O êxito de um grupo de leitura literária na pandemia
A já longa pandemia de covid-19, cujos impactos e consequências certamente manterão ocupado o mundo econômico, social e científico por longo tempo, ainda não foi dominada. As incertezas e limitações advindas da necessidade de adoção de medidas sanitárias, como o isolamento social, atingiram as atividades habituais em todos os campos de nossas vidas: do trabalho, da escola, de casa, do lazer.
Da mesma forma, as atividades rotineiras dos grupos de leitura atuantes foram abruptamente impactadas, implicando a interrupção dos encontros presenciais desde março de 2020. A matéria Em meio à pandemia, iniciativas de leitura coletiva em voz alta aproximam mentes e corações relata a resistência e o enfrentamento adotado por diferentes grupos de leitura coletiva com vínculos com a UFRGS frente ao cenário instaurado pela covid.
O fato de integrar um grupo de leitura em voz alta criado em 2017 no Instituto de Letras da UFRGS por iniciativa da professora Magali Endruweit me propiciou, com o advento da pandemia, o estudo da dinâmica de funcionamento de uma iniciativa consolidada por protocolos de leitura bem definidos e cuja continuidade foi posta em xeque devido às restrições impostas pelo atual cenário sanitário.
O atual estágio da tecnologia disponibilizou para inúmeras atividades o emprego de aplicativos do mundo digital para o propósito de dar continuidade às mais diversas rotinas humanas sob novas ou adaptadas formas. A indústria, o comércio, a educação e o entretenimento produziram e incrementaram maneiras de enfrentamento na nova realidade, como exemplifica o Ensino Remoto Emergencial (ERE) adotado pela Universidade. O processo análogo deu-se com o LCVA – Grupo de Leitura de Clássicos em Voz Alta, que, mesmo diante das incertezas, realizou a migração de um contexto de atividades presenciais de leitura literária coletiva para o ambiente virtual no ano de 2020, em plena pandemia.
Os grupos de leitura são configurados nos mais diversos formatos e caracterizam-se pela sua disposição de incentivar a prática da leitura através de protocolos igualmente diversos. O exame atento de tais grupos permite identificar as regras adotadas, as quais configuram o funcionamento geral, a forma como os objetivos e finalidades esperados serão alcançados e como será executada a prática em si da leitura grupal. No âmbito do LCVA, os protocolos de leitura foram definidos antes da pandemia, quando a leitura em grupo e em voz alta ocorria em encontros presenciais em ambiente do Instituto de Letras. O desafio de transpor para o ambiente virtual foi enfrentado pelo grupo, e o relato de experiência expresso em trabalho de conclusão de curso permite elencar alguns resultados e pontos de discussão importantes.
As regras de funcionamento (protocolos de leitura) devem ser em número reduzido, simples e bem definidas para propiciar uma leitura coletiva produtiva e ricamente interpretativa no estabelecimento dos significados que podem ser extraídos da obra literária.
A adoção de uma disciplina que garanta o cumprimento efetivo dos protocolos acordados pelo grupo, em cada encontro, é recomendável para que melhores resultados sejam obtidos na execução das regras de leitura. Uma coordenação efetiva e que incentive e garanta que as leituras em voz alta (para os grupos que a adotam em seus protocolos) sejam realizadas por todos os participantes do grupo é imprescindível. Outro ponto que deve ser enfatizado para uma leitura em grupo realmente produtiva é que todo texto lido deve ser submetido à discussão pelo grupo, de modo que o necessário diálogo estabelecido gere o compartilhamento dos diferentes sentidos apreendidos e dos significados produzidos por todos os leitores.
A migração para o ambiente virtual foi realizada de forma plena, com a preservação do produtivo protocolo de leitura já adotado pelo LCVA, com uma vantagem excepcional no que tange à quantidade de leitores participantes: no novo ambiente, as limitações físicas inerentes aos encontros presenciais deixaram de existir e de 8 integrantes o grupo passou a mais de 30, não importando a localização física do leitor. Atualmente o LCVA tem leitores de diversas cidades do RS e, também, integrantes de outros estados.
Grupos de leitura com maior diversidade de participantes também significam maior produção de sentidos e significados.
Dados recentemente divulgados na imprensa noticiam que nos dez primeiros meses de 2021 foram vendidos no país mais livros que durante todo o ano de 2020, ano este que, para o mercado editorial, também foi muito promissor não obstante a pandemia. Tais fatos parecem consolidar a percepção de que a crise sanitária incrementou a leitura no período de isolamento social. A leitura como atividade predominantemente solitária e silenciosa ao ser praticada na modalidade em grupo e em voz alta ganha novos contornos que ensejam, na dependência direta dos protocolos adotados, uma riqueza surpreendente de possibilidades interpretativas do texto lido. O concurso de mais leitores sobre um mesmo texto cria a possibilidade de que os entendimentos, as interpretações, a produção de significados se multipliquem.
Assim, diante do fato positivo de incremento das vendas de livros e dos ganhos inerentes à modalidade da leitura em grupo, é alentador que os leitores possam promover e realizar, mesmo numa situação pandêmica, a prazerosa e produtiva atividade de leitura literária grupal mediada pela tecnologia em ambiente virtual.
Participe de grupos de leitura. Dissemine essa prática. O ato de leitura é, com frequência, uma forma de decifrar o mundo e de descobrir os sentidos da vida, e quando realizado de forma coletiva, com bons protocolos de leitura, mais prazerosa e rica torna-se qualquer leitura.
(*) Gilmar José Taufer é aposentado, graduado em Engenharia Química (UFRGS, 1982) e bacharel em Letras – Tradutor Português e Francês (UFRGS, 2021/1).
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