzeiro e passou 17 anos levando a bandeira da escola
Família se mobiliza para o Carnaval e todo mundo tem uma função na escola de samba que foi fundada há 37 anos
No Estrela do Sul, uma casa chama a atenção. Em uma rua estreita, há a estrutura de carro alegórico na frente e muita, mas muita fantasia na garagem. Ao entrar na sala, máquinas de costura e tecidos para todos os lados. É ali, na rua Papillon, que o G.R.E.S (Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela) Unidos do Bairro Cruzeiro concentram os trabalhos para o Carnaval desse ano.
A escola foi fundada em 1° de maio de 1981, por João Renato Pereira Guedes, o Picolé – já falecido - e pela mulher, Aparecida Gomes da Silva, “mais conhecida como a Cida do Picolé”, diz a fundadora da escola aos 68 anos. Por problemas de saúde, ela já não desfila, mas, não tira os olhos do trabalho de preparação da escola de samba para o Carnaval, que acontece dentro da casa dela.
“O Picolé desfilava na escola do Tio Goinha, o famoso Tio Goinha, no Jardim Brasil. Eu ia junto, só que não desfilava. Ele ficou muitos anos e até sair da escola do Tio Goinha. Então, ele e um amigo fundaram uma escola de samba no Santa fé, perto da Igreja da Mato Grosso. Ele ficou três anos, brigou com o presidente e resolveu fundar a nossa escola. Fomos para perto do Terminal General Osório e começamos ali a escola, em 1° de maio de 1981. Ficamos lá por muito tempo”, relembra Cida.
Apesar de a escola ter sido fundada no bairro do Cruzeiro, na região onde está atualmente o terminal de ônibus urbano, a família sempre morou no Estrela do Sul. “A gente ia a pé, no mato, daqui até lá para ensaiar todos os dias. Quando fui presidente [do bairro Estrela do Sul], trouxe a escola para o Estrela do Sul”.
Cida e Picolé são de Campo Grande e sempre gostaram de samba e Carnaval, principalmente o marido. Cida conta que eles moraram em São Paulo e por lá, Picolé também saiu em escolas de samba.
“Ele toda vida gostou e a gente acompanhava. Éramos um casal muito unido, igual somos aqui a família. Família unida para o bom e para o ruim. Então, ele ia aos desfiles e eu ia junto. Depois que eu fundei a minha escola é que eu falei: agora posso desfilar”, diz Cida.
Porta-bandeira – Após fundar a Unidos do Cruzeiro, Cida foi a porta-bandeira da escola de samba por 17 anos, de 1981 a 1998, quando foi obrigada a deixar o posto por problemas de saúde. Nesse tempo, ela teve como companheiros de mestre-sala, o irmão, o filho e um rapaz que não era da família.
“Não deu certo com o outro rapaz, porque ao invés dele cortejar, ele ia embora lá para o meio do público. Um dia, eu bati nele com a bandeira. De brava. Estávamos quase na frente dos jurados para mostrar o que sabíamos. No outro ano ele já não foi mais. Depois foi o meu filho Pelé”.
Cida diz que a função é de muita responsabilidade para escola e que tem que ter muito cuidado no que faz para ter a elegância da porta-bandeira.
“A porta-bandeira tem que ter uma seriedade muito grande no dançar, porque a gente está representando a escola de samba. Para começo de assunto de Carnaval, é a comissão de frente que chama atenção do público, a bateria, a porta-bandeira e o mestre-sala e as baianas. A porta-bandeira é quem leva a bandeira e tem que estar bem preparada para isso. É uma roupa pesada, mas nunca tive problema com dança. Na verdade, a porta-bandeira tem que dançar e o mestre-sala só cortejar”, explica.
Em 1998 a aposentadoria do Carnaval veio após problemas de saúde: na coluna e no nervo ciático. “Eu fiquei 45 dias em uma cama e, no dia do Carnaval, eu levantei, calcei meu sapato de salto, vesti minha roupa de porta-bandeira e fui desfilar na 14 de julho. Desfilávamos da 26 de Agosto até à Mato Grosso. Quando cheguei à Maracaju, não aguentei mais. Larguei a bandeira, caí e me levaram para o hospital”, relembra Cida.
Além desse episódio, Cida também já foi ao Carnaval na cadeira de rodas. “Quando estava vindo a minha escola, pedi para o rapaz que estava lá comigo para me levar lá embaixo, que queria receber os meus filhos. Fui porque o pai deles já havia morrido e a minha presença era muito importante”.
Apesar de não desfilar mais, Cida fica acompanhando o trabalho das porta-bandeiras da Unidos do Cruzeiro. “Tem porta-bandeira que quer sambar, mas porta-bandeira não samba. Eu ensino como a gente faz. A gente vê no Rio de Janeiro e aparecem os pés das porta-bandeiras e elas não estão sambando”.
Cida costurava e ajudava em todos os setores da escola de samba, porém, como atualmente tem problemas nos ossos, já não pode mais fazer esse tipo de esforço e ajuda em pequenos trabalhos.
Toda a família permanece no Carnaval: o filho mais velho, que é o presidente e carnavalesco, o filho Thierrys, é diretor de Carnaval, a filha Tatiane é rainha de bateria e os três netos que também estão envolvidos com o carnaval. “Aqui todo mundo se organiza para fazer tudo”.
Nordeste na avenida - O enredo deste ano é “Oxente! Cabra da Peste. Eu sou o Nordeste” e vai falar dos estados da região. Segundo Cida, quem for assistir pode esperar referências aos bonecos de Carnaval nordestinos, às rendeiras, à Maria Bonita e entrou nas fantasias.
O diretor de Carnaval Thierrys Guedes diz que o orçamento da escola para o Carnaval deste ano foi muito apertado e que não foi possível, durante 2018, a realização de eventos para levantar fundos. Segundo Thierrys, a escola também recebe o apoio de terreiros de religiões de matriz africana que ajudam na realização do Carnaval da Cruzeiro.
Boa parte dos adereços será de reaproveitamento de fantasias de carnavais anteriores. Uma estratégia, por exemplo, é colocar os enfeites no sol para que a cola quente amoleça e seja fácil de ser retirada. A escola vai levar para a avenida cerca de 500 componentes em 12 alas.
“Como a verba do Carnaval só saiu agora, vamos para São Paulo comprar o que falta. Para fazer as fantasias foi tudo reaproveitado. No ano passado recolhemos as fantasias e retiramos pedra por pedra, gala por gala. São pelo menos cinco alas feitas com material reciclado”.