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Comportamento

Na contramão do amor, há quem queira adotar uma criança até pra pagar promessa

Pagar promessa, substituir uma pessoa que já morreu, querer uma companhia ou dar um irmãozinho para um outro filho, todas essas são motivações inadequadas

Thailla Torres | 21/05/2018 07:24
O número de devoluções é baixo, mas quando isso acontece é traumático e os pais adotivos podem ser responsabilizados.
O número de devoluções é baixo, mas quando isso acontece é traumático e os pais adotivos podem ser responsabilizados.

Na semana do Dia Nacional da Adoção, 25 de maio, o debate é reforçado para mostrar que o assunto não é brincadeira, muito menos capricho de adultos que acabam provocando situações ainda mais devastadoras para crianças que já sofrem pelo abandono dos pais. Em Mato Grosso do Sul, a fila de interessados é grande, mas também não faltam situações de processos fracassados,  com crianças e adolescentes "devolvidos" para abrigos depois de uma tentativa frustrada de adoção.

O índice de devolução é baixo comparado ao de familiares que abandonam crianças e adolescentes, garante a juíza da Vara da Infância e Juventude de Campo Grande, Katy Braun. Mas ainda tem muita gente equivocada, que procura a adoção por motivos que não justificam receber uma criança na família ou desconhecem as responsabilidades que estão por vir.

"Muita gente adota um bebê e gosta de ser pai e mãe apenas de criança pequena, quando ela chega na adolescência e começa ter um comportamento típico de adolescente com a rebeldia, contestação e puberdade, famílias não aceitam e dizem que a criança não está compatível com o que eles esperavam", conta.

No Núcleo de Adoção no Forúm de Campo Grande, os funcionários escutam de tudo. As pessoas nem fazem questão de esconder os reais motivos de tentar a adoção. "Pagar promessa, substituir uma pessoa que já morreu, querer uma companhia ou dar um irmãozinho para um outro filho, todas essas são motivações inadequadas, de muitas pessoas que chegam em busca da adoção. Mas que no final das contas faz a pessoa perceber que ela não quer ter um filho".

Juíza esclarece em que situações estes casos acontecem.
Juíza esclarece em que situações estes casos acontecem.

No caso das devoluções, elas acontecem em dois momentos. O primeiro é no estágio de convivência, que pela lei corresponde a três meses. "É o período em que o pretendente a adoção tem a guarda da criança e fica sendo avaliado pela Vara da Infância para verificar se ocorreu uma vinculação. E quando não ocorre, a criança é devolvida".

A situação mais grave é devolução após adoção oficializada. Em alguns casos, isso chega a ocorrer 12 anos depois. "O interessante é que quando qualquer filho biológico dá trabalho, as pessoas não vem abandonar o filho pra mim, mas quando ele é adotado elas procuram a justiça e devolvem. Isso é uma prova que essas pessoas jamais foram pais de verdade dessa crianças, por que se fossem, saberiam que em família se supera todas as dificuldades".

Um filho é, ou deveria, ser para sempre, por isso, famílias que abandonam permanecem pagando pensão alimentícia ao filho e podem ser condenadas ao pagamento de danos morais  às crianças. "A gente verifica que quando alguém adota uma criança e devolve, tira dela a chance de ter uma família adequada e o tempo dificulta que ela seja adotada de novo. Diante disso, é muito comum o Ministério Público propor uma indenização".

A juíza esclarece que toda criança tem potencial para se adaptar a uma nova família, mas o abandono e a desistência causa prejuízos emocionais que dificultam novas relações. "Isso é muito traumático. Elas acabam sofrendo um novo abandono e isso dificulta que elas abram o coraçãozinho para uma nova tentativa".

Uma semana para refletir - Na próxima sexta-feira, 25 de Maio, celebra-se o Dia Nacional da adoção. Segundo a juíza, este processo evoluiu e mudou muito nos últimos anos. "No passado, quem adotava fazia isso de maneira sigilosa, diante da vergonha em adotar. Normalmente porque a adoção estava muito ligada a casais inférteis".

Hoje a realidade é outra e traz esperança a juíza, que há 18 anos trabalha com crianças e adolescentes a espera de uma família. "De lá pra cá, especialmente pelo trabalho de Grupos de Apoio a Adoção, esse tema tem ficado em pauta. Na medida que pessoas começaram a refletir a adoção e perceberam que é um dos meios de ter e amar um filho, a adoção deixou de ser apenas um remédio para quem não conseguia conceber uma criança".

A idealização sobre qual a melhor idade para adotar também tem sido desconstruída. "O pensamento que se tinha de que a criança deveria ser adotada o mais cedo possível para absorver regras e culturas da nova família, como se o passado fosse apagado. Hoje a gente sabe que isso não acontece e toda criança tem capacidade de se adaptar a uma nova família, mesmo com suas referências do passado".

Quem conhece sabe que o processo para adoção é burocrático, leva tempo e exige paciência. Por isso, Katy afirma que os cuidados tem sido maiores no trabalho do Núcleo de Adoção para evitar que elas caiam em famílias erradas. "Temos buscado qualificar as avaliações psicológicas com testes projetivos, que revelam mais aspectos da personalidade da pessoa e como elas estão vivenciando as dificuldades do momento. Isso tem ajudado a evitar que quem não está pronto para adoção assuma esse compromisso".

Apesar dos relatos e intenções que surpreendem, Katy afirma que o casos de sucesso são motivos de orgulho os anos atuando no Núcleo de Adoção. "Tenho testemunhado as histórias mais lindas como parteira de adoção. Relatos de pais que não geraram e puderam amar essas crianças com todo amor do mundo. Conviver com elas, ver que dentro de cada uma tem fé e uma amizade tão íntima com Deus, só me faz querer ser mais como uma criança", declara.

Para quem quiser celebrar o Dia Nacional da Adoção, no sexta-feira (25), com um debate sobre adoção, o evento será na Unigran, às 19h. O endereço é Rua Abrãao Julio Rahe, 325 e a entrada é gratuita.

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