Da panela ao copo, cerveja de inverno é tradição de amigos no fundo de casa
Desde 2012, Marco, Fernando e Leonardo têm nos fundos de casa a Cervejaria "Triumvirat". Uma brincadeira dos "Três Reis" que produzem anualmente a cerveja de inverno. A panela recebe os ingredientes seis meses antes do copo se encher da bebida. É um processo que exige paciência, mas recompensa pelo sabor.
Não existe uma definição que considere tal cerveja como de inverno, mas as mais alcoólicas e intensas é que costumam ser degustadas nas baixas temperaturas. Em dezembro do ano passado, os amigos começaram a safra, seguindo dois estilos clássicos para a estação, por serem mais "pesadas": Barleywine e Russian Imperial Stout. Como em Campo Grande não faz aqueeeeele inverno, os meninos tomam quando a estação chega no calendário, mesmo se o termômetro estiver mais perto dos 30°C.
"Eu e meus confrades, como a gente se chama, fazemos esses dois tipos que são mais pesados, de escola inglesa. A Stout é preta, torrada, mais intensa, com notas de chocolate, baunilha, café torrado e às vezes, até um leve caramelo. A Barleywine é extremamente maltada e também tem um amargor, para dar aquela equilibrada", explica o analista de sistemas e cervejeiro, Marco Antonio Vieira de Oliveira, de 27 anos.
Para que a cerveja fique pronta no inverno, a brassagem começa em dezembro do ano anterior. Essa de agora, 30 litros de cada estilo, ainda estão no barril, refrigeradas entre 8 e 12°C e com termostado ao lado, para monitorar a temperatura.
Marco Antonio explica que o processo de produção começa no dia da brassagem, quando se faz a receita: cozinhando os grãos para extrair o açúcar, até chegar à etapa de fervura e resfriamento, e então ser levada para o fermentador.
"Depois que ela fermenta, cerca de duas semanas, depende da cerveja, a gente faz essa maturação, que é o melhoramento da cerveja", descreve o analista.
A própria levedura da bebida é quem faz essa "melhora". Como a cerveja é artesanal, a levedura continua ali dentro e é o que vai refinar os vários compostos do líquido. "Ela vai arredondar os sabores que também são compostos químicos e transformar em algo agradável, então normalmente tem que deixar numa temperatura mais baixa", frisa Marco.
Os estilos de cerveja é que mandam no processo. Por isso o tempo de maturação é maior, para que a bebida fique agradável ao paladar e não seja comprometida o que Marco define como a "bebebilidade" da cerveja. "A gente coloca no barril e praticamente esquece, é como se deixasse numa adega, numa caverna e era isso que era feito antigamente", compara.
No tempo em que a bebida está ali, no barril, por mais que a gente acredite que esteja "parada", o fermento continua trabalhando os sabores para resultar num palato mais aveludado. Ao final dos seis meses, tempo que eles seguem, a cerveja é transferida para uma panela de onde será envasada para chegar a etapa do gás.
"Existem duas formas de se colocar, artificialmente através do cilindro ou naturalmente pelo priming, que é uma técnica de pegar açúcar invertido e colocar dentro da cerveja com levedura ainda. Essa levedura fermentar esse açúcar e gerar mais álcool e gás carbônico, que vai pressurizar o líquido como um todo", descreve.
Em seguida, os cervejeiros enchem as garrafas, o fermento consome o priming formando o gás, para então a levedura assentar no fundo da garrafa. Por serem estilos que não precisam muito de gás, o cervejeiro explica que a carbonatação é quase mínima. "E mesmo após o gás formado, a levedura continua alterando o sabor e aroma da cerveja pelo tempo em que ficar guardada", detalha Marco.
Nas cervejarias, o ritual é muito próximo desse, às vezes com menos tempo de maturação, por ser custoso.
Para que a bebida seja, enfim, degustada, é preciso paciência por parte dos cervejeiros. "Muitas cervejas são inspiração das que a gente gosta. Nós curtimos muito, então normalmente tem uma ocasião, é aniversário ou para presentear alguém", conta Marco.
A degustação também requer cuidados. A taça deve ser snifter, as mesmas usadas para conhaque. "Como ela é uma cerveja muito alcoólica, tende a volatizar os aromas com facilidade, então o mais adequado é você segurá-lo ali dentro", exemplifica.
Depois de pronta, a bebida vai bem sozinha ou pode ser combinada com charutos. "Aí a gente chama os amigos cervejeiros para eles avaliarem, o que acham", finaliza Marco. O "Triumvirat" deve provar da própria tarefa logo mais, em agosto.