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Povos Indígenas: Conheça a breve história do povo Guató

Jorge Eremites de Oliveira (*) | 29/05/2016 16:50

Em MT e MS, poucas pessoas sabem quem é o guató, povo indígena que há séculos vive no Pantanal e cuja língua possui um certo parentesco com as faladas pelos bororos, kaingangs, karajás e xoklengs.

Conhecidos como índios canoeiros, os guatós tradicionalmente se organizam em famílias nucleares, característica que os distingue de outros povos que se organizam em grandes aldeias, a exemplo dos bakairis, kaiapós, kaiowás e terenas. Sua organização social atesta uma forma de adaptabilidade ecológica relacionada ao ritmo das águas do Pantanal. Isto porque, vivendo em famílias autônomas, há a possibilidade de maior mobilidade espacial, sobretudo em tempos de cheia, o que favorece às atividades de caça, pesca, cultivo e coleta sem causar grandes impactos negativos sobre os ecossistemas da região. Dessa forma, portanto, os guatós evitam causar uma pressão demográfica incompatível com a capacidade de suporte de certas áreas.

Esses índios estão estabelecidos no Pantanal há mais de 500 anos, sendo mencionados nos conhecidos Comentários do conquistador espanhol Alvar Núñez Cabeza de Vaca, que ali esteve em 1543. Todavia, dados arqueológicos obtidos para a região do morro do Caracará, MT, possibilitam pensar que talvez eles estejam ali há mais de 800 anos.

No período colonial, época em que espanhóis e portugueses atingiram a região pantaneira, principalmente na primeira metade do século XVIII, quando bandeirantes paulistas descobriram ouro em Cuiabá, os guatós passaram a perder grande parte de seu território tradicional, apesar da resistência imposta aos conquistadores. Desde essa época, vários povos canoeiros como os antigos guaxarapos e payaguás foram praticamente exterminados até meados do século XIX. Os guatós conseguiram sobreviver por vários motivos, inclusive pelo fato de não viverem em grandes aldeias, dificultando assim a propagação das doenças de além-mar e minimizando as perdas decorrentes das guerras de extermínio promovidas pelos conquistadores.

A partir do século XIX, muitos guatós passaram a manter um contato mais intenso com a sociedade envolvente, sobretudo com a nossa, chegando inclusive a participar, do lado do exército brasileiro, do episódio da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870). Mas ao iniciar o século XX, esses canoeiros foram cada vez mais forçados a deixarem seu território tradicional, espaço que passou a dar lugar a fazendas de gado. Diante dessa situação, muitos índios foram morar na periferia de cidades como Corumbá, Ladário, Cáceres, Poconé, Cuiabá e Barão de Melgaço, sendo incorporados à massa de proletários e subempregados. Outros foram trabalhar em fazendas de gado ou passaram a viver em áreas até então não ocupadas por não-índios.

Surpreendentemente, nos anos de 1950 e 1970 os guatós foram oficialmente tidos como extintos pelo governo brasileiro. Isto foi uma espécie de etnocídio à esferográfica, uma vez que o então SPI, atual FUNAI, não havia realizado qualquer levantamento demográfico para saber quantos índios realmente existiam, fato este que também ocorreu com o povo ofayé-xavante e alguns outros. O próprio Darcy Ribeiro, em seu artigo Culturas e línguas indígenas do Brasil, publicado em 1957, assinou o atestado de óbito dos índios: "Guató. Viviam à margem do rio Paraguai, subindo às vezes o rio São Lourenço, no Estado de Mato Grosso. (Extintos)".

Mas em fins da década de 1970 e início da de 1980, graças ao apoio que inicialmente tiveram de missionários salesianos, em especial da irmã Ada Gambarotto, que atualmente reside em Cuiabá, os guatós iniciaram um processo de etnogênese e luta pela posse da Ilha Ínsua, situada em MS, próximo à divisa com MT. Essa luta foi árdua, haja vista que levou mais de uma década até que o governo oficialmente a reconhecesse como área indígena tradicional.

Enfim, a situação dos guatós é um tanto quanto sui generis na história dos povos indígenas sul-americanos. Após terem sido declarados extintos, renasceram das cinzas como uma fênix da mitologia. Não contentes, reorganizaram-se e conseguiram o que parecia impossível há 30 anos: retornar para parte de seu território tradicional. Hoje em dia, por exemplo, muitos outros guatós estão ressurgindo em várias partes do Pantanal, prova de que estão mais vivos do que muitos imaginam. Mais: viraram tema do longa metragem 500 Almas, película dirigida pelo cineasta Joel Pizzini Filho e que deverá ter estréia marcada ainda para este ano.

(*) Jorge Eremites de Oliveira é arqueólogo, historiador e professor do Campus de Dourados da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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