Por amor à filha, ele agora só anda descalço
No dia em que decidiu andar descalço, o apicultor Adriano Adames de Souza, de 43 anos, estava dentro de um CTI (Centro de Terapia Intensiva), ao lado da filha de 2 anos, Luiza Lemos, que havia sido internada após apresentar um quadro infeccioso.
Pela gravidade da situação e com suspeita de bradicardia – diminuição dos batimentos cardíacos, a menina, segundo os médicos, poderia ser submetida a uma cirurgia para colocação de marca-passo.
A notícia, como era de se esperar, abalou toda a família. Foi quando Adriano, no desespero, prometeu a Santo Expedito, "das causas justas e urgentes", que andaria descalço, no sol e na chuva, durante um mês, se a menina se livrasse do procedimento.
O alívio não demorou a chegar. O diagnóstico de braquicardia não foi confirmado pelos médicos. O problema de Luiza, que ainda está sendo investigado, refere-se a uma alteração no sistema nervoso central, o que pode ser controlado com medicação e até desaparecer com o tempo.
O pedido de intercessão ao santo foi atendido e a promessa começou a ser cumprida, acredita Adriano. “Na porta da Santa Casa eu tirei o sapato”, contou. Desde o dia 14 de setembro, ele anda 24 horas descalço, independente do local.
Da padaria ao supermercado, da fila do banco ao atendimento na operadora de saúde, tudo é feito sem sapatos. A penitência chama a atenção, mas ninguém, até agora, resolveu questionar o apicultor, ao contrário dos olhares desconfiados, que ocorrem com frequencia.
A esposa, diz ele, às vezes se vê na obrigação de explicar o porquê do marido andar sem calçados. “É um tanto curioso. Não é uma coisa normal”, reconhece. No início, a decisão causou estranheza até para a família. “Eles entenderam meu desespero e ânsia de ver minha filha curada, normal. Faria tudo de novo”, contou.
E não é fácil pagar promessa em Campo Grande, ainda mais na época em que os termômetros estão registrando, todos os dias, calor acima dos 35ºC. “É terrível porque parece que vai sair o coro. À noite incha”, comenta.
Na hora do trabalho, o sacrifício consegue se tornar ainda mais difícil. As abelhas, durante as colheitas de mel, não perdoam. As ferroadas são certeiras. “O máximo que eu uso, às vezes, é uma meia, na hora de trabalhar. Tem dias que a noite a dor é insuportável”, revelou.
Quem vê de fora, ao descobrir o motivo da promessa, tece elogios ao pai. Para a auxiliar administrativa Maria Regina Amaral, de 41 anos, Adriano Adames teve “um ato de muita fé”, pensando na filha, o que torna a decisão dele ainda mais louvável.
“Quando você acredita naquilo vale a pena”, disse. E não é só acreditar, destacou o apicultor. Quem promete tem que pagar. É o que pensa a secretária Maria Martins, de 47 anos.
Em tempo: Na quinta-feira passada Adriano embarcou para São Paulo em busca de algum diagnóstico sobre a doença da filha. Conseguiu embarcar descalço.
Católica “desde que nasceu”, a única promessa que fez até hoje foi em decorrência de um acidente sofrido pelo filho, que fraturou as duas pernas. Se conseguisse se recuperar, rezaria o terço por uma semana, sem intervalo.
O compromisso foi cumprido, mas ela pensaria duas vezes em fazer uma promessa como a de Adriano. “Acho uma atitude bela, mas não sei se teria coragem”, revelou.
A diarista Edinalva Avani Pereira, de 27 anos, que já fez promessa para conseguir um terreno, afirma que por um filho “vale tudo”, mesmo os sacrifícios considerados mais difíceis.
Maria Regina concorda e diz que, se fosse necessário, não se importaria com as consequências de uma promessa pensada no desespero. “A gente faz tudo por um filho. A saúde fica para depois”, comentou.
Promessas exageradas - É preciso cuidado na hora de fazer uma promessa. As exageradas podem colocar em risco a própria saúde. Para o padre Wilson Cardoso de Sá, de 48 anos, promessas como essa são decorrentes do que ele chama de “ignorância religiosa”, de uma fé muito simples, em que o contato com Deus acaba virando uma troca.
"O problema das promessas é quando ela se torna um toma lá da cá, uma barganha com Deus”, afirmou.
A igreja, explicou, não é contra penitênicas, mas orienta seus fieis sobre as decisões exacerbadas que podem trazer graves consequencias. Não é necessário, por exemplo, subir a escadaria de uma igreja de joelhos ou caminhar quilômetros para alcançar uma graça, garante o padre.
“Pior ainda é quando o pai ou mãe faz para o filho pagar. Não vou cortar o cabelo do meu filho por tantos anos, ele vai fazer uma caminhada...”, exemplificou. “Será que Deus quer esse tipo de coisa? De repente não. Independente disso, Deus ama, quer bem”, completou.