Alunas viram “professoras” para ajudar faxineiro a concluir os estudos
Funcionário da limpeza, Leonardo irá prestar o Encceja e recebe apoio das alunas, que passam até lição de casa
Se você parar um minuto e observar diferentes ambientes de trabalho vai ver que alguns funcionários e suas histórias passam despercebidas. Mas na Escola Estadual Joaquim Murtinho esse cenário é diferente. Alunos do Ensino Médio notaram o sorriso e a vontade de um faxineiro terceirizado que sonha dar continuidade aos estudos, depois que sua última vez com o caderno nas mãos foi na quinta série.
Neste ano, Leonardo Diniz, de 69 anos, foi tomado pelo desejo de concluir o ensino fundamental. Assim, a história dele se cruzou com a de Valentina Ludwig, Olívia de Paula e Laura Barros. Há um mês, as alunas de 15 anos se uniram e montaram um grupo de estudos para ajudar o 'Tio Léo', que prestará a prova do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos).
Leonardo é um homem de rosto franzino, cabelos grisalhos e gestos simples. Na juventude, ele deixou a vida de estudante de lado, pois precisava trabalhar e garantir o próprio sustento. Por essa razão, a instituição de ensino foi substituída por uma fazenda em São Gabriel do Oeste, a 137 quilômetros da Capital, onde Leonardo atuou dez anos como maquinista.
Há cinco anos, ele retornou à escola, porém não para frequentar aulas e sim garantir a limpeza de cada sala e corredor. Por mais que estivesse perto de materiais didáticos e profissionais da educação, Leonardo continuava distante do conhecimento impresso nos livros e explicado pelos professores.
A vontade de estudar, conforme ele conta, ocorreu após a filha formada em ciências contábeis o incentivar. “Primeiro é porque ela se formou e quer ver eu pelo menos com o primeiro grau completo. Depois, porque é aquela fala: ‘Nunca é tarde demais para voltar a estudar”, diz.
A última vez que Leonardo estudou foi quando ainda tinha 26 anos. Na época, o homem conclui a quinta série, mas não terminou a sexta. Ele explica a razão pela qual abandonou a escola. “Eu sai de casa, fiquei sozinho no rumo da vida e tive que ir trabalhar”, relata. Determinado, agora o funcionário quer terminar o ensino fundamental e faz planos de seguir estudando para concluir o médio.
Sem saber ao certo como, o tio Léo começou a estudar sozinho e a sua própria maneira. Com dúvida, ele abordou Valentina e perguntou como construir do início à conclusão uma redação. O funcionário só não esperava que, além de ter a resposta esclarecida, seria acolhido pelas três meninas que tomaram para si a responsabilidade de o ajudar.
Valentina comenta que mobilizou as colegas, pois cada uma tem facilidade em determinada matéria. “Eu sou de exatas e biológicas, a Olívia é muito boa com humanas e a Laura é excelente em língua portuguesa. Falei com elas que o tio Léo estava precisando de ajuda. Então nos juntamos e vimos o que ele já sabia e precisava aprender”, esclarece.
O reforço acontece antes das aulas das meninas no período matutino e durante o intervalo delas. Laura relata como funciona a dinâmica do grupo. “A gente se divide. Às vezes, a Valentina pega na segunda, eu na terça e a Olívia precisa de dois dias porque é muito conteúdo”, fala. Assim como qualquer professora, as jovens também passam tarefas e exercícios para Léo solucionar em casa.
O gesto simples das estudantes comoveu Leonardo. Pela primeira vez, o funcionário sentiu o carinho e a atenção proporcionada por uma rede de apoio. “Geralmente nunca tive apoio, sempre eu que tive que batalhar. É bom, porque é um apoio para vida da gente e para mais tarde a gente se lembrar”, destaca.
Após Leonardo falar sobre a atitude nobre delas, a emoção tomou conta da biblioteca onde acontecia a entrevista. Neste momento, os risos foram brevemente substituídos pelas lágrimas e todos nós choramos um pouco.
Ruptura da segregação - O diretor do colégio, Cláudio Morinigo, de 45 anos, elogia a ação das meninas. A frente da direção desde 2016, ele também expõe que é a primeira vez que vê algo assim acontecer. “É muito legal oportunizar isso. Elas se sentem bem e têm esse pertencimento com a escola. Eles (alunos) se unem mais para estudar entre si, é mais de cunho individual, mas esse coletivo eu nunca tinha visto", pontua.
Na visão do diretor, o funcionário é uma pessoa esforçada e que tem muito a ensinar. "Ele é ótimo, ele é muito bom e proativo. Ele é mais idoso, mas a sabedoria para resolver os problemas é muito grande", frisa.
Outra questão importante, conforme Cláudio, é o rompimento da segregação que existe entre alunos e profissionais como Leonardo. "Às vezes o trabalho passa invisível e a pessoa não sente o pertencimento ao grupo da educação. Aí tem a segregação entre coordenação, professor, administrativo. Mas, essa ideia de juntar é muito legal”, afirma.
Troca de aprendizados - Apesar das jovens estarem na posição de quem ensina o conhecimento que adquiriram, elas garantem que aprendem muito com ele. Olívia fala sobre esse compartilhamento de experiências. “A gente aprende muito com ele, pela história de vida dele e por tudo que ele passou. Também aprendemos ensinando ele e a ter muita paciência com as pessoas. A gente aprende muita coisa com o tio Léo de verdade”, enfatiza.
Para Laura, a experiência também é singular, pois ela nunca teve uma relação próxima a pessoas mais velhas na família. “Eu nunca tive um avô muito presente, então é muito interessante lidar. É uma experiência totalmente nova, é uma troca. O tio Léo tem tanto esforço e carinho por estar aprendendo, então é muito bom”, comenta.
Para as meninas, é unânime que Leonardo é um exemplo de dedicação e persistência. Ao decorrer da entrevista, elas expõe que muitos têm o privilégio de estudar e escolhem não fazer isso. Por isso, o exemplo do funcionário é notável. "Essa calma, sabedoria e força de vontade que o tio Léo tem é impressionante, porque é algo que você não vê hoje em dia", declara Valentina.
A prova do Encceja está prevista para acontecer no próximo mês. Focado e animado, Leonardo segue estudando com as meninas e fazendo as lições em casa. O homem de sorriso sincero e poucas palavras só diz uma frase ao mencionar o exame. “Eu vou passar”, conclui.
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