Maíra cruzou a Avenida Afonso Pena nua e descalça para plantar uma semente
Intervenção ocorreu durante o Festival “IPêrformático – capítulo II: E se não houver luz no fim do túnel?”.
Nove quilômetros e quinhentos metros caminhando sem roupas e de pés descalços. O trajeto da performance “Virá”, de Maíra Espíndola, foi percorrido neste domingo (7). Com o corpo pintado a suco de jenipapo e outros pigmentos naturais, a artista finalizou o trecho enterrando uma semente na Praça Cuiabá. A intervenção ocorreu durante o Festival “IPêrformático – capítulo II: E se não houver luz no fim do túnel?”.
Acostumada a andar a pé, está foi a primeira vez a caminhar descalça. A artista que se inspirou na canção “Um Índio” de Caetano Veloso encerrou a caminhada com alguns arranhões e muita tinta do jenipapo que deve permanecer por mais 15 dias.
Maíra ressalta que tinha um trajeto mental, mas nada fixo. “O final, o que eu vim trazer até aqui (Praça Cuiabá) eu não sabia. A ideia é um índio em cima da música do Caetano. Quando eu iniciei o percurso fiquei imaginando um futuro que não existe gente. As pessoas no qual eu interagia eram fantasmas. Eu vim aqui plantar a última semente, que sou eu mesma".
Uma das paradas aconteceu na Praça Ary Coelho. Para Nilton Dornelas de 49 anos esta foi a primeira vez a assistir uma intervenção cultural. “Posso tirar a roupa também? Em 49 anos esta é a primeira vez que vejo uma coisa assim”, disse.
Já o professor aposentado José Martins, de 58 anos, se impressionou com a distância, mas apoia que Campo Grande experimente a arte dessa forma. “Bem natural, é um nu, mas é artístico”, comentou.
Pareceu fácil, mas em meio a incentivos houve quem atacasse a artista. Para Maira é triste saber que em pleno ano de 2019 é preciso explicar que se trata de uma performance. Na metade no trecho, exatamente, na Praça Aquidauana, um espectador gritou o nome do atual presidente Jair Bolsonaro, xingou a artista e a acusou de ser comunista.
“Eu até ia fazer um negócio naquela praça, mas não quis ficar por causas das interpelações. Tira um pouco da vibe. Até porque não sou comunista”, frisou.
A artista pontua que no geral as pessoas estão "precisando de terapia". Por isso, defende intervenções como essas, mais que necessárias. “Estou achando as pessoas mais intolerantes e esse tipo de arte predispõe a isso, quebrar os padrões, o lugar comum de botar a arte pendurada num museu, não que não tenha de ter, mas quando você olha para o que é diferente e acha que está errado, já está errado”, disse.
Alice Yura, idealizadora do Iperformático, explica que o festival partiu de uma proposta de reflexão sobre a questão política atual, repleta de embates e conservadorismo, o que ganha proporções muito maiores por conta da diversidade humana.
“Eu fechei num tema que é uma pergunta 'E se não houver luz no fim do túnel?'. Essa pergunta parte de um o pensamento de reflexões a cerca do que aconteceu no nosso cenário político de que toda a propaganda e discurso que promete e se coloca como uma solução para a crise política. Mas às vezes a luz que nos oferecem talvez não seja, de fato, a luz que a gente precisa. Então é uma proposta da gente pensar e olhar para nós mesmos e para o outros e tentar reconhecer nesse outro uma ação política”, pondera.
A ideia é atrair o olhar curioso, para depois fazer pensar. “Todos os trabalhos de performances e nas exposições que levam o tema, ou seja, toda a programação vem pra gente ter a possibilidade de pensar sobre as questões da pessoa trans, acessibilidade, do corpo deficiente, do feminicídio. Tudo isso tentando construir formas de pensar política através do afeto, relações de justiça, de respeito”, disse.
As oficinas também se relacionam com o tema do festival. Nesta segunda-feira (7), haverá exposição de fotos da primeira edição, performances, debates e oficinas. O IPêrformático nasceu em 2014 e foi o primeiro evento de arte contemporânea em Campo Grande exclusivo de performance.