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Em MS, voluntários deram vida a doentes de covid-19 ao consertar respiradores

Não é só na linha de frente que existem heróis, nos bastidores, voluntários consertaram 115 respiradores para pacientes com covid

Paula Maciulevicius Brasil | 08/12/2020 14:22
Respiradores de hospitais foram levados para o Senai e equipe de voluntários entrou em ação para consertá-los. (Foto: Divulgação/Fiems)
Respiradores de hospitais foram levados para o Senai e equipe de voluntários entrou em ação para consertá-los. (Foto: Divulgação/Fiems)

Por trás dos 115 respiradores consertados para uso dos pacientes com covid-19 em Mato Grosso do Sul, voluntários trabalharam de abril a novembro nos testes e reparos para deixar os equipamentos a postos quando deles dependesse uma vida. Os voluntários não estão na linha de frente do combate ao coronavírus, mas foram tão heróis quanto quem veste um jaleco desde que a pandemia se instalou.

Se não fosse pela experiência de seis voluntários como a engenheira eletricista Ana Maria da Silva, de 34 anos, talvez o desfecho do paciente Edgard das Neves Pereira, 51, poderia ter sido outro se não o de entrar andando no espaço que funcionou como oficina para agradecer o empenho do grupo de voluntários.

Militar da Força Aérea, foi a experiência de 11 anos atrás na manutenção de equipamentos médicos que fez com que Ana Maria se voluntariasse. Ela soube da necessidade de voluntários em todo País e mesmo trabalhando hoje com manutenção de radar no aeroporto, atendeu ao chamado do Senai para o conserto dos respiradores.

Engenheira, Ana Maria foi uma das voluntárias que consertou respiradores no Estado. (Foto: Divulgação/Fiems)
Engenheira, Ana Maria foi uma das voluntárias que consertou respiradores no Estado. (Foto: Divulgação/Fiems)

"Eu vi e resolvi procurar o pessoal do Senai para ver se iriam fazer o projeto aqui e se realmente eles precisavam", conta Ana. A decisão de ajudar veio depois de sentir a angústia de ter alguém da família dependendo de um respirador. "Tive um problema com a minha mãe no ano passado, que precisou ficar intubada e a gente que trabalhou em hospital sabe como é importante ter esses equipamentos para poder salvar vidas", descreve.

Como trabalhava por escala, era no contra-turno do aeroporto que Ana Maria se dirigia à carreta localizada no estacionamento do Senai. Eram de 3h até 4h de trabalho ininterrupto. "Comecei dia 6 de abril e fui até finalzinho de julho indo umas quatro vezes na semana. De julho pra cá que ficou mais esporádico e a gente conseguiu consertar a maioria até agosto", conta.

A desinfecção pela qual os aparelhos passavam e também todos os equipamentos de proteção individual usados durante o voluntariado deixou Ana Maria tranquila para seguir, mesmo tendo uma mãe com doença pulmonar crônica em casa.

De início, ela avisou aos colegas de escala que se não atendesse ao telefone de pronto, era porque estaria consertando respiradores. "Minha ideia era só de ajudar mesmo, não divulguei pra ninguém", fala.

Experiência anterior fez com que engenheira tivesse conhecimento técnico e também empatia para socorrer quem mais precisava. (Foto: Divulgação/Fiems)
Experiência anterior fez com que engenheira tivesse conhecimento técnico e também empatia para socorrer quem mais precisava. (Foto: Divulgação/Fiems)

No entanto, o dia em que Ana Maria conheceu um paciente que ela ajudou, a notícia correu. O Senai prestou uma homenagem aos voluntários levando o cinegrafista Edgard das Neves Pereira, um dos primeiros pacientes a pegar a covid-19 em Campo Grande e que ficou intubado no CTI do Hospital Regional.

"A gente tem noção que salva vidas, mas você conhecer uma pessoa que usou o equipamento, que se recuperou e que está bem... Eu falo que ganhei meu dia e meu ano naquele dia, foi muito bacana. Fui pra ajudar, mas recebi muita coisa boa em troca", narra a voluntária.

Engenheira, ela classifica o trabalho como simples e resume que "só fazia testes funcionais e alguns reparos para deixar os equipamentos prontos para calibração", explica.

Manutenção - Quando a pandemia chegou ao Brasil, percebendo os impactos em todo País, o Senai se reuniu nacionalmente para pensar o que poderia fazer utilizando a capacidade técnica. A mobilização para o conserto começou na segunda quinzena de março e as ações de manutenção tiveram início em abril e seguiu até novembro. O Senai recebeu da Secretaria Estadual de Saúde 138 respiradores para conserto, destes 115 foram arrumados e entregues para 17 cidades, o restante, precisou ser descartado.

"A área de saúde não é o nosso forte, mas somos referência nas áreas de eletroeletrônicos, automotiva, biologia, com testes laboratoriais. E aí tivemos a ideia de começar a analisar os respiradores que estavam parados nos hospitais. Isso virou uma grande ação, com o conserto de 2.400 respiradores em todo o País", explica o diretor-regional do Senai, Rodolpho Caesar Mangialardo.

Paciente que teve covid, Edgard foi uma das pessoas que usou os respiradores consertados pelos voluntários. (Foto: Divulgação/Fiems)
Paciente que teve covid, Edgard foi uma das pessoas que usou os respiradores consertados pelos voluntários. (Foto: Divulgação/Fiems)

Os respiradores consertados já eram de uso dos hospitais e estavam encostados justamente por não funcionarem e quando a pandemia tomou a proporção de lotar hospitais, entrou todo o trabalho solidário.

"A gente enxergava o déficit de respiradores nos hospitais. Vimos os hospitais chegarem ao limite de ocupação em UTIs e, com certeza, se não tivéssemos devolvido 115 respiradores, a capacidade desses hospitais seria menor", acredita Rodolpho.

Foram seis voluntários trabalhando na oficina em Campo Grande e os respiradores foram destinados para a Capital, Dourados, Jardim, Aparecida do Taboado, Aquidauana, Corumbá, Figueirão, Três Lagoas, Água Clara, Camapuã, Caracol, Mundo Novo, Miranda, Maracaju, Selvíria, São Gabriel do Oeste e Deodápolis.

Homenagem - Dois meses e meio depois de ter alta do Hospital Regional, Edgard foi até o Senai. A data exata ele não se recorda, mas faz a associação ao fato de que já entrou andando, diferentemente de quando saiu do hospital, que ainda precisava de cadeiras de rodas.

Sobre o trabalho por trás do respirador que lhe foi tão fundamental, o cinegrafista não sabia. "Só soube lá, até porque fui um dos primeiros a pegar esse corona em Campo Grande. Quando internei, só me lembro de ter uma pessoa, depois eu apaguei e fiquei em coma e todo aquele processo", comenta.

A surpresa foi quando olhou os voluntários e entendeu a missão do convite. A homenagem era para quem trabalhou tanto por pessoas que eles ao menos conheciam.

Na imagem, o engenheiro de controle e automação do Senai Empresa, Luís Henrique Corbelino explicando para Edgard o funcionamento do aparelho que lhe salvou a vida. (Foto: Divulgação/Fiems)
Na imagem, o engenheiro de controle e automação do Senai Empresa, Luís Henrique Corbelino explicando para Edgard o funcionamento do aparelho que lhe salvou a vida. (Foto: Divulgação/Fiems)

"Fiquei muito agradecido, porque achei muito nobre da parte dessas pessoas que se voluntariaram para arrumar algo que não iria beneficiá-los e sim beneficiar pessoas que quem sabe eles nunca nem fossem conhecer. Em nome de todos os que usaram, estão usando ou ainda irão usar, eu agradeci eles".

Edgard já deu dezenas de entrevistas por ter sido um dos primeiros pacientes que venceram a covid-19 na Capital e toda fala vem carregada de reflexões. "A vida é boa e ninguém quer morrer, por mais difícil que seja, ninguém quer ir embora sem pelo menos ver sonhos realizados".

Desde que teve alta, dia 27 de abril, após quase um mês em coma induzido, Edgard tem se questionado o que realmente importa. "Se eu tivesse ido embora, talvez pra mim não faria diferença, mas pra quem ficou a minha pergunta é: 'será que eu ia fazer diferença na vida deles?' O jeito que você vive é o legado que você deixa".

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