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Capital

Contra preconceito, audiência pública debate uso medicinal da maconha

Pesquisadores e pacientes relataram melhoras em doenças crônicas após utilização de canabidiol

Mylena Fraiha | 10/04/2023 22:24
Câmara dos Vereadores recebe audiência pública para discutir uso medicinal da cannabis (Foto: Juliano Almeida)
Câmara dos Vereadores recebe audiência pública para discutir uso medicinal da cannabis (Foto: Juliano Almeida)

A Câmara Municipal de Campo Grande realizou, na noite de segunda-feira (10), uma audiência pública com o tema "Cannabis Medicinal: Direito à saúde, associativismo e impacto social". O evento teve a presença de especialistas, autoridades e pacientes que discutiram a necessidade de pensar em políticas públicas adequadas para garantir o acesso seguro e eficiente ao tratamento médico com a substância.

De acordo com a presidente da mesa, a vereadora Luiza Ribeiro (PT), a ideia do evento foi convidar a sociedade civil para debater o aspecto político, social, jurídico e científico do uso da cannabis medicinal, além de apresentar o impacto social do trabalho de associativismo em Mato Grosso do Sul.

“Muitas pessoas sofrem com a falta de acesso à cannabis medicinal para tratamento de saúde, devido ao preconceito que ainda existe na sociedade. Acreditamos que a melhor forma de combater esse preconceito é por meio da informação e da conversa sincera”, explica Luiza.

Desafios - Durante a audiência, a presidente da Adone-MS (Associação de Doenças Neuromusculares de Mato Grosso do Sul), Rosana Martinez, relatou a experiência do uso da cannabis no tratamento de seu filho com distrofia muscular. “Há cerca de três anos, ele começou a apresentar dores neuropáticas que eram resistentes a todos os medicamentos convencionais que ele podia tomar, já que não pode usar analgésicos potentes”.

Rosana destacou que a cannabis tem sido uma opção segura e eficaz para o tratamento das dores neuropáticas do seu filho e que ele está se sentindo muito melhor desde que começou a usá-la. “Ele experimentou vários analgésicos, mas nada funcionou, e isso afetou sua alimentação e sono, impactando minha saúde e a de meu marido também. Depois de conversar com a médica, decidimos experimentar a cannabis”.

Ela destacou que a cannabis tem sido uma opção segura e eficaz para o tratamento das dores neuropáticas do seu filho e que ele está se sentindo muito melhor desde que começou a usá-la. Entretanto, o medicamento específico precisava ser importado dos Estados Unidos, o que tornava o tratamento mais caro. “Individualmente, ele custa cerca de 2.100 reais, o que não é acessível para a maioria das pessoas. É inacessível para a classe média também”.

De acordo com Rosana, devido ao valor alto do remédio, foi necessário passar pelo processo de judicialização, que consiste na comprovação da necessidade de uso de cannabis para tratar alguma doença.

Rosana Martinez relatou a experiência do uso da cannabis no tratamento de seu filho com distrofia muscular (Foto: Juliano Almeida)
Rosana Martinez relatou a experiência do uso da cannabis no tratamento de seu filho com distrofia muscular (Foto: Juliano Almeida)

Segundo ela, foi necessária a apresentação de prescrição médica, de laudos e outros documentos que comprovem a necessidade do uso do canabidiol para tratamento da enfermidade. "Para que o Ministério da Saúde autorizasse, foi necessário que ele passasse por uma perícia. Na época, estávamos em meio à pandemia e ele é imunossuprimido. Pediram que eu o levasse para Brasília, mas ele mal conseguia sair da cama. Argumentei que era possível realizar a perícia on-line, apresentando toda a história médica e os medicamentos utilizados. Após a avaliação, o Ministério da Saúde reconheceu a situação e agora fornecemos o tratamento necessário”.

Rosana defende que haja uma maior liberdade, no âmbito jurídico e legal, para que as universidades brasileiras estudem e manipulem as medicações à base de cannabis. “Eu defendo que precisamos pensar em credenciar uma grande universidade para cultivar e extrair óleo de cannabis e garantir sua qualidade, o que é importante para os médicos prescritores. Infelizmente, a legislação no Brasil não anda no mesmo ritmo da ciência. Isso é o que precisa mudar”.

Alternativa - A farmacêutica Maria Aparecida de Souza Costa, de 57 anos, também falou sobre a eficácia da cannabis no controle das dores causadas pela fibromialgia. “A cannabis tem sido muito eficaz no controle da dor e melhorou muito a minha qualidade de vida. No começo, eu sentia muitas dores e sintomas digestivos, mas os exames mostravam resultados normais. Foi a minha psiquiatra que suspeitou da fibromialgia e me encaminhou para o reumatologista. Eu decidi usar a cannabis como tratamento depois de ver na televisão que ela estava sendo usada no controle de dores crônicas”.

Maria Aparecida relata que faz uso da cannabis medicinal para tratar sua fibriomialgia (Foto: Juliano Ferreira).
Maria Aparecida relata que faz uso da cannabis medicinal para tratar sua fibriomialgia (Foto: Juliano Ferreira).

Segundo Maria Aparecida, o uso de canabidiol reduziu a quantidade de remédios que precisava tomar para conter as crises de dor. “Hoje em dia, praticamente não uso mais medicamentos para dor, a menos que tenha algum desequilíbrio emocional. A fibromialgia está muito ligada ao estado emocional da pessoa”.

Ela também relata que optou pelo uso medicinal da cannabis para evitar a dependência de medicamentos opioides, que normalmente são receitados para tratar dores crônicas. “Os analgésicos opioides podem levar a dependência, então eu prefiro evitar usá-los sempre que possível. A cannabis tem sido muito eficaz no controle da dor e melhorou muito a minha qualidade de vida”, explica a farmacêutica.

Pesquisa -  Durante o debate, também foi apresentado o resultado de tratamentos médicos em que houve melhoras clínicas após a utilização da cannabis. Também foi destacado o papel da ciência, que tem avançado com a produção de pesquisas e literatura especializada sobre o assunto.

O professor e pesquisador da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) do campus de Três Lagoas, Lucas Gazarin, estuda o uso da cannabis medicinal há 10 anos.

O professor da UFMS, Lucas Gazarin, estuda o uso da cannabis medicinal há 10 anos (Foto: Juliano Almeida)
O professor da UFMS, Lucas Gazarin, estuda o uso da cannabis medicinal há 10 anos (Foto: Juliano Almeida)

Ele destacou que alguns dos usos mais clássicos e com mais evidências são o tratamento de algumas síndromes epilépticas, dores crônicas, dores neuropáticas e controle de vômito em pacientes que fazem quimioterapia para o câncer. "Embora tenhamos muita certeza sobre alguns casos, há ainda perspectivas de ampliar o uso terapêutico dessas substâncias", afirmou Gazarin.

De acordo com o pesquisador, um dos desafios atuais de avançar com os estudos da cannabis medicinal é a legislação proibicionista. "Há alguns anos, quando não havia regulamentação para uso medicinal, a situação era muito mais complicada. Existem casos de pesquisadores que precisavam conseguir a cannabis de forma ilegal, caracterizando até mesmo tráfico. Sempre que há iniciativas de aumentar o acesso para fins terapêuticos, há também um incentivo para a pesquisa e tecnologia brasileira”.

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