Crianças podem entender violência como forma de amor, diz psicóloga
Sem aulas presencias na pandemia, algumas delas são testemunhas de atos violentos em tempo integral
Se a exposição de crianças a situações de violência aumentou ou não durante a pandemia, não há como medir com precisão. O contexto, no entanto, tem as tornado testemunhas frequentes de tragédias com doses desproporcionais de agressividade.
Presenciar tais situações, em momento de formação do alicerce humano, que marca a primeira infância, pode trazer traumas e problemas para se carregar pela vida toda se não forem tratados, como explica a psicóloga Camila Maksoud Torrecilha Cancio.
“Crianças que vivem em um ambiente doméstico de violência, muitas vezes podem passar a normalizar agressões como forma de amor e vir a ter relacionamentos abusivos também na adolescência e vida adulta”.
Sem a retaguarda das escolas, com as aulas oferecidas em ambiente presencial, e as dificuldades econômicas decorrentes da pandemia, muitos lares passaram de espaço acolhedor a ambiente de estresse ou ficam sujeitos ao descontrole quanto a problemáticas onipresentes.
Em menos de 15 dias, entre final de março e início de abril, a reportagem do Campo Grande News registou 10 crimes violentos praticados na frente de filhos e netos. A maioria deles ocorre em cidades do interior de Mato Grosso do Sul.
Conforme a especialista em Psicoterapia da Infância e da Adolescência, o contexto de pandemia gera um fenômeno geral de insegurança e de instabilidade, visto que grandes aspectos da vida das pessoas foram lesados.
Além do desemprego e os laços desfeitos com a suspensão das aulas, perdas em relação a própria covid-19 agravam os conflitos. Porém, todas essas situações não seriam suficientes para motivar episódios mais bárbaros.
“Esses tipos de crime costumam ter motivações passionais associados a doenças psiquiatras não tratadas acompanhada de uso de álcool e drogas. Ou as pessoas que possuem algum desvio de caráter em que só o que importa é se livrar de um problema. Se precisar matar para tal, será feito”, explica Camila.
Presença de crianças não inibem crimes – No final de março, o município de Bataguassu, distante 330 quilômetros de Campo Grande, com pouco mais de 23 mil habitantes, foi cenário para um dos inúmeros casos violentos registrados durante a pandemia.
Os filhos presenciaram a morte de pai e mãe de uma das piores formas possíveis. Willian Rodrigues da Silva matou a tiros a ex-mulher Viviane de Paula, 19 anos, e em seguida se matou.
Na mesma semana, a população da mesma cidade presenciou uma jovem de 18 anos ser espancada ao defender o filho, um bebê de sete meses, das agressões do esposo, de 19 anos, que também é o pai da criança.
Como os casos comprovam, a presença das crianças não inibe a práticas das agressões, quando elas mesmas não são vítimas diretas dos atos. A psicóloga explica que há uma falha na questão da empatia ou percepção da realidade desse assassino/agressor.
“As crianças costumam representar a parte mais pura e inocente da sociedade. Dessa maneira, os adultos se comportam de forma mais contida e tendem a ser mais amáveis perto delas. Porém, quando violências são expostas de forma tão explícitas à crianças, esses adultos não possuem essa compreensão. Eles possuem algum sério comprometimento”, afirma.
Reação, tratamento e acolhimento – Camila explica que vários fatores, como idade, se a criança está sozinha ou não, podem interferir na forma como elas recebem e assimilam tais episódios. “Se existe alguém que ela confia no local, ela buscará se aproximar dessa pessoa e vai se basear nas reações desse adulto perante o fato”.
Por isto, uma criança que presencia um crime deve prioritariamente ser acolhida, preferencialmente por alguém de confiança. O abandono, caso perdam o adulto de referência, é outro fator que pode gerar traumas.
“Crianças que são acolhidas e tratadas após vivenciar um trauma, podem continuar se desenvolvendo e criando novas formas de amor, desde que as condições do ambiente sejam preservadas para um bom desenvolvimento, normalmente tem que ser cuidadas longe do agressor”, ressalta.