Na balada, cadeirante cansa de ganhar parabéns, mas sofre para curtir a noite
Quando se fala em acessibilidade, a primeira imagem que surge na cabeça é da dificuldade de deficientes físicos irem ao trabalho ou mesmo de cumprir compromissos rotineiros por conta das calçadas detonadas, falta de rampa, desrespeito de motoristas. Mas cadeirante também curte a vida e na balada de Campo Grande poucos locais parecem ter entendido isso.
O Lado B conversou com três pessoas que andam por aí com cadeiras de rodas e o fato é que, se na rua tudo se torna um risco, as adaptações em bares e casa noturnas, quando são feitas, também deixam muito a desejar. Em bangalôs, cadeirante não sobe. Para pegar uma bebida, vai esbarrando na decoração. E na hora de entrar no banheiro, só chega lá quem tem cadeira pequena.
Um baladeiro confesso é o administrador de empresas Mauro Wilson Amorim de Souza, de 40 anos. Sempre rodeado de amigos, ele diz ir com frequência à maioria das grandes casas noturnas da cidade.
Mas faz questão de listar os problemas que já encontrou e conta que até move uma ação judicial contra uma delas, pela falta de acessibilidade. “Nenhuma casa da cidade que eu conheço cumpre a norma NBR 9050 estabelecida em todas as leis de acessibilidade, tanto federal, estadual ou municipal. Os banheiros nas baladas são fora de medida, em alguns locais a porta nem fecha por causa da cadeira de rodas. As barras são fora de alcance, rampas são muito inclinadas, mobiliário inacessível...”, critica.
Das inúmeras situações constrangedoras que já passou, ele lembra até de ter caído em um casa noturna em que o acesso para cadeirantes não existia. “Sempre estou acompanhado de amigos, mas já passei por situações em que o único acesso era por escadas e o segurança, não quis me ajudar a subir”, lembra.
Para o administrador, a falta de respeito com cadeirantes em baladas é também um problema cultural.
“Existe falta de interesse em se informar sobre as necessidade dos cadeirantes, tanto por parte dos profissionais em casas noturnas ou bares e até a população em geral. Dessa forma, essa cultura de constrangimento seria mudada aos poucos, mas os órgãos competentes também devem fiscalizar e capacitar fiscais para isso. Fazer errado não é acessibilidade”, conta.
O gestor público David Marques, de 35 anos, concorda que a maioria dos estabelecimentos na cidade promovem uma acessibilidade incompleta. “São lugares que resumem as questões de acessibilidade a uma rampa na entrada. Que tem uma decoração que não favorece a nossa circulação dentro do próprio espaço ao ir pegar uma bebida, ir ao banheiro, por exemplo”, comenta.
Na avaliação dele, a não isenção do valor da entrada de acompanhantes também é um agravante. “As normas dizem que todo cadeirante, não paga entrada em bares ou casa noturnas, só que o acompanhante sim. Mas e se eu for sozinho em um local que não permite a minha mobilidade plena e que também não tem alguém disponível para me auxiliar?”, questiona.
Para David, além de uma maior fiscalização ainda falta bom senso dos próprios empresários, na hora de adaptar os espaços para cadeirantes. “Eles partem do principio que um cadeirante gera um custo em adaptação de um espaço, que poderia estar sendo ocupado por mais clientes. Eles não cumprem a lei e sempre encontram um ´jeitinho'para driblar uma fiscalização incompetente”, conclui.
A animação também é sem duvida uma das marcas registradas de Lis Loureiro, aos 25 anos. Ela lembra que desde os dez já saia com a família para festas e shows, mesmo na cadeira de rodas. Não há limites para a jovem, que frequenta até haves.
“Atualmente, eu vou com mais frequência às casas noturnas sertanejas da cidade, porque é o tipo de lugar que meus amigos mais gostam de ir e onde o acesso de cadeirantes é menos pior. Mas na verdade eu gosto de todo tipo de balada”, ela ri.
De acordo com a jovem, a estrutura de acesso nestes locais é defasada e as melhorias, ela mesmo faz questão de exigir toda vez que vai a alguns deles. “São estabelecimentos que só fazem as adaptações para cadeirantes por que a lei obriga, mas que não estão atentos para qualidade dessas mudanças”, explica.
As obras acabama atrapalhando, no lugar de garantir o acesso, avalia. “Há um tempo, por exemplo, eu tive de pedir ajuda para subir um rampa que era muito ingrime em casa noturna da Afonso Pena. Para mim, que sempre fui independente, isso é frustrante."
Ir ao banheiro então, é um desafio. "Também fui ao banheiro adaptado de um bar e só consegui entrar porque minha cadeira era pequena, mas qualquer outro cadeirante teria dificuldades. Tem lugares que só pago a entrada porque ainda não briguei com a administração, porque por lei não teria de pagar".
O jeito é protestar da maneira mais atual possível, para ver se os empresários se tocam. "Eu não só procuro a gerência, como também saio fotografando e postando as minhas queixas para outros cadeirantes nas redes sociais”, desabafa.
Mas se a falta de uma boa estrutura de acessibilidade gera incomodo, mais desagradável ainda é a falta de noção de quem acha que um cadeirante na balada quer apenas chamar a atenção.
“O que eu mais ouço na balada é parabéns! Não suporto mais ganhar parabéns! Só porque uso cadeira de rodas e danço mesmo, sou muito animada, frequento haves, festas de música eletrônica. Assim como qualquer outra pessoa”, comenta.
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