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Um gesto de reconhecimento

Por Ângelo Rabelo (*) | 28/03/2025 13:30

Ao longo de 40 anos, navegando pelo Pantanal, aprendi dia após dia a respeitar esta gente que há quase 300 anos habita o Pantanal: a gente pantaneira.

Em seu livro "Pioneiros", Abílio Leite de Barros tenta definir a saga de coragem da chegada ao Pantanal, e assim descreve: “não queriam ser heróis, tampouco tinham ideia do épico”. A ocupação de um território equivalente a vários países se deu de forma pacífica. Marcado por coragem, determinação.

Entendendo as dimensões e força da natureza, especialmente das águas, um pacto foi estabelecido: o respeito aos limites. Este pacto é respeitado por gerações, que vem usufruindo do que o bioma e suas características podem oferecer. Não ousaram derrubando, modificando e transformando as paisagens num padrão homogêneo, sem cores e diversidade.

A vida silvestre ali existente, com suas cores, ajudaram a embelezar a casa-sede das fazendas. Não eliminaram a vida silvestre pela clareza de que cada espécie compunha uma paisagem rica e única. A sobrevivência pessoal e econômica era fruto de uma perseverança e coragem em harmonia com o lugar.

Este processo não ocorreu em outros biomas, a exemplo da Mata Atlântica, onde a voracidade humana com sua ambição destruiu mais de 80% da sua condição original. No Pantanal, o resultado de uma ocupação respeitosa nos permite, hoje, ter mais de 85% original, íntegro.

Este mérito de um bioma conservado vem sendo reconhecido, e nos últimos 40 anos inúmeras titulações foram conferidas: Patrimônio Nacional na Constituição de 1988, Patrimônio Natural da Humanidade, Reserva da Biosfera. Mas estes méritos não se traduziram em benefícios à gente pantaneira. Até hoje a energia elétrica é um desafio, bem como a comunicação, as estradas, as escolas.

Nunca houve uma politica pública direcionada, como subsídios, linhas de crédito especiais, construção e manutenção de escolas rurais. O pantaneiro assistiu, também, a ocupação do planalto e o seu enriquecimento às custas de impactos, oriundos dos assoreamentos, como o desastre do Rio Taquari.

Muitos se sentiram usados como personagens nas fotos e vídeos de uma paisagem, e a cada grande matéria ou campanha ou discursos, persistia o abandono.

Um sábio pantaneiro me narrou uma passagem, após uma importante visita de um jornalista, onde após apresentar os desafios da sobrevivência no Pantanal, ao retornar para sua cidade, ele escreve uma linda matéria sobre um “João Pinto” que o encantou durante a visita. Disse o pantaneiro decepcionado com a matéria: “acho que ao retorno, eles sofrem de disfunção cognitiva…"

Os poucos sobreviventes carregam na pele as cicatrizes do sol quente, forjados na lida, nas comitivas eternas. Foi a maturidade política atual, um biólogo e a capacidade de diálogo entre atores que habitam ou atuam no Pantanal que permitiram um avanço histórico através da Lei do Pantanal, em 2024, com a criação do Fundo Pantanal. Uma legislação moderna e harmônica aos interesses de produção e conservação.

Com a regulamentação do Fundo agora, finalmente as boas e tradicionais práticas serão valoradas. Ao mesmo tempo, oportunidades como o crédito de carbono pagarão pelas cordilheiras. Já o crédito de biodiversidade pagará pela onça-pintada. Mais do que métricas, esta gente, literalmente “ameada de extinção”, como descreveu Abílio de Barros, ante a sobrevivência de muitas espécies silvestres, merecem nosso respeito, nossa admiração e a inspiração de que é possível conviver para sobreviver.

Diz a música, “cada um compõe e sua história cada ser em si carrega o dom de ser feliz!" Mais do que feliz, podemos nos orgulhar desta iniciativa fantástica e que no presente valoriza e protege o futuro. Parabéns!

(*) Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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