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Comportamento

Conversar ou assistir filmes sem ver o celular virou um milagre

Vício em celular rouba prazeres simples e ainda testa a paciência de quem vai aos cinemas

Por Natália Olliver e Gabriela Cenciarelli | 04/09/2024 06:10
Para muitos, ver filmes inteiros sem ver notificações se tornou tarefa quase impossível (Foto: Paulo Francis)
Para muitos, ver filmes inteiros sem ver notificações se tornou tarefa quase impossível (Foto: Paulo Francis)

É em casa, na mesa do bar, no cinema. Em todos esses cenários, há sempre alguém com o celular na mão. A sensação é de que ninguém consegue se desconectar, quem dirá passar o tempo de um filme no cinema sem olhar as notificações ou ficar rolando o feed das redes sociais, mesmo sem absorver qualquer conteúdo. E esse hábito, que para muitos virou um vício, não pode ser ignorado.

"Celular em primeiro lugar”; “fico preocupada com as pessoas me mandando mensagem, sempre olho, toda hora. Eu sei que estou perdendo muita coisa”; “não consigo assistir um filme inteiro sem pegar no celular de jeito nenhum”.

Diante do cenário cada vez mais distante do real e próximo das telas, relatos como os de Kaique Miller, Nicole Lemos e André Martinez resumem a dependência nos aparelhos, especialmente das redes sociais, durante tarefas que seriam prazerosas, como conversar com amigos ou assistir filmes inteiros sem ceder às notificações. Dar aquela famosa "olhadinha rápida".

A psicóloga Cristiane Lang explica que a dependência de fato mudou a maneira de interagir com o outro e que, não só isso, também alterou a capacidade de viver o presente sem que um toque interrompa atividades ou conversas.

“Mudou profundamente nossos hábitos. O imediatismo proporcionado pela tecnologia faz com que atividades que antes eram prazerosas, como assistir a um filme ou ir à academia, se tornem tarefas fragmentadas, com constantes paradas para verificar notificações, mensagens ou atualizações”.

Rafael da Silva Mendonça, de 18 anos, explica que as redes são uma fuga da realidade e que não consegue não responder mensagens quando o celular vibra no bolso. “Se receber eu olho. Quando a gente tem alguns problemas a gente esquece da vida e a internet é uma motivação pra isso. Uso muito e perco muito tempo com a família".

Ciente que está perdendo momentos únicos da vida, Nicole Lemos, de 14 anos, só tem a atenção conquistada com filmes classificados por ela como “interessantes”. Ao lado da avó, a garota conta que fica preocupada com pessoas que mandam mensagens e se sente na obrigação de respondê-las no menor tempo possível.

“Eu sei que estou perdendo muita coisa, que poderia estar fazendo muitas coisas ao invés de estar no celular, mas não paro para pensar. Acho que podia estar me divertindo com a família ou com os meus amigos”.

André Martinez e Gustavo Medina, de 19 anos, acham que a presença on-line de maneira exagerada rouba momentos com a família. “Estou perdendo a convivência com amigos e família. Passo mais ou menos 5 horas no celular”, diz Gustavo.

Kaique Miller acredita que dá para fazer mais de uma coisa sem precisar de atenção exclusiva. “Eu trabalho com isso. Não vejo filme sem olhar. Celular em 1º lugar” ele acrescenta que se estiver conversando com alguém presencialmente não exitaria em interromper a conversa para responder uma mensagem “não tem como”.

A psicóloga ressalta que viver de forma tão conectada gera perdas de momentos preciosos e simples da rotina, como um encontro com amigos, um diálogo de um filme visto nos cinemas ou um gesto de carinho de maneira espontânea, que a pessoa não viu por estar em outro universo, por exemplo.

“A experiência de assistir a um filme deixa de ser imersiva quando interrompida pela "olhadinha" no celular", e o prazer de realizar uma tarefa como limpar a casa ou malhar na academia se perde na distração constante. Essa necessidade de verificar o celular compromete nossa capacidade de concentração e de experimentar atividades em sua totalidade”.

Nas ruas tem sempre alguém olhando o celular. (Foto: Paulo Francis)
Nas ruas tem sempre alguém olhando o celular. (Foto: Paulo Francis)

Parece droga

Para Cristiane, o vício nas redes sociais é parecido com os efeitos de uma droga no cérebro, onde as notificações, curtidas e comentários ativam o sistema de recompensa, liberando dopamina, que é associada ao prazer.

“Esse ciclo de recompensas pode criar um vício, especialmente em cérebros ainda em desenvolvimento, tornando o desapego mais difícil. A nova geração, muitas vezes busca validação social por meio de curtidas, compartilhamentos e comentários. A aprovação recebida nas redes sociais pode se tornar um substituto para a autoestima, criando uma dependência emocional”, explica.

Nova geração

O problema de não desgrudar das redes sociais e não conseguir fazer mais tarefas sem a interrupção é mais comum entre pessoas da famosa nova geração. Ou seja, aquelas que já cresceram em contato com os smartphones e redes sociais. Para eles é mais penoso o processo por não conhecerem outras formas de viver.

“Eles cresceram em um ambiente onde estar online é a norma e não conhecem um mundo sem essa conexão constante. Isso faz com que o desapego seja mais desafiador, pois envolve romper com algo que sempre esteve presente”. Atrelado a isso está a FOMO, sigla usada para descrever o sentimento de pressão social e medo de perder experiências, novidades ou conexões”.

Mas, como sair do virtual? 

Cristiane pontua que é necessário adotar uma abordagem mais consciente em relação ao uso das tecnologias, o que inclui estabelecer limites claros, como definir horários para o uso, não pegar durante filmes, refeições ou atividades esportivas. Também é preciso tentar se concentrar plenamente na tarefa desenvolvida.

“Se estiver assistindo a um filme, permita-se imergir na história sem interrupções. O mesmo vale para conversas, exercícios ou tarefas domésticas”.

Além disso, é importante criar momentos “offline” fora das redes. Para isso reserve um dia ou partes do dia para se desconectar das redes e do celular. Aqui o objetivo é usar o tempo para se reconectar com atividades que antes eram prazerosas.

Refletir sobre os hábitos de consumo faz parte do processo. “Pergunte-se se realmente precisa ver as notificações ou se pode deixá-las para depois e considere como essa dependência está afetando sua vida. O que você está perdendo ao permitir que o celular e as redes sociais tenham seu ritmo?”, questiona Cristiane.

O famoso detox funciona? 

A primeira vista, o detox de redes sociais pode ser considerado apenas como algo bom, mas a longo prazo, se não dosado, pode acarretar em outros problemas, como distanciamento social e efeito ‘rebote’.

“Para algumas pessoas, um detox pode criar uma sensação de privação, fazendo com que elas retornem às redes sociais com ainda mais intensidade, quase como uma "recompensa" por terem ficado longe. Isso pode resultar em um ciclo de uso excessivo após o período de abstinência”.

Mas nem tudo é ruim. Segundo a psicóloga, entre os benefícios do detox está a redução da sobrecarga mental, redescoberta do tempo livre, aumento na concentração e produtividade.

"Em vez de simplesmente desconectar por um mês e depois voltar aos velhos hábitos, o ideal é usar o detox como um ponto de partida para desenvolver uma relação mais saudável e consciente com a tecnologia”.

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