Pandemia ressalta invisibilidade cruel nas ruas e nas palavras
Texto é de professora que estuda políticas públicas, e motivada pelo olhar humano, escreveu e mandou para o Lado B
Campo-grandense de nascença e criação. Ingrid Ferreira Vianna é pedagoga e faz mestrado em Educação na UEMS. Em home office, quando sai de casa para ir ao mercado ou farmácia, se depara com cenas que a motivaram a escrever sobre a invisibilidade que a pandemia ressaltou.
"Você vê as pessoas na rua e, apesar de saber que ultimamente isso tem aparecido mais na mídia, acontece todos os dias, mas as pessoas muitas vezes nem se importam com isso", explica.
Abaixo, o texto na íntegra de Ingrid, ilustrado com maestria pelo repórter fotográfico Marcos Maluf. Tem um texto bacana para compartilhar? Mande para o Lado B no Facebook, Instagram, pelo e-mail: ladob@news.com.br ou ainda no Direto das Ruas, o WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.
Os “invisíveis” desconectados num Brasil de pandemia
O coronavírus tem dado muito trabalho à população mundial. Isso porque tal “fenômeno” resultou em momentos raríssimos na história: ricos e pobres (juntos) precisam somar esforços para combater esse vilão.
"Autoridades alertam que a melhor forma de controle da transmissão da doença é: ficar em casa! Isso é até possível, quando se tem uma".
A partir daí, dado o desafio do distanciamento social com o confinamento, começam os diversos problemas: desestrutura financeira para muitos, emoções e sentimentos aflorados, os desafios do home office, para outros, filhos em casa o tempo todo e com tarefas a distância, desse modo, os pais tendo que descobrir o nível de educação e limites que dão às crianças, a terrível ansiedade, o desejo de comer a toda hora, principalmente, os carboidratos, compulsão por compras online, entregas de comidas constantes e tantos outros.
Apesar disso, de repente, pessoas altruístas e sensíveis despertam maior solidariedade e promovem arrecadações, compartilham alimentos, produtos de higiene e espalham um pouco de esperança a tantas outras que muito necessitam. Os invisíveis são percebidos por alguns, momento em que podemos dizer: ainda há esperança na humanidade!
Mas, é curioso notar que meio a essa pandemia a ciência ganha finalmente um papel de destaque no noticiário, contudo, é ao mesmo tempo desconsiderada, um fator paradoxal. Destaque pois, atinge o senso comum sobre a importância da ciência, e não há ainda um remédio comprovado para o coronavírus, no entanto, a ciência é uma esperança para dias melhores. O que não contam é que ciência não é magica e não se faz de um dia para o outro.
Diante disso, como ficam os “invisíveis” num país onde a população não possui a formação básica educacional? Aquela que compreende a conclusão do ensino médio. Porque países vizinhos universalizaram essa etapa há tempos e o Brasil ainda não. Por aqui, apenas 16% do seu povo consegue concluir o ensino superior, uma das piores taxas mundiais, sendo que a coreia do sul a taxa de concluintes é de 70% de acordo com o censo do Inep (2018).
Os “invisíveis” estão por aí, sem educação, sem comida, sem dignidade, assim, fica muito fácil o controle social e a não efetivação dos seus direitos. Há discursos em que nas universidades públicas só se fazem balbúrdias, e muitos que concordam sequer sabem o que faz a ciência, sequer reconhece a educação enquanto direito social.
"A pandemia e suas consequências, tudo isso parece não fazer sentido a inúmeros brasileiros que não têm acesso ao mundo digital, também não têm casa, nem emprego, sequer têm condições mínimas para subsistência, que perambulam pelas ruas, agora vazias, tão acostumados à sua invisibilidade que talvez não soubesse que a situação pudesse piorar".
A educação, enquanto direito social e subjetivo não é a solução mágica para os problemas sociais, apesar de contribuir muito para uma sociedade mais autônoma, educada, com maior consciência e melhor compreensão de sociedade. Um povo educado é capaz de ter melhor qualidade de vida, de saneamento básico e melhores escolhas a partir dos direitos que reconhece ter.
Quando a pandemia passar e a rotina voltar ao “normal” os “invisíveis” permanecerão lá, esquecidos e marginalizados, ou seja, à margem do processo, do progresso social, da distribuição de produção de riqueza, dos direitos fundamentais e sociais, enfim, da vida. Apenas sobrevivendo, condenados àquela situação de miserabilidade.
O que se pode fazer diante da pandemia? Além de políticas públicas eficazes, podemos ser humanos melhores, garantir ao menos o básico ao nosso povo, educar a população, reduzir a diferença na distribuição de renda, enfim, podemos ser mais humanos, afinal, os “invisíveis” aqui não são somente os vírus e sim, milhões de seres humanos.