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Comportamento

Entre maternidade e profissão, noticiar perda de filho é maior desafio

Jéssica Benitez | 19/01/2023 09:10

Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

Era meio da tarde quando chegou a informação: bebê de pouco mais de um ano acabara de morrer afogado em um açude próximo a Campo Grande. Eu, que não costumo escrever para editoria de polícia, era a única sem pauta naquele último dia de plantão de fim de ano. Atendi a repórter que foi a campo apurar a história e ouço “falei com a madrinha porque a mãe está sem condições de conversar”.

Começo a ouvir a entrevista com atenção, mas os soluços desenfreados ao fundo da gravação me atingem duma forma que não consigo desvencilhar. Tento me concentrar no trabalho, mas é impossível conter as lágrimas e meu pensamento é só um “pobre mãe, morreu nesta tarde e vai ter que continuar vivendo”. Posteriormente descobrimos que o pequeno Taylor Gael tinha um ano e meio e caiu na água ao tentar alcançar sua bola.

Os pais o perderam de vista e procuraram por mais de meia hora. Quando o viram, era tarde.

Impossível não me ver naquela cena, não enxergar Caetano ou Maria, impossível separar o lado profissional do meu coração de mãe. Que dor inominável, indesejável, imensurável! Duas semanas depois as águas engoliram mais uma de nós, mães. O menino Henrique, 16 anos, foi usar a prancha que ganhara há pouco, mas, sem saber nadar, se afogou em um riacho pouco conhecido na cidade.

Mais uma mãe que morreu e terá que (sobre)viver... Segurando o boné do rapaz e medicada, ela mal conseguiu acompanhar o enterro. Como, meu Deus, tocar a vida agora? Na semana seguinte foi a pequena Yasmin que andava de bicicleta no fim de uma segunda-feira de férias escolares e acabou vítima de atropelamento. Ela só tinha sete anos, só sete. A mãe, incrédula e completamente em choque, perambulava entre as pessoas ali em plena cena de tragédia da própria vida.

Tão irreversível quanto parir é perder um filho. Me lembrei também da tarde em que cheguei ao jornal e vi em uma das matérias o rosto de um vizinho de infância. Não resistiu a acidente de carro na estrada pelo interior do estado. Partiu. Dona Conceição, que mora ao lado de casa desde que me entendo por gente, chegou aos 80 anos e não passou imune a dor dilacerante de perder seu caçula.

No dia seguinte passei em frente a casa dela, varanda cheia de gente, mas desde então nunca mais a vi na calçada ou no portão. Não tive coragem de olhá-la nos olhos e dizer “vai ficar tudo bem”, seria muita falta de noção da minha parte porque não vai ficar, nunca mais. Não tem como.

Sempre digo que é perfeitamente possível viver sem filhos e ser feliz, isso se eles não chegarem às nossas vidas, seja pela barriga ou por outros caminhos. Porque a partir do momento que torna-se mãe é impossível deixar de sê-lo. Das incontáveis imprevisibilidades que a maternidade traz, sabemos, esta é a que mais tememos encarar: ser uma mãe sem o filho nos braços.

Por isso, às mães do Taylor, do Henrique, da Yasmin e do Vicente, a todas as mães que viveram a surrealidade de enterrar seus rebentos, todo o meu respeito e carinho. Quando uma mãe perde um filho, todos nós perdemos um pouco também.

Jéssica Benitez é mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae

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