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O que somos, inevitavelmente, transborda

Por Cristiane Lang (*) | 30/01/2025 08:16

Há uma verdade simples, mas poderosa, na ideia de que as pessoas dão o que são. Nossas ações, palavras e atitudes são reflexos diretos de quem somos internamente, de como enxergamos o mundo e de como nos relacionamos com nós mesmos. Por trás de cada gesto de generosidade, indiferença ou crueldade, há uma expressão do que habita o nosso interior. Compreender essa premissa nos ajuda a lidar melhor com as relações humanas, pois nos ensina que o que recebemos dos outros frequentemente tem mais a ver com quem eles são do que conosco.

O reflexo interno no externo

Cada pessoa carrega dentro de si um universo único de crenças, experiências, traumas e valores. Esse conjunto interno molda a forma como ela interage com o mundo.

    •    Quem é amoroso, oferece amor: Uma pessoa que se ama e sente paz dentro de si tende a transmitir acolhimento e empatia. Ela não vê o outro como uma ameaça, mas como uma oportunidade de conexão.

    •    Quem é inseguro, projeta isso nas relações: Inseguranças não resolvidas muitas vezes se manifestam como críticas, ciúmes ou necessidade de controle.

    •    Quem é ferido, tende a ferir: Embora não seja uma regra absoluta, é comum que pessoas que carregam dores não resolvidas repitam ciclos de sofrimento. Isso não justifica seus atos, mas ajuda a entendê-los.

A forma como alguém trata o outro é, em essência, uma extensão da forma como trata a si mesmo. Por isso, pessoas que têm dificuldade em lidar com as próprias emoções ou que carregam ressentimentos frequentemente projetam esses sentimentos nas relações.

Responsabilidade versus projeção

Compreender que as pessoas dão o que são não significa que devemos aceitar comportamentos nocivos ou nos conformar com relações tóxicas. Pelo contrário, essa visão nos ajuda a diferenciar o que é responsabilidade nossa e o que é projeção do outro.

Por exemplo:

    •    Quando alguém responde com grosseria sem motivo, isso pode ser um reflexo do seu próprio estado emocional, e não algo que você tenha provocado.

    •    Se uma pessoa constantemente desvaloriza suas conquistas, isso pode estar mais relacionado à dificuldade dela em lidar com suas próprias frustrações do que com suas realizações.

Reconhecer isso nos ajuda a não internalizar injustiças e a estabelecer limites saudáveis, sem carregar culpas que não são nossas.

As pessoas dão o que são 

A ideia de que as pessoas dão o que são também nos chama à autorreflexão. O que temos oferecido ao mundo? Quais sentimentos ou comportamentos estamos espalhando em nossas interações?

Se o que somos transborda, é fundamental cuidar do que cultivamos dentro de nós. Desenvolver empatia, paciência e generosidade não é apenas uma forma de melhorar nossas relações, mas de nos tornarmos melhores para nós mesmos.

Práticas como meditação, autoconhecimento, terapia e a busca por conexões autênticas ajudam a limpar o que há de negativo dentro de nós e a criar um espaço interno mais leve, que naturalmente se refletirá no que damos aos outros.

A importância do contexto e do momento

Embora o que somos influencie diretamente o que damos, é importante lembrar que todos têm dias ruins, e esses momentos podem distorcer temporariamente nossas interações. Alguém normalmente amoroso pode ser ríspido em um dia de estresse; uma pessoa atenta pode parecer ausente durante uma fase difícil.

Assim, também é necessário ter compaixão ao lidar com as falhas humanas. Ninguém é perfeito, e os momentos de fraqueza não anulam a essência de quem alguém realmente é.

Como aplicar esse entendimento nas relações

    1.    Não leve para o lado pessoal: O comportamento do outro diz mais sobre ele do que sobre você.

    2.    Seja o que você deseja receber: Cultive internamente aquilo que deseja atrair nas suas relações, como respeito, amor e empatia.

    3.    Estabeleça limites: Entender que o outro está agindo com base em quem é não significa aceitar abusos. É importante proteger-se de comportamentos que podem causar danos.

    4.    Pratique a compaixão: Reconhecer que o outro pode estar agindo a partir de suas próprias dores ajuda a evitar julgamentos precipitados.

O mundo como espelho

As pessoas dão o que são, e o mundo ao nosso redor muitas vezes age como um espelho, refletindo nossas próprias atitudes e crenças. Por isso, trabalhar no que somos não é apenas uma questão de crescimento pessoal, mas de impacto coletivo. Quanto mais nos tornamos conscientes de quem somos e do que oferecemos, mais contribuímos para criar relações e ambientes mais positivos, autênticos e transformadores. Afinal, a qualidade das nossas interações começa na qualidade do nosso interior.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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