A cultura vai salvar o meio ambiente
Para controlar o aumento da temperatura global à 1,5 C até 2050 e superar a emergência climática, precisamos tomar medidas grandiosas e urgentes. Já temos a ciência do que está acontecendo e do que precisamos fazer, mas não conseguimos criar a vontade pública necessária apesar da curta janela de oportunidade para agir. O que está faltando? Não basta saber como pagar essa conta e inovar nas soluções de sustentabilidade e resiliência, precisamos contar essa estória do jeito certo. Felizmente, grande parte da solução reside no fato de que é a cultura que vai salvar o meio ambiente.
Na economia, temos como exemplo de geração de riqueza e distribuição de renda de maneira sustentável, a política de desenvolvimento cultural da Coréia do Sul. Em 1994, ao realizar uma análise estratégica do mercado internacional, um funcionário do Ministério da Economia do país asiático (com 52 milhões de habitantes) percebeu um fato surpreendente; o filme Jurassic Park, havia gerado naquele ano U$ 1.4 bi, mais do que a Hyundai, maior indústria automotiva e orgulho do país. Como isso poderia estar acontecendo?
Após intensa pesquisa a descoberta foi dupla, além de ser bom para a economia, investir na cultura é bom para o meio ambiente porque essa política pública transforma uma sociedade centrada no consumo de bens materiais em uma sociedade baseada no consumo de bens culturais. Isso, juntamente com o avanço das indústrias criativas, contribui para a implementação de elementos de desenvolvimento sustentável na prática, superando a necessidade por recursos naturais, para condições climáticas favoráveis e para a substituição do trabalho humano mecanizado por um tipo de produção que coloca o ser humano como principal fator criador de valor agregado. Na última década os dados demonstram que houve na Coréia do Sul um declínio da produção industrial tradicional (automotiva e de aço), acompanhado de crescimento econômico, aumento de produtividade e de renda devido às indústrias criativas (Ministério da Cultura e Ministério da Economia da Coréia do Sul, 2021).
Para se ter uma ideia do sucesso do que veio a ser chamado Fenômeno Hallyu, ou Onda coreana, apenas a banda de K-Pop BTS, a mais escutada no mundo, gerou U$ 1,45 bilhão e criou oito mil empregos no país, em 2019. O terceiro maior lançamento na Bolsa de Valores (IPO) na história do país foi da empresa de serviços culturais Big Hit, produtora da banda, valorizada em U$ 8.6 bilhões, com crescimento de 160% no primeiro dia no mercado de ações. Esses eventos, entre outros, tais como o sucesso do cinema e séries produzidos na Coreia, incentivaram o governo sul-coreano a aprofundar o investimento público nesta área, aumentando o orçamento do Ministério da Cultura para U$ 5 bilhões e criando a Corporação de Apoio a Hallyu em 2019, com um orçamento adicional de U$ 585 milhões. Em termos proporcionais de população, isso significaria no Brasil (com 210 milhões de habitantes) um investimento próximo a U$ 22,5 bilhões (R$ 117,4 bilhões), comparados aos míseros U$ 1,36 bilhão (R$ 7 bilhões) que gastamos em 2021, orçamento que caiu em 30% desde o golpe de 2016.
Outro fato essencial que muitas vezes passa despercebido, inclusive entre especialistas, é que tecnologia é cultura. O desenvolvimento de uma depende da outra, vide o fato de como as indústrias criativas se confundem com as empresas de tecnologia em sua cadeia produtiva. Não à toa, a Coréia do Sul, além de toda sua política cultural, é hoje o país que mais investe no processo de inovação tecnológica, pesquisa e desenvolvimento, em relação ao seu PIB, com 4,6% (U$ 73 bilhões) comparados a 1,32% no Brasil (U$ 40,5 bilhões). A estratégia nacional de desenvolvimento é o crescimento integrado dos dois setores, algo fundamental para soberania de qualquer país no século XXI.
Essa transição para a economia criativa permitiu que a Coréia do Sul mantivesse seus níveis de emissão de gases de efeito estufa em 2018 nos mesmos níveis de 2010 e, devido à pressão de ativistas, artistas e cientistas, na COP 26 o país se comprometeu a diminuir suas emissões em 2030 para 40% dos níveis de 2018, com um investimento inicial para o ano de 2022 de U$ 10,1 bilhões, com foco na transição energética.
Agora que já sabemos como uma política pública de cultura efetiva, além de fortalecer a democracia, fomenta o desenvolvimento econômico e tecnológico de um país de maneira sustentável, vamos à última questão sobre como a Cultura é essencial para o processo de superação da emergência climática, ou seja, “Como essa proposta ajuda a dar à luz ao jeito certo de contar essa estória e criar o apoio necessário?” Ora, o jeito certo de contar uma estória é o chamar os melhores contadores de estórias, os artistas, a base de qualquer política cultural e das indústrias criativas. Para defender a urgência da transição climática, é certo que terá maior apelo popular uma estória contada por Anitta ou Chico Buarque do que por nós, especialistas e ativistas.
O Brasil, possui um potencial latente imenso para o desenvolvimento de nossas indústrias criativas, por nossa diversidade e riqueza cultural únicas. ao mesmo tempo em que, por nossa natureza como superpotência ambiental, somos chamados a liderar o mundo na superação da maior injustiça global da história, a emergência climática. Crise causada em sua maior parte pelos países ricos, mas que já é sentida mais duramente pelos mais pobres, como observamos pelo país, das tragédias de Petrópolis às do sul da Bahia e por todo o mundo. Injustiça essa que, se continuar descontrolada, vai acabar com a grande maioria da população do planeta, mas irá preservar uma minoria de endinheirados e países privilegiados.
Nessa luta pela sustentabilidade e resiliência climática, que é intrinsecamente uma luta por justiça social, ambiental e econômica entre as nações e dentro delas, podemos tornar o nosso país mais rico, justo e desenvolvido tendo o desenvolvimento cultural como base dessa mudança. Apesar de ser um grande desafio desenvolvê-la e transformá-la, inclusive em termos de cidadania, devemos sempre lembrar que a cultura é acima de tudo um produto humano e que sua mágica é que atua em via de mão dupla também nos transformando. É a cultura que vai salvar o meio ambiente!
(*) Pedro Henrique de Cristo é coordenador do NAVE (Novo Acordo Verde), polímata, é professor visitante de políticas públicas, desenho urbano e arquitetura na Universidad Eafit-Urbam, em Medellín, Colômbia, e na Universidad Diego Portales (UDP), em Santiago, Chile. MPP’11 Harvard.