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O caso Moïse Kabamgabe e o Direito do Trabalho

André Luis Nacer de Souza (*) | 08/02/2022 13:30

No último dia 24 de janeiro, o jovem congolês Moïse Mugenyi Kabamgabe (24 anos) foi espancado até a morte por quatro homens em um quiosque na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

A família alega que o rapaz foi morto após cobrar dos representantes do quiosqueuma dívida de R$ 200,00, decorrente de dois dias de trabalho.

Não se sabe ainda com detalhes o que de fato ocorreu. O inquérito policial vai esclarecer os fatos.

Entretanto, as imagens gravadas por uma câmera no local evidenciam ter ele sido espancado covardemente de forma injustificável.

A par das discussões sobre racismo, o caso também escancara as dificuldades vivenciadas pelo trabalhador brasileiro.

Em primeiro lugar, o fato dá a exata dimensão do quão falaciosa é a afirmativa de que “o trabalhador pode negociar com o patrão”.

Há mais de um século sabemos que a relação empregado/empregador é distinta daquela regulamentada pelo Direito Liberal (o Civil), na qual duas partes negociam em condições de paridade, sendo essa a razão pela qual o Direito do Trabalho é norteado por uma lógica diversa e que ainda se mostra perfeitamente atual.

Ressalte-se que o caso de Moïse não é único. Em 2017, um pedreiro foi morto na capital paulista ao cobrar do contratante a remuneração pelo serviço realizado. Em 2015, um patrão tomou mediante violência o dinheiro que havia pago a uma ex-funcionária pela rescisão do contrato.

Em segundo lugar, a tragédia envolvendo Moïse nos possibilita questionarmos quanto o Poder Judiciário, inclusive o ramo Laboral, ainda é distante de boa parte dos cidadãos que residem no país.

Moïse residia no Rio de Janeiro, onde há Justiça do Trabalho, e mesmo assim não a procurou para solucionar seu problema.

Note-se que, dos 5570 municípios do país, apenas 610 deles possuem uma unidade do Poder Judiciário Trabalhista.

Como se não bastasse, a Lei 13.467/2017 (conhecida como Lei da Reforma Trabalhista) passou a prever o pagamento de honorários ao advogado da parte contrária em caso de derrota. Se o trabalhador é pobre, ele ainda assim pagará honorários, que serão descontados de eventual crédito que tenha a receber.

Essa distorção foi corrigida pelo STF no julgamento da ADI 5766 ao julgar inconstitucional a cobrança de honorários advocatícios de beneficiários da justiça gratuita.

Em terceiro lugar, o caso manifesta a precariedade das relações de trabalho informais.A título de exemplo, não há punição para o patrão inadimplente nessas situações. O trabalhador, caso postule judicialmente, será no máximo ressarcido pelo que deixou de receber.

Não há uma lei que estabeleça maiores garantias ao trabalhador eventual. O contrato de trabalho intermitente também não as prevê e, além disso, estabeleceu formalidades que dificultam a sua operacionalização e é de difícil fiscalização por parte dos órgãos responsáveis.

A morte de Moïse representa várias tragédias no mesmo caso. A precarização do trabalho é uma delas.

(*) André Luis Nacer de Souza é juiz do trabalho e especialista em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. É professor de Direito do Trabalho de cursos de graduação e pós-graduação.

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