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Comportamento

Com tantos casos, como falar sobre abuso sexual com as crianças?

Primeiro ponto é ensinar as partes do corpo para os pequenos e explicar quais áreas não podem ser tocadas

Paula Maciulevicius Brasil | 25/08/2020 06:49
Imagem da delegacia especializada no atendimento de crianças vítimas, Depca, e viatura com acusado chegando. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)
Imagem da delegacia especializada no atendimento de crianças vítimas, Depca, e viatura com acusado chegando. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)

É difícil até começar um texto sobre o assunto que é notícia quase que diariamente: o de crianças vítimas de abusos sexuais. Só no ano passado, Mato Grosso do Sul foi o estado que liderou o ranking de denúncias de violações dos direitos humanos, por abusos contra crianças em adolescentes. Das 1.344 denúncias feitas ao Disque 100, 42% eram sobre abuso sexual.

Números a parte, cada vez que o assunto é noticiado, muitas famílias se perguntam de que forma devem abordar o tema, se devem e a partir de qual idade. Psiquiatra infantil, Carolina Gomes explica que o primeiro ponto é ensinar as partes do corpo para os pequenos.

"A criança tem que saber dar nome as partes - inclusive para conseguir explicar caso alguém tente tocar uma delas. Essa conversa pode começar desde muito pequeno, partir dos 14/18 meses", fala a médica.

Seguindo a idade, Carolina explica que com 3 anos, os pequenos já conseguem aprender sobre quais partes do corpo são “privadas”. "E que não podem deixar as pessoas tocarem nessas partes, que são íntimas, que ninguém pode 'fazer carinho' nem encostar nelas", frisa.

Páginas de "Pipo e Fifi", livro que sobre prevenção de violência sexual para crianças.
Páginas de "Pipo e Fifi", livro que sobre prevenção de violência sexual para crianças.
Livro exemplifica como crianças podem aprender a diferenciar "carícias e carinhos ruins".
Livro exemplifica como crianças podem aprender a diferenciar "carícias e carinhos ruins".

Quando as crianças chegam por volta dos 5 anos, a psiquiatra recomenda ensinar as normas de segurança gerais, como: não ficar perto de estranhos, não aceitar brinquedos ou comida em troca de favores, que ninguém pode acariciá-los, e que alguns tipos de 'carícias e carinhos são ruins'.

"Deve-se falar sobre sair de perto caso algo do tipo aconteça e contar imediatamente aos pais. Estabelecer um vínculo de confiança com os filhos, com diálogo e interesse por coisas do seu dia a dia é fundamental, só assim a criança terá abertura para contar caso algo saia do esperado", levanta a psiquiatra.

Existem livros próprios para crianças que falam sobre o corpo ou explicam de maneira mais lúdica quais áreas do corpo não podem ser tocadas. A psiquiatra só pede atenção para a faixa etária do livro e ao grau de maturidade da criança. "Nunca exponha imagens, vídeos ou use vocabulário como se seu filho 'já soubesse de tudo'. O assunto é delicado de ser conversado e se sentir insegurança para conversar sobre o tema, procure um profissional capaz de orientá-lo", diz a médica.

Educadora parental de disciplina positiva e comunicação não violenta Ariane Osshiro, exemplifica um diálogo que pode ser travado entre pais e crianças logo nos primeiros meses de vida:

Avise o que irá fazer com o seu bebê:
- "Vamos trocar a fralda?"

Para os maiores, comunique o seu respeito e cuidado durante a troca. Normalize o respeito:
- "Com licença, vou troca a sua fralda. Agora vou limpar o bumbum".

Desde bebê, pais podem falar sobre o assunto na troca de fralda, pedindo licença ao filho e dizendo o que será feito. (Foto: Henrique Kawaminami)
Desde bebê, pais podem falar sobre o assunto na troca de fralda, pedindo licença ao filho e dizendo o que será feito. (Foto: Henrique Kawaminami)

Ainda é possível oferecer a opção da troca da fralde de pé: "Algumas crianças percebem como afronta o fato de serem trocadas deitadas e obrigadas a isso. Se a criança já fica de pé sozinha e resiste, proponha trocá-la de pé. Ela tende a sentir segura se está ciente de tudo o que acontece ao seu redor, o que a ajuda a ser mais receptiva e colaborativa".

Pergunte no banho: Se a criança ainda não toma banho sozinha, é respeitoso perguntar a ela se você pode higienizar as partes íntimas. "Aproveite para ensinar sobre e quais são as partes íntimas", indica Ariane.

Os pais podem ainda usar livros específicos, como: "Coleção Popo e Fifi", que inclusive tem edição especial para o público de 0 a 3 anos; "Não me toca seu boboca;  "O segredo da Tartanina"; "O que eu já sou capaz de fazer"; "Sem mais segredo: Juju, uma menina muito corajosa". E ainda um livro de autora sul-mato-grossense, o "Capivarinhas são são sozinhas, uma história de amizade", de Ana Maria Assis, que pode ser baixado gratuitamente clicando aqui.

Sinais - As crianças podem expressar, pelo comportamento, sinais de que alguma coisa está errada. A família precisa estar atenta porque as mudanças podem ser desde sutis a intensas e evidentes. Em linhas gerais, a psiquiatra cita alguns sinais que merecem atenção:

  • Alterações nos padrões de sono (pesadelos, insônia)
  • Mudanças de humor, o surgimento de um padrão súbito de irritabilidade e até mesmo agressividade. Por exemplo, um criança que antes era dócil e carinhosa e passa a ter comportamento agressivo e irritável.
  • Prejuízos escolares também são comuns, notas baixas na escola, desinteresse e recusa escolar.
  • Comportamentos regredidos, mais infantilizados do que esperado para a idade e perda da autonomia. A criança pode voltar a urinar na cama por exemplo ou começar a pedir auxilio dos cuidadores para realizar tarefas que a já era capaz de fazer, como escolher a própria roupa e amarrar os sapatos.
  • O aparecimento súbito de medos e pânico. A criança pode pedir para dormir com os pais ou não querer ficar longe dos mesmos. Outro fato é começar a se negar de sair de casa, optar por ficar isolada, ter medo de ficar perto de alguns adultos e até mesmo, ter pânico quando se aproxima de algumas pessoas ou de determinado sexo.
  • Comportamento hipersexualizado e não esperado para a faixa etária também pode acontecer. As manifestações sexualizada podem aparecer através da fala, da busca por conteúdo sexual na internet, interesse demasiado no assunto, masturbação excessiva, toque ou exposição dos genitais. Algumas crianças também expressam nas brincadeiras como colocando bonecos em posição sexual, desenhos com o conteúdo não são incomuns.

"É importante lembrar que tais sinais são sugestivos, mas não imperativos de que o abuso sexual aconteceu", destaca a psiquiatra.

A longo prazo, o abuso deixa marca e prejuízos no desenvolvimento da vítima e da vida adulta. "Uma criança que foi vítima de abuso pode ter um maior risco para desenvolver um transtorno psiquiátrico, como depressão, estresse pós traumático, transtornos de ansiedade, dificuldade para estabelecer vínculos de confiança e relacionamentos e mudanças em aspectos da personalidade”.

Página do livro de Ana Maria Assis, "Capivarinhas não são sozinhas".
Página do livro de Ana Maria Assis, "Capivarinhas não são sozinhas".

Desconfiou? - No caso da família perceber um comportamento diferente na criança, a psiquiatra fala que conversar com o filho que pode ter sido vítima exige um preparo para não causar mais danos do que a situação em si.

"Sempre falo para os familiares buscarem um profissional capacitado como um psiquiatra infantil ou psicólogo para dar orientações sobre como falar com a criança sobre o tema e também sobre a notificação e denúncia do caso", especifica Carolina.

Segundo a médica, crianças pequenas podem ser induzidas a fantasiar ou criar falsas memórias de situações como consequência a uma pergunta muito diretiva, inquisidora ou até mesmo por exemplos dados.

"O ideal nesses casos é não perguntar, se não souber como, e buscar orientação profissional. Caso a criança fale espontaneamente, escute abertamente tudo o que ela diz, acolha seus sentimentos e nunca questione a veracidade do fato. Já na presença de qualquer lesão física suspeita, os familiares devem levar a criança para um pronto atendimento pediátrico imediatamente", ressalta.

As crianças vítimas, muitas vezes não contam pela ligação afetiva que podem ter com o abusador. "Segundo o fórum brasileiro de segurança pública, 75,9% das vítimas possuem algum vínculo com o abusador e quando esse envolvimento acontece é mais difícil para a vítima relatar o fato", pontua Carolina

Além da possível ligação afetiva, os principais motivos para não denunciar também inclui medo do abusador, das ameaças, de perder os pais, ser expulso de casa, que não acreditem nela ou ainda o medo de ser culpado pela discórdia familiar.

Junto com a orientação sobre o que é abuso, a psiquiatra fala da importância da atenta supervisão da criança.

Psiquiatra infantil, Carolina Gomes orienta os pais a conversarem sobre o assunto, de acordo com a idade da criança. (Foto: Carolina Alves)
Psiquiatra infantil, Carolina Gomes orienta os pais a conversarem sobre o assunto, de acordo com a idade da criança. (Foto: Carolina Alves)

"Estar por perto, olhar e saber onde e com quem seu filho está é a melhor maneira de prevenir tais situações. Nunca deixe crianças na rua sozinhas ou até mesmo com crianças de idade muito mais avançada. Vá sempre junto ao banheiro público, por exemplo em shoppings e restaurantes, cuide para que ninguém frequente a sua casa e fique a sós com as crianças. Em caso de ter que deixar a criança em outros locais saiba quem são os cuidadores e escolha pessoas de confiança, orientando sempre sobre supervisão constante".

Outro ponto é sobre a internet e a necessidade de fiscalização constante. "Chats e jogos online são porta de entrada para abusadores, além de que vídeos e filmes com conteúdo sexual são amplamente disponíveis", acrescenta Carolina.

Onde denunciar - Sempre que houver alguma suspeita de abuso o atendimento pode ser buscado das seguintes formas:

  • Conselho Tutelar: É responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes ameaçados ou violados em seus direitos. A denúncia pode ser feita por telefone ou pessoalmente, na sede do conselho. Cada município possui seu próprio telefone, em Campo Grande são três unidades:

    Conselho Tutelar Norte - Endereço Rua São João Bosco, 49 – Bairro Monte Castelo, telefones: 98403-5485 e 98404-5981;
    Conselho Tutelar Centro - Endereço Rua Sebastião Lima, 1297 – Bairro Monte Líbano, telefones: 3314-4337, 98403-2071 e 98471-7947;
    Conselho Tutelar Sul - Endereço Rua Arquiteto Vilanova Artigas, s/nº (ao lado do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul) – Bairro Aero Rancho, telefones: 3314-6370, 98403-2579 e 98404-6420.

  • Delegacias: A denúncia pode ser feita diretamente na Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), na Rua Dr. Arlindo de Andrade, 145, Bairro Amambaí. Os telefones de contato são: 3323-2500/2510.

  • CREAS/CRAS: Atendimento que inclui o atendimento psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

  • Ministério Público: Todo Estado conta com um Centro de Apoio Operacional (CAO), que pode e deve ser acessado na defesa e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes pelo telefone: 127.

  • Disque 100 - canal de denúncia da Mulher, Família e dos Direitos Humanos é um serviço de proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A denúncia será analisada e encaminhada aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos, respeitando as competências de cada órgão.

  • Aplicativo proteja Brasil: Depois de instalar o aplicativo gratuito em seu celular, o usuário registra a denúncia, a qual será recebida pela mesma central de atendimento do Disque 100.
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