Da enxada para os palcos, Maria Rojava é a drag queen militante do MST
Há 2 anos, ela faz performances levantando a bandeira da diversidade sexual dentro do Movimento Sem Terra
De batom e salto alto, Maria Rojava, de 23 anos, virou símbolo de resistência contra o preconceito. Negra e camponesa, a drag queen por ofício há dois anos faz performances levantando a bandeira da diversidade sexual dentro do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
De uma beira de estrada do Tocantins para o mundo, ela trocou a enxada pelo brilho, mas sem esquecer de onde veio. Por isso, a convite do Coletivo LGBT da Feira Estadual Reforma Agrária, que acontece na Praça Ary Coelho, Maria está em Campo Grande para se apresentar e discutir mais sobre o universo cultural e social LGBT no campo.
Maria Rojava é Hony Sobrinho por nome de registro. Atualmente vive em Brasília (DF), dedicando-se às lutas do MST e a subir nos palcos como a personagem. “Sempre atuei na cultura e quando descobri a arte drag queen, achei interessante me assumir dentro da organização para levar adiante uma mensagem consciente e com isso ajudar outras pessoas a assumirem sua identidade sexual”, conta.
O que para muitos ainda é um desafio diante do machismo e intolerância, para ela é motivo de luta. “Há 33 anos o público LGBT sempre esteve presente no movimento, mas nunca deram a cara a tapa para levantar a bandeira da diversidade sexual em busca da liberdade”.
O processo de aceitação por todos do MST ainda não é fácil, admite, mas há espaço e compreensão como nunca visto em outro grupo, garante. “Até parece harmonioso, mas ainda é difícil ser gay e, ao mesmo tempo, um sujeito político dentro de um movimento que sente todos os dias a violência e o discurso de ódio da sociedade. Entretanto, nós nunca sofremos opressão por parte do movimento e isso prova o espaço que temos”.
A mudança no caminho começou há três anos, em cima dos palcos, com discurso politizado, porém linda e montada, como nunca havia imaginado. "Eu nem sabia direito o que era ser drag, mas quando comecei a entender já quis usar batom e colocar saltinho publicamente. Percebia que nascia em mim uma Maria", conta.
Já o nome foi bastismo coletivo, dentro da Escola Nacional Florestam Fernandes, uma instituição de formação política, nacional e internacional, construída pelo MST há 12 anos.
“Havia uma turma do Curdistão sírio na escola e 'Rojava' é um território, com enfrentamento e mulheres a frente do processo armado do País. Então, simbolizando a resistência, essa turma foi quem deu o nome a quem sou na noite: Maria Rojava”.
Se não fossem os curdos, a drag queen carregaria um nome ainda mais autêntico. "Seria Maria Lona Preta, porque sempre carreguei comigo todos os esses elementos do nosso povo. Mas tenho certeza que seria sucesso", brinca.
No mundo do MST, a realidade sempre bateu à porta. "Fui acampado, meus pais ainda são assentados e continuam lutando pelos seus direitos. Vivi a realidade de não ter energia, água e morar na beira da BR sob uma lona preta. Isso ajudou a entender o que eu era e pelo que eu deveria lutar", diz.
Maria Rojava não é um segredo para a família, mas o momento da revelação também nunca aconteceu. "Eles sabem que dentro de casa sou a mesma pessoa que fora, me respeitam e não questionam minha sexualidade. Mantemos contato como qualquer família e nunca tivemos um conflito sobre isso. Só saí de casa por um processo de militância que eles me apoiaram, mas foi por preconceito ou rejeição. Aliás tenho prima transexual e lésbica, a família é babadeira”.
Maria Rojava surge toda semana em intervenções, eventos culturais alternativos e feiras que fazem parte da agenda do Movimento Sem Terra. Uma forma de mostrar na prática que as drags vão à luta por respeito.
“Muita gente fala: nem sabia que existia bicha no campo. Isso por ser um espaço maior para o patriarcado, igreja e instituição familiar, o que faz com que muitos abandonem tudo para exercer a sexualidade na vida urbana. A gente precisa quebrar isso, mostrando que gay também produz, trabalha, pega na enxada e constitui sua família. E só o debate é capaz de contribuir para que a gente consiga mudar esse olhar e transformar a nossa realidade. Afinal sou uma camponesa, que não usa botina, mas dá close de salto e batom da MAC”.
A primeira Feira Estadual da Reforma Agrária termina hoje (25) na Praça Ary Coelho, haverá apresentação de Maria Rojava e quem encerra o evento é a cantora Marina Peralta com voz e violão.
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