"A gente se sente tão pequena" diz advogada após anos apanhando em casa
Ela pensou que nunca passaria por isso, agora quer fortalecer outras mulheres
Foi no dia antes de subir ao altar que o primeiro roxo no braço veio, em meio a uma discussão com o futuro marido, mas com toda experiência criminal que tem, a advogada Maria Eduarda não conseguia acreditar no que estava acontecendo e embarcou em quatro anos de múltiplas violências. Nessa reportagem, os nomes verdadeiros dos personagens serão preservados, já que há crianças envolvidas no caso, o processo judicial ainda tramita na Justiça e o agressor está em liberdade.
Como nos filmes de romance, o relacionamento começou perfeito. Eram pessoas mais maduras, com ex-casamentos e até filhos mais velhos, que se apaixonaram e rapidamente decidiram viver juntos, dentro do que pede a religião que seguem. Tudo que o protocolo pedia, Maria Eduarda e Fabrício fizeram.
“No dia antes da festa de casamento, a gente se desentendeu com alguma coisa relacionada com a organização. Ele apertou o meu braço com muita força e, naquele momento, era a primeira agressão que eu estava sofrendo. Como desmarcar a cerimônia? Dispensar os convidados? É um misto de sentimentos, que eu optei em não acreditar”, conta.
A primeira filha veio na sequência, mas não inibiu as agressões, pelo contrário. “Ela era bem pequena quando ele agrediu o meu filho mais velho, no primeiro casamento, que tinha 7 anos na época. Fabrício teve coragem de agredir uma criança que nem filho dele era! Fiquei em uma situação delicada, registrei boletim de ocorrência, mas continuamos juntos”.
Para quem nunca passou por isso, é importante destacar que as agressões são de diferentes tipos, sendo que as psicológicas e financeiras servem como uma “cadeia”, que oprime a personalidade e discernimento da vítima.
“Depois que a violência acontecia, a justificativa dele é que eu provoquei aqui. Ele ficava repetindo coisas como ‘olha o que você fez eu fazer’ ou ‘você que não soube lidar com a situação’. Ouvi isso até quando ele bateu na minha cabeça e enfiou a caneta que prendia meu cabelo”.
Com o segundo filho nascido e alguns boletins de ocorrência registrados, Maria Eduarda recebeu o apoio que precisava na Casa da Mulher Brasileira. “Tenho que parabenizar a equipe, pois vieram na minha casa dar todo o apoio que eu e meus filhos precisavam. Até para uma unidade de saúde fui levada, para ter acompanhamento psicológico”.
Tudo isso aconteceu no relacionamento que durou 4 anos e nenhum familiar ou amigo ficou sabendo. Segundo a vítima, para as pessoas de fora o casamento deles era um verdadeiro comercial de margarina. Nas redes sociais, o marido perfeito fazia questão de publicar todos os presentes que dava durante a fase de “lua de mel” do ciclo de agressões.
Quase dois anos após o divórcio, Fabrício foi buscar os filhos para o fim de semana juntos. Maria Eduarda não concordou com a falta das cadeirinhas de segurança, afinal, são crianças de 4 e 2 anos. A discussão no meio da rua escalou e a mulher foi arrastada pelo ex-marido por vários metros, pendurada pela janela do carro e tendo os filhos como testemunhas.
“A gente se sente tão pequena naquela situação. Eu tive que contar as agressões que sofria para policial que considerava meus colegas de profissão. É vergonhoso ter que assumir que suportou ser agredida por anos! As pessoas não entendem, elas julgam. Por isso, hoje eu quero falar: denuncie e registre na polícia qualquer tipo de violência que sofrer, porque quando a primeira acontece a tendência é piorar”.
Ela continua dizendo que “o perfil do agressor é te fazer se sentir culpada, como se fosse merecido aquilo que está sofrendo. Não aceite isso! Se a pessoa não respeita a memória que vai ficar para os próprios filhos, ela nunca vai te respeitar”.
Até este domingo (4), segundo o Estatística Sigo, mais de 11 mil casos de violência doméstica foram registrados no sistema policial. Os casos de estupro já são 1,1 mil e de feminicídios chegamos a 19.
"Quando os jornais mostravam casos de violência doméstica ou feminicídio, meu ex-marido saía da sala, ele tentava ocupar minha cabeça para eu não pensar sobre isso. É muito importante que esse assunto continue a ser falado, amplamente divulgado, para salvarmos mais e mais mulheres. Para que as vítimas entendam que estão na condição de vítimas e sejam acolhidas", termina a advogada. Atualmente, Maria Eduarda briga da Justiça para que o seu agressor não tenha acesso aos filhos. Ele está livre, apenas com medida restritiva.
A violência contra a mulher é considerada não apenas como um problema de ordem privada ou individual, mas como um fenômeno estrutural, de responsabilidade da sociedade como um todo. Afeta mulheres de todas as classes sociais, idades, nível de escolaridade, raça e religiões.
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