Registrar língua terena é missão de Aronaldo dentro e fora da escola
De professor a doutorando, ele encontrou forma de mostrar importância de respeitar a lingua índigena
Filho de pais analfabetos, Aronaldo Júnior, de 52 anos, iniciou os estudos ‘tarde’ na Aldeia Cachoeirinha, em Miranda, a 207 km da Capital. Quando começou o processo de alfabetização, ele não tinha perspectivas, mas a vida foi ‘acontecendo’ e Aronaldo virou professor.
Hoje, ele é doutorando pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e tem a língua indígena como objeto de pesquisa. Através da educação, o pesquisador encontrou forma de defender a singularidade da língua terena e a importância dela na formação das crianças que vivem nas aldeias do município.
Quando começou a estudar, por volta dos nove anos, a língua portuguesa era adotada no processo de alfabetização. Apesar da dificuldade e falta de familiaridade com o idioma, o terena relata que estudava, pois entendia o contexto em que estava inserido.
“A minha geração não tinha expectativa de vida, porque a sobrevivência nossa dentro da aldeia era a roça. [...] A gente frequentava a escola porque queria aprender mesmo”, conta.
Mesmo sem saber aonde poderia ir com o estudo, Aronaldo terminou o quarto ano, começou o quinto e aos 20 anos ingressou no oitavo. Durante essa trajetória, o professor explica que a língua foi uma dificuldade que precisou enfrentar. “Uma outra dificuldade que a gente encarava era a comunicação. Nós não sabíamos falar português, a gente entendia, mas expressar português era muito difícil”, afirma.
Nessa fase, ele já estudava na cidade de Miranda e não mais dentro da aldeia. Mas, em um desses acasos da vida, o terena voltou à escola indígena como professor. Em meio a entrevista, ele fala que ali começava um capítulo novo da vida. “Por isso que eu falo, né? Parece que as coisas caminhavam naturalmente sem eu saber. Então, eu comecei a trabalhar”, fala.
Ele ainda estava no magistério quando foi convidado por um dos líderes indígenas a desempenhar a função, pois só um educador não estava conseguindo ensinar 50 crianças. Devido a uma diretriz educacional, o professor deveria dar aula na língua portuguesa, porém essa imposição seria uma dificuldade para os alunos e também para ele.
Apenas em 2000 junto com a prefeitura da cidade houve um consenso que colocou a língua terena como prioridade na sala de aula. “Já tínhamos amadurecido a ideia de que têm que ser respeitadas a particularidade, a cultura, o ensinamento e a oralidade”, explica.
Foi aí que a história de estudo de Aronaldo com a língua terena começou e como um desafio. Apesar dos três anos de experiência dando aula, ele percebeu que precisava buscar conhecimento para ensinar os alunos da maneira correta.
“Quando comecei a dar aula de língua terena, comecei a fazer uma alfabetização e descobri que as letras são totalmente diferentes. Por mais que eu fosse falante da língua eu não conhecia a minha língua”, relata.
Para dar um exemplo, o pesquisador comenta que na língua portuguesa existe consenso ao se colocar palavras no plural, porém na língua terena não. Outra situação diferente é em relação a sujeito, verbo e objeto que na língua portuguesa segue um padrão, mas na terena é trocada e colocada em ordens diferentes.
“Aí eu percebi que a própria estrutura da língua terena é diferente da língua portuguesa, aí veio mais desafio para aperfeiçoar, para estudar mais sobre a questão da língua indígena onde eu me apaixonei”, destaca.
Essa paixão o levou ao mestrado e em 2020 ao doutorado na UFRJ. Nesse meio tempo, o pesquisador passou da função de professor a diretor da escola indígena. Desde então, Aronaldo desenvolve trabalho que envolve registrar a língua terena, sendo isso algo essencial para levar adiante e fazer perpetuar a cultura terena.
“O mais importante hoje é começar a registrar, a documentar nosso conhecimento tradicional e pondo as histórias que são passadas para nós pela oralidade. Estamos começando a registrar tudo isso para poder documentar e sistematizar na escola. Hoje temos uma produção de alfabetização na língua indígena”, conclui.
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