Com mercado de trabalho em crise, diploma tem só o peso de um papel
Em cinco anos, desemprego de profissionais com curso superior disparou 75% em MS
Em um país às avessas, quanto mais a pessoa cresce, menos valorizada ela é. O diploma é só um papel e anos e anos de estudo valem menos que as indicações. Essa é a sensação de Lilian, Tarsícia, Mariele, Leonardo e tantas outras pessoas com curso superior e experiência em desemprego. Em cinco anos, o número de desempregados com diploma deu salto de 75% em Mato Grosso do Sul, totalizando 7 mil profissionais.
A quantidade, verificada no último trimestre do ano passado pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é subestimada, já que é considerada desocupada apenas a parcela populacional que, na semana de referência, procurava emprego. Não entram, na estatística, por exemplo, desempregados que não buscavam trabalho por estarem, entre outras situações, em alguma atividade temporária.
No total, há 101 mil desempregados em Mato Grosso do Sul. De cada cem pessoas desse universo, sete têm formação superior. Entre esses trabalhadores, está o administrador de empresas Leonardo Mazure Gomes, 26 anos, que, na semana passada, procurou a Funsat (Fundação Social do Trabalho), em Campo Grande, na tentativa de voltar ao mercado.
O diploma de Leonardo foi a chave para o desemprego. “Eu fiz estágio por dez meses”, conta. Algum tempo depois de concluir a graduação, ele recebeu a notícia que seria demitido. O "agravante' foi um pedido de melhoria salarial. “Meu salário havia aumentado de R$ 954 para R$ 1.090. Achei que poderia ser mais que isso e fui pedir”, relata Leonardo, que está perto de concluir MBA (Master in Business Administration) em gestão de negócios.
"O feedback era que minha qualificação era muito alta”, afirma psicóloga
Além dos problemas relativos a salários, há tantos outros, de acordo com experiência de profissionais ouvidos pelo Campo Grande News. Nessa relação, há a chamada “carta marcada” ou indicações, preconceito quanto a idade e de gênero.
A psicóloga Tarsícia Maria Marques Lopes, 51 anos, sentiu parte desses problemas na jornada de dois anos e três meses em busca de emprego. “Participei de mais ou menos 15 processos seletivos”, calcula Tarsícia, que só conseguiu trabalho recentemente.
Para ela, a dificuldade de voltar ao mercado de trabalho decorre da preferência dos empregadores aos “indicados”. Além disso, há as barreiras da idade e do próprio currículo, com qualificação acima da média.
“Nos processos seletivos, as cartas já estavam marcadas, já havia alguém indicado”, disse. Ela mencionou uma situação em que os envelopes com os documentos para a disputa da vaga nem sequer foram abertos para beneficiar determinados candidatos.
“Outro problema é minha idade. Tenho 51 anos e sentia, nitidamente, que havia preferência por pessoas mais novas”, acrescenta. “A qualificação também foi um fator. O feedback que tinha era que minha qualificação era muito alta para o cargo”, relata.
“Nesse mercado de cartas marcadas, eu me sinto carta fora do baralho”, desabafa profissional
Formada em Relações Internacionais, com pós-graduações em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana e em Economia Solidária e Tecnologias Sociais na América Latina, Lilian Rodrigues da Silva, 55, têm rico currículo, mas desvalorizado pelo mercado de trabalho. “Nesse mercado de cartas marcadas, eu me sinto carta fora do baralho”, desabafa.
O currículo de Lilian, valorizado no interior do Rio de Janeiro, onde morava, perdeu valor no mercado campo-grandense. “Lá, eu tinha mais prestígio. Aqui em Campo Grande é mais difícil, o mercado é mais cruel e tem muito carta marcada”, opinou a profissional, que precisou se mudar para Mato Grosso do Sul por questões pessoais.
Para exemplificar o peso das indicações no mercado de trabalho local, ela conta que ficou em primeiro lugar em um processo seletivo em uma agência pública há muitos anos, mas foram chamados candidatos em colocações piores. “Alguns, que ficaram em terceiro, quarto lugar, entraram com recurso. Eu até podia ter entrado, mas acabei não indo atrás. Foi uma seleção de cartas marcadas”, lembra-se.
Atualmente, Lilian trabalha como autônoma, prestando consultoria a sindicatos. Apesar de importante, a atividade está aquém do peso de seu histórico curricular.
Uma mulher entre tantos homens e entre tantos "nãos"
Mariele Cândido Lopes, 27, realizou metade de seu sonho: tornar-se uma engenheira agrônoma. Está mais difícil a outra metade: trabalhar em sua área. O empecilho está no fato de ser mulher em um segmento majoritariamente masculino e um mercado fortemente machista. Ela viajou por diversas cidades do estado em busca de emprego.
Formada em 2014 na Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) de Aquidauana, Mariele encontrou dificuldade já na época do estágio no estado. “Tive que fazer em Ilha Solteira, em São Paulo, no laboratório da Unesp [Universidade Estadual Paulista]”, relata.
Durante a graduação, Mariele se aprofundou em cana-de-açúcar. No entanto, não conseguiu vaga nesse setor. “Nas usinas, não tinha alojamento para a mulher. Era o que diziam”, lembra-se. Depois do estágio, trabalhou, temporariamente, em áreas diversas de sua formação. “Voltei para casa e fiquei fazendo bicos”, contou a engenheira, que mora em Três Lagoas.
Por um tempo, ela integrou uma equipe feminina em empresa do setor de floresta. “Mas as equipes femininas foram desfeitas, por causa de três acidentes de trabalho, que não foram graves, ainda bem! Eles disseram que as mulheres não tinham aptidão física para a atividade”, relata.
Na avaliação de Mariele, a justificativa velava um preconceito de gênero. Ela foi demitida em dezembro de 2016 e, desde então, não conseguiu emprego. “Voltei a fazer bicos fora da minha área, como vendedora, por exemplo”, afirmou.
Mesmo completando mais de ano desempregada, Mariele não desiste de sua área. “Não abandono. Meu sonho era me tornar engenheira agrônoma e consegui. Não vou desistir desse sonho”, diz, enfática. Para realizar a outra metade do sonho, ela viajou por Mato Grosso do Sul entregando currículos. “Gastei minhas economias, visitando várias empresas, mas até agora não consegui”, finaliza.
Desemprego entre formados cresce em ritmo acima ao da média geral do estado
De modo geral, o desemprego aumentou acentuadamente em Mato Grosso do Sul. Eram 62 mil no quarto trimestre de 2012, subindo para 101 mil no mesmo período do ano passado, de acordo com a Pnad, do IBGE. A variação é de 62%.
Considerando apenas a parcela com mais tempo de instrução, o avanço é ainda maior. Eram 4 mil pessoas desocupadas em 2012, aumentando para 7 mil em 2017. O crescimento é de 75%.
Em meio a tanto desemprego, os que se seguram nas empresas estão recebendo menos. O rendimento mensal médio recuou de R$ 4.007 em 2016 para R$ 3.877 no ano seguinte.
Formados na fila do desemprego – As estatísticas do IBGE fazem jus aos números da Funsat. Apenas para o primeiro atendimento 129 pessoas com curso superior completo procuraram a agência neste ano (até o dia 12 deste mês). Foram 47 em janeiro, 61 em fevereiro e 21 em março. A média é de cinco pessoas a cada dois dias úteis. No ano passado, deram entrada nos serviços do local 604 profissionais formados.
Se considerados todos os atendimentos (não só quando a pessoa procura a Funsat pela primeira vez), a quantidade relativa a pessoas com curso superior soma 7.278 durante 2017. Os dados também mostram que foram, no ano passado, 202 atendimentos a especialistas, 38 a mestres e sete a doutores.
“Nesses dias, encaminhamos um bacharel em Direito para uma vaga de vendedor”, exemplificou o diretor-presidente da Funsat, Cleiton Franco. Ele informou que são diversas pessoas com curso superior que procuram oportunidade de trabalho na agência. “E a maioria é do pessoal que se forma em Direito”, ressalta.