Pela maioridade penal aos 16
A fuga, recaptura e improvisada internação compulsória – e transitória, já que a Santa Casa não é manicômio judiciário – de Dyonathan Celestrino, o “maníaco da cruz”, põe diante da sociedade sul-mato-grossense a dramática questão da maioridade penal.
Autor confesso de três bárbaros assassinatos, o “maníaco da cruz”, que tinha dezessete anos quando se tornou o ‘serial killer’ da pacata Rio Brilhante, se junta à pérfida galeria apontada por grande parte da opinião pública, e por muitos estudiosos, como evidência de que a maioridade penal deve ser revista.
Praticados por menores, crimes cruéis como os que vitimaram o estudante Victor Hugo Deppman, morto com um tiro na cabeça mesmo após entregar seu celular, e a dentista Cinthya Magaly de Souza, queimada viva por ter apenas trinta reais na conta, igualam seus autores ao “maníaco da cruz”. E reacendem o debate sobre a maioridade penal.
Porém, sempre que a barbárie se corporifica pelas mãos de menores, o debate é truncado, sob o argumento de que “não se deve legislar sob forte impacto emocional”. Ora, se a sociedade não se mobiliza diante dessa sequência de crimes bestiais, quando terá motivação para pressionar pela redução da maioridade penal?
A propósito, o respeitado psicanalista Contardo Calligaris, defensor de redução “drástica” da maioridade penal, aponta que “se deixássemos de agir sob impacto emocional, nunca nada mudaria”. E lembra que a cada vez que, nos EUA, um exterminador invade uma escola e o Congresso propõe leis de controle de armas, os fabricantes bradam que é preciso esperar que as emoções esfriem. “Para que a gente se esqueça e se desmobilize”, diz.
Defendo a redução da maioridade penal para 16 anos, sob o simples, mas incontestável argumento de que, em 23 anos, desde a instituição do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o vertiginoso processo global de desenvolvimento e, com ele, o crescimento em escala geométrica do volume de informação acessível, conferem aos adolescentes e jovens grau de discernimento inimaginável há duas décadas. Como não considerar esse aspecto como indutor do debate sobre a redução da maioridade penal?
Lamentavelmente, os que confundem o ECA com imutáveis ‘tábuas da lei’, acima até da Constituição – tem ‘poder midiático’ para bombardear o argumento de que, se o jovem tem discernimento político para votar aos 16 anos, nada justifica seguir penalmente inimputável até os 18 anos.
Essa “força de persuasão” sobre a mídia – e, consequentemente, sobre boa parte dos congressistas, refém da “opinião da imprensa” – é tal que o jornal Folha de S. Paulo, mesmo tendo realizado pesquisa que apontou 96% dos paulistanos favoráveis à redução da maioridade penal para 16 anos, em lugar de fazer eco a essa esmagadora maioria, publicou seis artigos contrários a ela, e apenas dois a favor. Contradição flagrada pela ombudsman do próprio jornal, Suzana Singer.
E é a própria Suzana Singer a observar que pesquisas anteriores já mostravam que o apoio à redução da maioridade penal não é circunstancial: em 2003, 83% eram a favor; em 2006, 88%. Como se vê, a “tese” que tenta debitar às “mazelas sociais” a criminalidade juvenil, não prospera junto à opinião pública, como querem fazer crer o “bom-mocismo” acadêmico e o arrivismo de muitos congressistas.
Claro que há intelectuais respeitáveis e parlamentares sérios que defendem, com argumentos sólidos, a manutenção da atual maioridade. O que se condena é o bloqueio do debate, como se o tema fosse um dogma.
Há sugestões alternativas à redução da maioridade para 16 anos. O jornalista Elio Gaspari, por exemplo, propõe uma adaptação de leis que vigem em vinte e seis estados americanos, conhecidas pelo nome de “Três chances e você está fora” (Three strikes and you are out): o menor delinqüente tem ‘direito’ a dois crimes, quase sempre pequenos; no terceiro, vai para cadeia com penas que vão de 25 anos a prisão perpétua... como gente grande.
Gaspari sugere um mecanismo de “segunda chance”: a maioridade penal continuaria nos 18 anos, e no primeiro crime o menor seria tratado como menor. No segundo, receberia pena de adulto. Como raramente os menores envolvidos em crimes pavorosos são estreantes, “os casos de moleza seriam poucos”, diz.
De todo modo, o fundamental é que o debate seja destravado. Mesmo ‘contaminado’ pela comoção social, será melhor que a paralisia mental em torno do tema.
Quanto às tais ‘mazelas sociais’ sempre à mão para “justificar” os crimes dos menores, encerro na honrosa companhia de Contardo Calligaris: “A história de nossa infância nos torna irresponsáveis quando adultos. Que maravilha.”
(*) Nelson Trad Filho é médico e secretário de Articulação, Desenvolvimento Regional e dos Municípios.
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