Jander mostra em livro vivências do luto à descoberta da sexualidade
A arte de olhar para o lado e enxergar beleza no cotidiano cinza de pessoas comuns é o que inspira o escritor
“É isso que eu faço com minhas histórias. Observo, invento situações, dou soluções que eu me daria, e torno o meu inútil em literatura. Faço-as ser necessárias depois que as conhecem. Acho que no fundo eu desejo comprar o ócio para ser um vagabundo profissional, e viver à disposição da literatura, como Manoel de Barros”, Jander Gomez, escritor.
A arte de olhar para o lado e enxergar beleza no cotidiano cinza de pessoas comuns é o que inspira Jander Gomez a escrever. Autor de quatro títulos, sendo três deles publicados, e um prestes a ser lançado, suas histórias retratam a dor, alegria, angústia, medo, euforia, e a beleza de se estar vivo, tudo isso misturado a pautas sociais e LGBTQIAPN+.
Sua escrita mais recente, “Uma Colcha de Retalhos, Ela Disse”, retrata as vivências dolorosas do luto, a revolta contra a opressão do sistema comerciário, a ideação suicida, a descoberta da sexualidade. Tudo isso vivido por Tomás, jovem campo-grandense negro, pobre, que precisa lidar com o trauma da morte do pai, ao mesmo tempo que tenta conciliar trabalho e estudo para ajudar a mãe com as necessidades básicas da casa.
Para Jander, o cotidiano é fascinante, tanto na literatura quanto no cinema ou em qualquer tipo de arte. Por isso todas as suas histórias são inspiradas em alguém, algum lugar, alguma coisa.
“Há uma beleza sutil, trágica, no observar do cansaço exposto nos olhos de quem volta para casa de ônibus às seis da tarde. Essa pessoa me inspira. Manoel de Barros disse “invento para me conhecer”. Por isso o cotidiano me inspira. Há ludicidade na composição das horas que minhas vizinhas passam sentadas nas cadeiras de fio, na frente de suas casas, conversando e falando da vida “da filha da dona do bolicho”, como em "Uma Colcha de Retalhos’”, pontua Jander.
A história foi escrita por ele em 2017, mas será publicada em 27 de junho deste ano. Jander compartilha que há duas passagens no livro que lhe marcaram profundamente, que para ele são “difíceis”. A primeira delas, foi uma experiência pessoal do autor.
“Houve um momento entre 2017 e 2018 que eu quis me deixar partir. Esquecer de tudo que aqui vivi. Entrar no repouso eterno. A segunda, todos nós haveremos de passar. Mas sobre essa não falarei porque será spoiler”, adianta. “Essas dores estão no cotidiano, estão em mim, estão em todos. A dúvida, a insegurança, o medo. Eu escrevo para matar em mim a descrença de ser quem sou”, completa.
Outras obras
Ele começou a rascunhar seu primeiro livro, “Re+começar” (lê-se RÊ mais começar) ainda no terceiro ano do ensino médio. A história foi inspirada no assassinato de Rafael, um adolescente gay, morto aos 14 anos a pedradas e pauladas pelas mãos do próprio tio no Estado de Espírito Santo. Jander conta que, entre suas publicações, este é um dos livros mais vendidos.
“É bacana pensar que O Re+Começar é um livro que fala sobre a aceitação de si próprio, do amor próprio, e ao mesmo tempo faz essa denúncia contra essas violências que a comunidade LGBTQIAPN+ mais sofre”, destaca.
Jander considera que este é seu trabalho mais relevante, no sentido pessoal, pois considera que essa escrita norteia todos os caminhos que ele tem trilhado desde sua criação, principalmente dentro do espaço literário e da comunidade.
O autor explica que a história de “Re+Começar” se entrelaça bastante com a de seu próximo lançamento. Escrito em 2014, e publicado em 2015, este ano o livro será relançado, em uma edição especial de dez anos, a partir das adaptações que a história sofreu. A previsão é de que a adição especial fique pronta a tempo de publicar “Uma Colcha de Retalhos, Ela Disse”.
O seu terceiro livro, intitulado “O Bicho que me Falta”, nasceu das dores da descrença do amor, tanto das experiências de pessoas que ele ouviu relatos, quanto de suas próprias dores e de dores que ele, eventualmente, causou aos outros. A obra chegou a ser selecionada entre as vinte melhores publicações do ano seguinte. Ele também publicou “Ponto Cego”, um romance de suspense ambientado em Brasília e Terenos.
Trajetória
Nascido em Terenos, sua caminhada na escrita começou cedo, na segunda série, com histórias que ele considera “sem estrutura, sem nexos aparentes, somente a linearidade da história, a forma mais pura de um texto escrito por uma criança. Foi assim que comecei a escrever”.
A escola foi uma base fundamental para que se desenvolvesse enquanto escritor. Ele relembra que sua professora do fundamental fazia desenhos em cartolinas de objetos, animais, e lugares, e pedia para que os alunos escrevessem a partir deles.
Assim nasceram suas primeiras histórias, sobre o gato que roubou a bicicleta da vaca para poder visitar sua amiga pata, que morava em outra cidade, e o concurso de melhor leite de vacas leiteiras. No ensino médio, conta que teve seu primeiro contato com a escrita e a literatura, e desde então, não parou mais de escrever.
O lançamento de “Uma Colcha de Retalhos, Ela Disse” será realizado no dia 27 de junho, na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), à partir das 19h, com direito a roda de conversa com o autor.
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