O pão sem glúten é melhor para a saúde?
No Brasil o consumo de pão é de aproximadamente 22,6 kg por ano, o que corresponde a cerca de 62g por dia, equivalente a uma unidade de pão francês ou duas fatias de pão de forma (Sebrae, 2017). De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018, o consumo de pão está apenas atrás do café e do arroz e feijão.
O pão é um alimento tradicionalmente elaborado com farinha de trigo, ingrediente que possui naturalmente as proteínas formadoras de glúten, a gliadina e a glutenina. Recentemente, o consumo de glúten tem sido associado a diferentes problemas de saúde.
Segundo Elli e colaboradores, três principais distúrbios estão associados ao consumo de glúten, sendo eles a doença celíaca, a alergia ao glúten e a sensibilidade ao glúten não celíaca. A única opção viável para a população que possui estes distúrbios é a de consumir alimentos sem glúten, como hortifrutis, leite, carne e produtos formulados sem trigo, centeio e cevada.
Além das pessoas diagnosticadas com distúrbios relacionados ao consumo de glúten, há também o consumo destes produtos por opção, o que, segundo Teixeira (2017), é gerado pela falsa ideia transmitida em veículos de comunicação de que a retirada do glúten da dieta tem relação com saudabilidade e perda de peso.
Um estudo realizado no Rio Grande do Sul questionou consumidores de produtos sem glúten sobre o motivo de compra destes itens, e o resultado demonstrou que apenas 8,8% afirmam ter alguma patologia relacionada ao glúten, enquanto os outros 91,2% disseram não ter nenhuma doença relacionada ao glúten, mas compram com o intuito de emagrecimento ou por saúde e bem-estar (Mantovani; Theodoro; Chilanti, 2018).
Para contribuir com esse debate, analisamos a composição de pães com e sem glúten disponíveis no mercado brasileiro, comparando suas formulações, valores nutricionais e preços de venda. Foram analisados 40 pães de diferentes marcas (20 com glúten e 20 sem glúten), incluindo 6 pães do tipo francês, 10 pães de hambúrguer e 24 pães de forma, com base nas informações dos rótulos.
A farinha de trigo foi o ingrediente principal em todos os pães com glúten. Nas formulações sem glúten a mesma é substituída por outros ingredientes, entre eles, farinha de arroz (presente na maioria dos pães sem glúten), amido de milho, fécula de mandioca, fécula de batata e farinha de soja.
A farinha de arroz é bastante utilizada devido ao sabor suave e a presença de carboidratos de fácil digestão, entretanto, é normalmente combinada com outras fontes de amido ou ingredientes fontes de proteínas e enzimas, para auxiliar nos atributos sensoriais e tecnológicos. Os ingredientes sal, açúcar e óleo (e/ou gordura) foram encontrados em todas as formulações com ou sem glúten.
Aditivos, emulsificantes e conservantes aparecem em pães com e sem glúten, enquanto espessantes (como hidroxipropilmetilcelulose, goma xantana e/ou goma guar) foram encontrados apenas em formulações sem glúten.
Com relação às informações nutricionais, os pães com e sem glúten se mostraram similares em relação a valor energético, teor de carboidratos, fibra alimentar e sódio. No entanto, em relação ao teor de proteínas, é possível afirmar que os pães sem glúten possuem menos proteínas em comparação com os pães elaborados com glúten.
O teor médio de proteínas das amostras sem glúten foi de 3,3±1,8 %, enquanto os pães com farinha de trigo tiveram teor médio de proteínas de 7,5±2,3 %. Esta diferença se deve ao elevado teor de proteína da farinha de trigo em comparação com os ingredientes utilizados nos pães sem glúten em substituição ao trigo.
No corpo humano, as proteínas possuem funções metabólicas variadas, com atuação em atividade enzimática, estrutural, hormonal, no transporte de nutrientes na corrente sanguínea e no sistema imunológico, sendo, portanto, um nutriente muito importante da dieta.
O teor de gorduras totais das amostras também apresentou diferença significativa, sendo em média de 6,2 ± 3,0 % para os pães sem glúten e de 2,9 ± 1,6 % para os pães com glúten. A presença de um maior teor de gordura nos pães sem glúten é resultado dos ingredientes principais utilizados em sua formulação, que são oriundos de farinhas refinadas e óleos, os quais apresentam baixa qualidade nutricional.
O glúten oriundo da farinha de trigo é uma proteína que gera uma massa elástica e extensível, o que se traduz em um pão com maior volume e miolo mais macio. Em pães sem glúten, a gordura em excesso auxilia na obtenção do miolo mais macio, o que explica o motivo da maior adição de gorduras em pães sem glúten.
É importante salientar que o consumo excessivo de gordura pode aumentar o risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares; assim sendo, é importante manter uma dieta equilibrada e, na medida do possível, moderar a ingestão de alimentos ricos em gordura para prevenir tais condições.
Com relação ao preço de mercado também houve uma diferença importante. O preço do quilo dos pães sem glúten (levantados em setembro de 2023), apresentou um valor médio de R$ 66, sendo 3 vezes mais caro que os pães com glúten (preço médio de R$ 21).
Tal diferença pode ser explicada por alguns fatores, como o custo das matérias primas principais, a garantia de uma linha de produção separada para produtos sem glúten, no caso de uma indústria que produz os dois tipos de formulação, bem como o marketing voltado para estes produtos.
Assim sendo, após a avaliação realizada é possível afirmar que os pães sem glúten possuem, em média, aproximadamente metade das proteínas e o dobro de gordura, comparativamente aos pães tradicionais, com glúten. Ainda, os pães sem glúten requerem a adição de um maior número de aditivos para a obtenção de um produto mais palatável.
Considerando o inferior valor nutricional e o maior custo, recomenda-se fortemente que pães sem glúten sejam consumidos apenas por pessoas que apresentam problemas de saúde relacionado ao seu consumo.
(*) Dora Bigarella Lemos é graduanda em Engenharia de Alimentos.
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