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Capital

De volta ao território da “zuca”, PM reencontra alvos e também frustração

“Resolve só na hora, depois de cinco minutos, já estão de volta. Não há resultado”, reclamam comerciantes

Aline dos Santos e Clayton Neves | 01/11/2019 14:09
Primeira operação de novembro teve como alvo população de usuários que habita antiga rodoviária. (Foto: Henrique Kawaminami)
Primeira operação de novembro teve como alvo população de usuários que habita antiga rodoviária. (Foto: Henrique Kawaminami)

Desativada há nove anos, a antiga rodoviária de Campo Grande reviveu hoje a tradição dos encontros. Por lá, nesta sexta-feira que abre novembro, operação policial, batizada de Laburu, se encontrou com a dura narrativa de Rosa – que se reveza entre a pasta-base, mais conhecida por “zuca”, e a pinga. As equipes também encontraram a frustração da comerciante Mirian diante do abandono da região: “ É um ciclo que se repete. Não tem mais solução”.

Depois de cinco operações similares em outubro, a PM (Polícia Militar) fez hoje uma nova ação, mas com o velho alvo: a população de usuários que habita no entorno do prédio. Enquanto entidades se revezam em reuniões e muitos esperam do poder público solução radical, na linha do interna todo mundo, quem age é a polícia, mas com efetividade posta em xeque.

“Resolve só na hora, depois de cinco minutos, já estão de volta. Não há resultado”, afirma Victor Manoel Almeida, que acompanha as operações do local de trabalho, uma mercearia da rodoviária. “A alternativa seria internar todos”.

A comerciante Mirian Ângelo, 56 anos, endossa o relato. “É sempre a mesma coisa, eles chegam, revistam, vão embora. Quando viram as costas, os usuários já vão aparecendo com as sacolas, colchões. Tudo volta a ser como antes”.

À reportagem, a comerciante Nívia Vilela, 38 anos, conta que eles sabem que não vão ficar presos quando flagrados com drogas, pois são usuários. “Não tem artigo na lei para eles. A polícia vem, averigua e depois eles [usuários] voltam. Já vi alguns xingar os policiais”. Para ela, o assistencialismo ajuda a tornar a rodoviária um lugar ideal, com acesso a abrigo e doação de comida por igrejas e ongs (organizações não governamentais). 

Cinco operações similares foram realizas em outubro. (Foto: Henrique Kawaminami)
Cinco operações similares foram realizas em outubro. (Foto: Henrique Kawaminami)

Fundo do poço

A Polícia Militar promete mudanças, mas a partir de 2020. “Vamos buscar os traficantes e vai acabar o tráfico de drogas no Centro da cidade. Os traficantes vão ter que procurar outro lugar para vender drogas. Vai ter muitas surpresas para quem acha que Campo Grande está perdida”, antecipa o comandante do primeiro Batalhão da PM, Claudemir Brás, ao comentar a futura ação, já batizada de Primus.

De acordo com ele, o foco vai mudar depois de dezembro. “Os usuários são vítimas. Os traficantes viciam e aliciam. Levam essas pessoas ao fundo do poço”.
Em média, cada operação faz 250 abordagens e resulta em seis presos com drogas ou mandado de prisão em aberto. Nesta sexta-feira, foram presos dois foragido, 260 abordagens e apreensão de 11,7 gramas de cocaína. Outro episódio foi a fuga d e um homem durante abordagem. Ele pulou no córrego Segredo e consegui escapar.

Tirar couro de onça morta

Bem longe da presença da polícia, mas ainda ao alcance dos ouvidos da reportagem, um usuário gritou em protesto. “Eles vem enquadrar nós aqui, mas a gente é tudo usuário. Quem sustenta o tráfico são os ricos. É fácil tirar onça morta, difícil é caçar ela viva no mato”. 

No entorno da rodoviária, reina a negativa de cometer crimes para custear a droga. Com nome de astro da musica, Elton Jhon Dias, 29 anos, relata os efeitos do vício. “A droga não dá fome, não dá sono. Fica numa situação crítica. Mesmo sendo viciado, tem que ter controle. Não pode usar todo dia. Se não, ele te consome. A droga toma conta de você.

Polícia Militar diz que foco vai mudar e traficantes serão os novos alvos. (Foto: Henrique Kawaminami)
Polícia Militar diz que foco vai mudar e traficantes serão os novos alvos. (Foto: Henrique Kawaminami)

Ele conta que compra uma pedra grande, que custa R$ 50 e dosa o consumo. Mas também há “zuca” a partir de R$ 10. “A polícia está fazendo o serviço dela. Para a pessoa sair dessa via tem que muita força de vontade”.

Rosa Maria Lourenço, 51 anos, afirma que são 31 anos de dependência química, principalmente do álcool. “Já consegui ficar um ano sem a pasta-base, mas o meu vício maior é a pinga”, diz. Por dia, consome um litro da bebida, cada embalagem com 500 ml custa cinco reais.

Ela afirma que já foi cozinheira e há um mês abandonou a casa. “Agora, estou na rua de vez. Não tenho renda, mas o pessoal ‘fortalece’”.

Das lembranças de ter um lar, diz que guarda alguma organização, como dobrar as cobertas e não deixar bagunça no colchão. “A pasta-base é terrível, ela instiga, você sempre quer mais”, conta a mulher, que um dia se sonhou psicóloga. 

Rosa já foi cozinheira e tinha lar, mas há um mês está na rua. (Foto: Henrique Kawaminami)
Rosa já foi cozinheira e tinha lar, mas há um mês está na rua. (Foto: Henrique Kawaminami)

Droga suja

Crack caipira, a “zuca” tem resto de cocaína, éter, acetona, gasolina, call virgem. A nomenclatura é o diminutivo de bazuca, arma de guerra. “É a que mais danifica o organismo. Destrói em pouco tempo e abstinência é muito grave”, afirma o médico psiquiatra Marcos Estevão dos Santos Moura, que também é vice-presidente do Cead/MS (Conselho Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas).


O efeito no cérebro é questão de segundo, mais rápido, por exemplo, do que a cocaína. Na rede pública, conforme divulgado em julho pelo Campo Grande News, quem procura atendimento encontra uma rede de apenas 32 leitos.

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