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Comportamento

Só natural: João é cabeleireiro que nunca fez escova e babyliss

Sem gostar de salões de beleza, ele decidiu que iria trabalhar invertendo as lógicas

Por Aletheya Alves | 30/05/2024 07:23
João Neves se formou em Artes Cênicas e decidiu mergulhar no mundo dos cabelos. (Paulo Francis)
João Neves se formou em Artes Cênicas e decidiu mergulhar no mundo dos cabelos. (Paulo Francis)

Imagine ouvir que seu cabeleireiro nunca fez uma escova ou babyliss e que, além disso, ainda não gosta de colocar os pés em salões de beleza. Parece improvável, mas quando João Neves conta sobre sua história com o ramo dos cabelos naturais, tudo faz muito sentido e ainda gera reflexões sobre os padrões que permanecem.

Para resumir, João é formado em Artes Cênicas e quando percebeu que não tinha certeza sobre atuar no ramo como professor, abraçou a oportunidade de começar a trabalhar com os cabelos. A questão é que, desde o início, ele traçou um caminho que fugia às químicas e se aproximava cada vez mais do respeito às curvaturas.

Tudo isso porque ele mesmo sempre teve cabelo cacheado, assim como das pessoas à sua volta. “Por muito tempo, as pessoas com cabelo natural e aquelas que querem cabelos diferentes não tinham espaço nesses salões de beleza. Acabavam se sentindo oprimidas ou não ficavam confortáveis”, diz o profissional.

No início, João cuidava do seu próprio cabelo até que começou a trabalhar como auxiliar em um salão especialista em cabelos cacheados. A partir daí, ele explica que se especializar em outras formas de atuar não fazia sentido.

“Sempre detestei a ideia de alisar cabelos e com toda certeza do mundo esse era um lugar que eu jamais gostaria de ocupar. Na realidade eu não decidi me especializar em cabelos naturais, esse simplesmente foi o curso natural da minha trajetória, e ser cabeleireiro para mim só poderia acontecer se fosse dessa forma”, diz.

João recebe as clientes com Ferdinando ao lado. (Paulo Francis)
João recebe as clientes com Ferdinando ao lado. (Paulo Francis)
Profissional decidiu que trabalharia focando na força dos cabelos naturais. (Paulo Francis)
Profissional decidiu que trabalharia focando na força dos cabelos naturais. (Paulo Francis)

Hoje, já com experiência, ele relata que, talvez, seu maior desafio seja lidar com todas as infinitas texturas que existem. “Hoje, o meu trabalho é focado em cortar cabelos, apenas, e entregar um corte que faça sentido com sua personalidade, vida, rotina e afins. Cortar cabelos é sempre um desafio e uma caixinha de surpresas, e essa é justamente a melhor parte, ser surpreendido diariamente com as possibilidades que cada cabelo único oferta”.

Considerando que ele não trabalha com aplicação de químicas, alisamentos e é focado nos cortes, a forma de trabalhar realmente acaba sendo invertida. E, seguindo essa lógica, outros aspectos também mudam como o atendimento sendo feito individualmente, sem uma série de cadeiras e clientes ao mesmo tempo.

Até mesmo o modo de cobrar é diferente, mas isso se envolve ao histórico das Artes Cênicas e de outras experiências. Sem ditar um valor específico, quem vai ao estúdio (já que João não entende o espaço como um salão) escolhe quanto irá pagar a partir de uma tabela de sugestões.

É muito comum dentro de produções artísticas por aí, como antes de ser cabeleireiro trabalhei com a dança e o teatro, já estava familiarizado com a cultura de “passar o chapéu” ou de ofertar o quanto pode para a experiência que obteve, e quis trazer isso para o meu trabalho também como cabeleireiro”, explica o cabeleireiro.

Além disso, João também viu essa prática em um restaurante vegano de São Paulo que trabalha com um sistema parecido no menu degustação. “precificar um produto é muito fácil, eu sei quanto ele custou e quanto devo cobrar para ter uma boa margem de lucro, mas como a gente precifica o valor do nosso trabalho? Do nosso conhecimento? Do nosso tempo? Da nossa experiência? Como precificar isso tudo? Trazer quem é atendido por mim para essas reflexões também faz parte da tabela de valores. E por fim, talvez o maior significado dela existir é para que mais pessoas tenham acesso ao meu trabalho”.

Englobando tudo, João diz que o trabalho é desafiador justamente por estar se inserindo no mercado de um jeito diferente da forma com que o mundo da beleza foi construído, mas que é justamente essa a graça.

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