A agonia de quem ouve não todo dia quando procura emprego
Nesta reportagem você vai ver o relato de dez personagens que começaram a semana procurando uma oportunidade e ouvem, em geral, a mesma coisa
O mercado de trabalho nunca foi tão exigente quanto agora, apontam desempregados em Campo Grande. Na fila do emprego, a experiência pouco soma e a falta de estudo pesa, e muito. É na entrevista, que o candidato se arrepende da ausência de um diploma e se vê na obrigação de usar a fé ou voltar à sala de aula.
Não faz muito tempo em que a quantidade de jovens buscando a “primeira oportunidade”, pelas agências públicas de emprego da Capital, surpreendia e vinha acompanhada do “exagerado pedido de experiência” para o primeiro emprego.
Hoje, segunda-feira, dia conhecido por lotar agências de emprego, o que mais se escutava na fila é que a experiência ficou em segundo plano na lista de requisitos. O grau de escolaridade antes um “ponto a mais” se tornou fundamental.
É nessa hora que Maria Socorro da Silva se apega aos bons sentimentos e na confiança de conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Aos 53 anos, se viu novamente desempregada e sem nenhum estudo. A saga em busca de uma oportunidade começou há dois anos, quando a última empregadora faleceu. “Essa é a primeira vez que venho em agência de emprego, porque sempre trabalhei em casas de família, em uma das casas por 11 anos. Agora fiquei desempregada porque minha última patroa faleceu e fiquei sem trabalhar”, explica.
Com os filhos criados, Maria do Socorro se sente, em parte, aliviada, pois poderia ser pior. “Moro sozinha, meus filhos estão todos criados e então a situação é menor pior. Mas a gente tem de acreditar, que vai sair daqui com um encaminhamento”, finalizou.
“Hoje me arrependo de não ter terminado os estudos”. Essa é a frase mais repetida por Antônio Pedro Nascimento, de 46 anos. Mais uma vez com a senha em mãos na busca de uma vaga no mercado, o balconista, auxiliar de produção e vendedor, por experiência, se vê sem saída, mas com muita fé em Deus.
“Eu tenho experiência como conferente, fiscal, auxiliar de produção, balconista, vendedor, e até serviços gerais, mas o que surgir a gente pega. Há três meses estou em busca e o filho da minha esposa, meu enteado, mora com a gente, então, tem gente que depende da gente. Mas a gente tem que acreditar e não desistir”, explica.
Vai-e-volta na agência "é lei". Antônio garante que já perdeu as contas de quantas vezes precisou voltar nos dois prédios públicos. Nesta segunda-feira, o relógio marcava 7h30 e já era a segunda agência visitada.
“Só aqui (Agência da Funtrab) já vim mais de 30 vezes, sei lá... Sempre que venho já passo nas duas. Das vezes que vim, já até consegui encaminhamentos, mas vou lá faço a entrevista e espero resposta, uma delas há três semanas. Mas no meu caso, acredito que o responsável é a falta de estudo. Sexta-feira, mesmo, eu fiz uma entrevista no Wall Mart, mas por causa do meu estudo não vou ser chamado. Eu tenho experiência, mas é o estudo que está pegando. Hoje eu me arrependo, meus pais sempre me falavam. Hoje eu cobro do meu filho. Ele está com 15 anos e já repetiu um ano, então, eu sempre alerto, estuda senão você vai ser igual seu pai, emprego não está fácil”, desabafa.
Um aplicativo lançado em 2017, pelo Ministério do Trabalho, tenta melhorar o atendimento aos trabalhadores e minimizar os gastos de quem está desempregado, com idas e voltas, as unidades. O Sine Fácil permite acesso às vagas de emprego, informações sobre Abono Salarial e acompanhamento de pagamentos de parcelas do Seguro-desemprego.
Apesar de sempre ir até à agência, Antônio Pedro afirma que usa o app e só sai de casa, quando surgem as vagas. “Eles mesmos nos orientam que se as vagas não aparecem no aplicativo, não adianta vir aqui”, finaliza.
A exigência das empresas só cresce, afirma Telma Vargas, de 38 anos. Desemprega há mais de três meses e morando com a mãe e três filhos, de aluguel, a serviços gerais se surpreendeu com os requisitos necessários para preencher cargos, nos últimos meses.
“A cada dia que você volta estão pedindo mais qualificação. Esses dias me pediram curso superior e é isso que está pegando. Eu busco vaga na área de auxiliar de produção, operadora de caixa e serviços gerais, dias desses, eu vim aqui para entrevista em uma empresa que está abrindo e até a atendente se surpreendeu com a exigência do ensino superior. Eu ainda questionei se só por isso eu não seria encaminhada, mas infelizmente é desse jeito”, disse.
Além disso, a operadora de caixa, por experiência, reclama do atendimento por aplicativo, já que há meses está sem internet, por falta de emprego. “Não tem como ficar olhando todo dia na internet, você já está desempregado, sem dinheiro para pagar as contas e, às vezes, é melhor vir aqui direto”, finaliza.
Desempregada há dois meses, depois que antiga patroa se mudou para Dourados, a 233 km de Campo Grande, Maria Lenide, de 55 anos, moradora na Vila Marly, levantou cedo e partiu em direção ao Centro da Capital. Além do desemprego, a doméstica enfrenta problemas com o alcoolismo do marido e, por essa razão, as contas apertaram.
“Moramos eu e o marido, mas ele tem problemas com bebida e só eu tenho trabalhado, com bicos. Só a gente trabalhar não dá. A gente já chega cansada e ainda aguentar marido que quer viver em “boteco” é pesado. Eu estava empregada, mas de repente me vi na rua com a mudança da minha patroa”, explica.
A doméstica reclama da falta de retorno das empresas, mesmo após entrevista. “A gente chega aqui, comprova experiência é encaminhado, passa por entrevista, mas nunca mais ligam para a gente. Hoje vim só para devolver a última carta que peguei aqui, porque senão acham que a gente começou a trabalhar. Mas na verdade, depois da entrevista, nunca mais ligam. Na minha situação agora, não sei se é a idade ou estudo, porque experiência e carta de referência eu tenho de sobra”, finaliza.
Há 40 anos como peão, Waldecy Alves Feitosa, de 65 anos, também é um dos milhares que dormiu com emprego e acordou na fila do desemprego. No último trabalho, Luís prestava serviço com o gado em uma fazenda arrendada, na saída para Três Lagoas, mas o local foi entregue ao dono e ele dispensado. Morador do Cerejeiras, Waldecy também tem experiência com máquinas, mas nem desse jeito se encaixou nas exigências dos patrões.
“Fui dispensado e é complicado se ver desempregado nessa altura do campeonato. O patrão vendeu o gado e eu tive que sair. Não tenho mais filho pequeno, mas tenho enteado que mora comigo e minha mulher. Desde que fiquei desempregado, já vim várias vezes, tanto aqui (Funtrab) como lá (Funsat), consegui dois encaminhamentos, mas nenhum deu certo”, explica.
Moradora do Bairro Seminário, Janaina Alves, de 27 anos, é mãe de quatro filhos e procura uma vaga no mercado formal há um ano. Pouco tempo antes, o marido também a acompanhava na agência, mas já conseguiu uma colocação. A jovem explica que antes de decidir procurar um registro em carteira vivia de diárias, para manter a família.
“Perguntam da experiência e se tenho carta de referência e nesse momento eu busco vaga em qualquer área, porque já tem um ano que eu estou desempregada e tenho quatro filhos. Uma vez consegui um encaminhamento para copeira, mas chegando lá, a dona queria alguém para trabalhar na casa dela ou de camareira de motel. Ela cadastrou uma função na agência, mas chegando lá era outra. Enfim, achei estranho e voltei para casa. Mas continuo na busca, tomara que eu consiga o quanto antes”, disse.
Com sonho de fazer faculdade, Gabriel Augusto Souza dos Santos, de 25 anos, corre contra o tempo para garantir uma vaga no mercado e o retorno à sala de sala. O rapaz já trabalhou em laboratório clínico e de ótica, mas como a mãe está doente, trancou a faculdade de Educação Física e procura oportunidade em qualquer área.
“Estou desempregado há 6 meses e me virando com bicos, mas preciso achar algo fixo, por isso vim aqui. Como só tenho 25 anos, a experiência e o ensino médio não são o bastante. Preciso retomar a faculdade que tranquei. Hoje também fiquei sabendo do aplicativo e vou me cadastrar e baixar no celular”, disse.
Também há na fila de desemprego, quem cumpre aviso prévio e garimpa uma melhor remuneração. O marceneiro Raviel Ramão, de 26 anos, por exemplo, tem experiência de seis anos e diversos cursos qualificantes da área, mas decidiu procurar a agência antes de ficar, definitivamente, sem emprego.
O jovem já tem um filho, mas atualmente mora sozinho e não pode ficar sem trabalho. “Eu estou adiantando para não ficar sem emprego. Comecei na área aos 20 anos, quando um sogro me contratou. Depois fiz um curso no Senai, entrei em outra empresa onde consegui fazer muitos cursos profissionalizantes. O ensino superior é importante, mas se qualificar com cursos ajuda muito também”, disse.
Entre tantos moradores de Campo Grande, ainda há na espera por oportunidades, moradores dos mais variados locais do Brasil. Cansado da falta de oportunidade em São Paulo, Luiz Herculano Filho, de 54 anos, por exemplo, saiu da maior metrópole do Brasil e passou a viajar em busca de um lugar para se estabelecer. Mas para isso precisa de uma oportunidade.
Desde que deixou a terra natal, em julho de 2017, passou por várias cidades e há um mês chegou a Campo Grande. Morando no Jardim Veraneio, o construtor confessa estar desacreditado, por causa da falta de experiência em carteira. “Minha carteira está uma bagunça, tem três anos, pelo menos, sem registro. E no meu caso, não acho vaga para nada. Nem para auxiliar de nada. Eu sou pedreiro, tenho experiência em obras, mas sem registro, como faço para comprovar? Minhas filhas já se criaram e hoje estou sozinho, mas preciso me manter. Vim de São Paulo para morar e trabalhar aqui, mas para isso preciso de emprego”, explicou.
Na mesma situação, vem Sandra Borges, de 45 anos, do estado de Rondônia. Ela chegou a Campo Grande, em fevereiro, e na busca por uma vaga na área da limpeza se diz surpreendida com as exigências para a função. Morando de favor na casa de uma tia, no Bairro Campo Belo, a serviços gerais, se alivia por já ter criado os filhos.
“Além do grau de estudo, fui rejeitada em três locais, porque eu não tinha carro ou moto para me deslocar até o emprego. Em um dos casos, a patroa até dava o vale transporte, mas tinha que converter para combustível. Ainda bem que um dos meus filhos mora com o pai e outro é casado, porque senão seria pior, uma criança pequena dependendo da gente”, finaliza.
Dados de MS- Mato Grosso do Sul tem registrado frequentemente saldos positivos no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). O indicador é calculado somente com base na diferença entre a quantidade de pessoas contratadas e demitidas em cada mês do ano.
Somente no primeiro trimestre de 2018, por exemplo, a pesquisa mostra que o estado teve 4.223 novos empregos gerados.
Contudo, esse crescimento no mercado não acompanha a quantidade de pessoas que estão em busca de um serviço. A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aponta que de janeiro a março havia 1.401.000 pessoas com mais de 14 anos aptas a excercerem algum tipo de atividade.
Destas, 118.000 estavam desocupadas, ou seja, estavam correndo atrás de alguma vaga, mas não conseguiam; ou estavam paradas, mas tinham perspectiva de iniciar algum serviço em breve.
Além disso, outras 57 mil pessoas estavam trabalhando, mas por diversos motivos consideravam a jornada insuficiente e queriam complementá-la em mais de um emprego.