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Comportamento

Aos 100 anos, Loló ensina amor com costura e não erra linha na agulha

Garantindo que a vida tem seus lados positivos e negativos, a centenária é exemplo de força e generosidade

Aletheya Alves | 05/05/2022 06:48
Idoloria Maria Santana completou 100 anos nesta semana. (Foto: Aletheya Alves)
Idoloria Maria Santana completou 100 anos nesta semana. (Foto: Aletheya Alves)

Quando era pequena, dona Loló aprendeu, escondida, a costurar observando a mãe e já na época se apaixonou pelas técnicas. Hoje, com 100 anos, ela continua pondo linha na agulha e dá lições de amor através das peças que surgem a partir de suas mãos.

“Você achou pouquinho ainda? Criatura, não é não. Não tô nova nada, 100 anos”. A resposta de Idoloria Maria Santana veio depois que cheguei, de surpresa, para fazer nossa entrevista e disse que ela ainda era jovem.

Com bom humor e uma memória incrível, uma hora de conversa ficou parecendo tempo até insuficiente devido à riqueza de detalhes oferecida por Loló, como é chamada pela família. No dia anterior ao nosso encontro, ela havia completado os 100 anos e, ao lado dos bisnetos que fazem aniversário na mesma data, passou o dia todo recebendo visitas e festejando o marco.

“Fizeram tudo com muito carinho e tenho meus bisnetos de ouro, que vieram para fazer aniversário mais eu. A família é grandona”, resumiu sobre a festa com a família.

Festa de aniversário foi celebrada em sua casa. (Foto: Roberto Oshiro)
Festa de aniversário foi celebrada em sua casa. (Foto: Roberto Oshiro)

Paciente e com vontade de conversar, depois de explicar sobre o aniversário, Loló puxou as linhas da memória e, assim como as diversas peças dispostas pela casa feitas por ela, teceu mais uma vez sua história.

Eu sou da Bahia, mas viemos para cá quando eu já tinha meus filhos. A Bahia é boa, mas aqui é melhor para viver. Eu vim com meus irmãos depois da gente perder tudo o que tinha lá com uma seca. Um irmão que tinha dinheiro deu para o outro e assim que a gente veio", diz.

Mas bem antes da seca matar os animais da família e a vida precisar mudar, como ela lembra, detalhes que continuam vivos até hoje foram criados. Cheia de energia desde sempre, Loló diz que sempre foi arteira, por assim dizer.

Com fotos que comprovam a energia de sobra, até os 70 anos, ela subia em árvores, e esse gosto peculiar começou quando ainda era criança. “Eu subia em pé de coco, ia lá em cima. Um dia, ia apanhar da minha mãe e subi lá em cima, fiquei escondida. Depois, acabei escorregando e machuquei todinha a minha perna. Tive que esconder e me curar sozinha, nunca minha mãe ficou sabendo”, conta se divertindo.

Loló, aos 70 anos, em cima de um pé de manga. (Foto: Arquivo pessoal)
Loló, aos 70 anos, em cima de um pé de manga. (Foto: Arquivo pessoal)

Já sobre o amor com a costura, ela narra que tudo começou às escondidas. “Minha mãe costurava para os outros, era a vida dela. Eu olhava ela e, um dia, quando ela saiu de casa, eu comecei a mexer na máquina escondida”, relembra.

Loló explica que foi tendo contato com os cortes e com os fios, até que um dia resolveu tentar fazer uma camisola.

Cortei o tecido e costurei tudo, ficou bem certinho. Aí quando minha mãe chegou, ela começou a perguntar quem tinha feito aquilo e eu fiquei com medo de falar. Ela continuou perguntando e eu falei: ‘Fui eu, eu que fiz’. Quando eu contei que tinha feito, ela sorriu e disse que tinha ficado muito bom, ‘parabéns, minha filha, pode fazer mais’, ela me disse. Ficou orgulhosa, aí comecei a costurar com ela."

Sem deixar para trás a curiosidade com os tecidos, Idoloria continuou se dedicando à costura e narra que durante sua vida, já fez de tudo um pouco. Quando ainda morava na Bahia, até tirar o algodão da roça ela tirou para fazer uma peça de roupa a partir da matéria-prima.

“Eu tirava o algodão da planta e arrumava até conseguir usar para fazer roupa. Uma vez, tirei, estiquei os fios e fiz uma calça para o meu marido trabalhar. O que eu faço hoje não é difícil não”, explica.

Além de “vestir” o marido, as roupas feitas por ela acabaram se transformando em um elo entre toda a família. Quando se mudaram para Campo Grande, em busca de uma vida melhor, um dos ofícios de Idoloria para sustentar os filhos foi continuar produzindo roupas e artesanatos.

Centenária costurando ao lado de uma das bisnetas. (Foto: Arquivo pessoal)
Centenária costurando ao lado de uma das bisnetas. (Foto: Arquivo pessoal)

Com o tempo, mais do que um trabalho, as peças passaram a se tornar também demonstrações de amor e carinho. Filhos, netos e bisnetos, todos ganharam e seguem ganhando tapetes, fronhas, lençóis e colchas feitos por Loló.

Tanto é que a maior parte da família garante que nunca precisou comprar as peças. Inclusive, ainda hoje, ela mantém a máquina de costura ativa e segue criando. “Um tapete desses que tenho aqui, eu faço em um dia, não é demorado não”, diz.

Cheios de detalhes, os tapetes da centenária continuam repletos de cores e detalhes construídos por ela.

E, assim como uma das netas iria relatar depois, sem nem mesmo saber da dinâmica da entrevista, Loló mostrou que suas lições de carinho vão para além da família. “Você quer um tapete? Eu dou para você. Posso fazer um se quiser”, e não deixou que eu saísse da casa sem uma lembrança física de sua história tecida.

Linhas compartilhadas 

Mãe de seis filhos, avó de 10 netos e rodeada pelos 11 bisnetos, Idoloria se tornou o afeto em forma de pessoa para cada um dos integrantes da família. Mesmo sem conseguir participar da entrevista presencialmente, parte dos familiares enviaram seus depoimentos e memórias com Loló para garantir que mais uma memória, desta vez, criada em palavras escritas, ficasse recheada de carinho.

Responsável por organizar as falas, Raquel Ermenegidio conta que sempre foi ligada à avó e que, assim como para outras pessoas da família, a matriarca continua sendo um exemplo. A ligação entre elas se tornou ainda mais forte, de acordo com a neta, com o nascimento de seus filhos na mesma data de Loló.

Bisnetos nasceram da mesma data em que Loló. (Foto: Roberto Oshiro)
Bisnetos nasceram da mesma data em que Loló. (Foto: Roberto Oshiro)

“Desde cedo, procurei me inspirar no seu exemplo de dedicação, força de vontade e união. Sempre digo que ela é minha inspiração de vida, em todos os momentos da minha vida, felizes e tristes, ela esteve por perto nos apoiando”, conta.

Raquel diz que, há pouco tempo, perdeu o pai e, nesse momento de tanta dor, a avó demonstrou mais uma vez como o amor é necessário em tempos difíceis.

Ela chorou, ficou arrasada. Ele era um genro que sempre foi tratado por ela como um filho. No outro dia, ela nos acalentou e deu mais uma lição de vida com palavras de sabedoria", Raquel detalha.

Assim como para Raquel, o amor e a empatia são características importantes da avó para Anny Santana Danta. Foi ela quem antecipou o ato que Loló teria, ao me presentear com o tapete.

“Uma das características que mais se destaca é a vontade de partilhar. É muito difícil que alguém vá visitá-la e vá embora com as mãos vazias. Pode ser um pano de prato, uma fronha ou tapete que ela costurou, ou ainda acerolas e limões recém-colhidos do próprio quintal. Ela ensinou a gente desde cedo, através do exemplo, que dificilmente teremos tão pouco que não dê para dividir com o próximo.”

Parte da família ao lado da centenária. (Foto: Arquivo pessoal)
Parte da família ao lado da centenária. (Foto: Arquivo pessoal)

E, com tanto a ser contado sobre Loló, as características destacadas pelas netas e o amor demonstrado foram reforçados nas palavras das filhas e bisnetas.

No fim das contas, o sentimento é de que, claro, há muita história guardada em sua memória e com os familiares, mas que o coração da centenária só aumentou em carinho com o decorrer do tempo e seguiu novinho em folha, pronto para ensinar sobre como tecer o amor.

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