Depois de tragédias acumuladas, Altamir ganhou chance de ser pai aos 76
No dia dos pais, a história é narrada da perspectiva de quem na velhice descobriu novo significado para a paternidade.
A conversa com Altamir Soares de Oliveira é leve, apesar das tragédias. Os 76 anos, recém completados no dia 9 de julho, são repletos de histórias. Ao contá-las, o senhorzinho que nos recebe na cadeira de rodas tem um sorriso no rosto e várias piadas prontas na ponta da língua. As dores do passado estão bem guardadas enquanto narra a partida forçada da irmã com quem dividiu a infância e boa parte da velhice e a perda das pernas. O olhar é voltado para os dias que ainda virão, independente de quantos sejam.
Com palavras que não pesam, as lições do envelhecer vem acompanhadas de relações afetivas cada vez mais frágeis e a sabedoria de quem, com o tempo, aprendeu a lidar com as consequências da maneira como escolheu viver em um época em que se quer imaginava que elas um dia viriam.
No Dia dos Pais, a história é narrada da perspectiva de quem, na velhice, descobriu novo significado para a paternidade, para a responsabilidade com o outro e com o anseio de recuperar anos perdidos da companhia dos seis filhos biológicos que não viu crescer e com quem hoje não tem contato.
Altamir criou novos laços com a família que o recebeu há cerca de seis anos no Sirpha Lar de Idosos. Por lá, a vida é agitada e cheia de amigos, que movimentaram o quarto em que vive no aniversário comemorado com bolo, café, tereré e muita música, além da companhia de um filho do coração encontrado já adulto.
Voluntário no lar de idosos, Mário Júnior visita o “pai” duas vezes por semana, momento em que também leva música ao vivo para animar o almoço no salão de convivência em que os idosos passam boa parte do dia. Sobre a origem da amizade que virou laço familiar, Altamir explica sem meias palavras: “esse aí na rua, depois de velho e ele me adotou como pai”.
Aos fins de semana e feriados, Mário leva o senhorzinho com talento para comediante para casa, onde os filhos já o chamam de avô e a esposa o trata como sogro. “Quando vou para a casa dele, a esposa me pede benção, me abraça, os filhos me tratam como se fossem meus netos”, conta Altamir, que aos poucos ressignifica o sentimento de ser amado.
Sem contato algum com os filhos biológicos, Altamir conta que “estão espalhados pelo mundo”. Com certeza, sabe que há até uma bisneta em Ponta Porã, cidade de origem. Uma filha em Maracaju e outra aqui em Campo Grande, os outros são “um de cada mãe”, frutos de relacionamentos que nunca deram certo. Com a partida das mães, ele viu também irem os filhos, sem que na época soubesse para onde ou fosse capaz de estabelecer contato.
“Eu tenho vontade de ver eles, mas não se criaram comigo. Eu errei, mas eles também não falam comigo. Não sabem de mim e nem que eu vim parar aqui.” Explica a ausência, com a esperança de que, conhecendo o paradeiro do pai, os filhos o procurem. Para quem, pela primeira vez, ganhou acaba de ganhar chance perdida por Altamir seis vezes, o conselho que fica é um só. “Tem que assumir a responsabilidade”.
Nascido em Ponta Porã, ele vive em Campo Grande Há mais de 50 anos. Por aqui, foi dono de um restaurante na região da antiga rodoviária e a maior parte do tempo se virou sozinho, acostumado a ser dono do próprio negócio.
Com a idade, Altamir deixou a casa em que viveu por 30 anos na Rua Barão de Ladário para morar com a irmã no bairro Canguru. Pouco tempo mais velha, a decisão veio depois que ela se divorciou. Ele, que mais novo não havia se “acertado” com ninguém, encarou como natural terminar a vida na companhia dela, já que “caçulas” da família, não se soltavam. “Onde estava um, estava o outro”.
Dono de comércio a vida inteira, a casa da esquina foi transformada em bar na parte da frente, enquanto uma peça menor foi construída para eles nos fundos. O negócio tocado em conjunto estava “indo para frente”, rumo ao que prometia ser um ritmo de vida tranquilo em um bairro afastado do centro.
A despedida e o fim dos planos foram inesperados, acostumado a trabalhar sem reclamar e não ficar de cama por qualquer coisa, Altamir conta que por aqueles dias sentiu dor no estômago por cerca de dois dias antes de finalmente pedir um remédio para a irmã e ir se deitar depois do almoço. “Quando acordei, alguém me puxava para fora da casa. Tinham matada a minha irmã e colocado fogo em tudo. Eu saí só com um cobertor e a minha roupa, todo o resto perdeu tudo”.
O crime aconteceu em 2010 e chegou a ocupar as páginas dos jornais, apesar do culpado ter sido encontrado e julgado, Altamir pouco sabe do desenvolver do caso. Sem a companheira com quem dividiu toda a infância e a velhice, morou por algum tempo com um sobrinho, mas acabou por encontrar abrigo no lar de idosos depois que o parente teve câncer e precisou fazer o tratamento em São Paulo.
Depois de ouvir sobre os anos em que viveu com a irmã e sobre a partida antecipada da idosa, a primeira impressão é de que o incêndio de alguma forma levou também as pernas de Altamir, mas a sequência de infortúnios ao longo do caminho é um pouco mais longa.
Morando na região do Mercadão Municipal, Altamir saiu para comprar cigarros e em meio à confusão de uma rua interditada por uma manifestação foi atropelado por uma moto, perdeu o equilíbrio e caiu embaixo de uma Kombi que passava. A ferida nunca cicatrizou e os médicos não tiveram opção que não a amputação das duas pernas. A descrição dos detalhes vem como quem conta o acidente sofrido por outra pessoa, rejeitando qualquer tipo de pena que a narração possa despertar em quem ouve. “O que eu já passei, não cabe só nessa minha vida”.
Sem fins lucrativos, a entidade não governamental sobrevive com o apoio de doações de colaboradores e do convênio com a prefeitura. Atualmente são 78 acolhidos, com mais 2 idosos que chegarão em breve completando a capacidade máxima de residentes, que é de 80 pessoas.
Com recursos limitados, todas as doações são importantes, principalmente de fralda geriátrica tamanho G e produtos de higiene pessoal. Contribuições também podem ser feitas em dinheiro ou por depósito na conta: Banco do Brasil, Agência: 4211-0, Conta: 90613-1.