Droga domina fronteira, manchada com sangue da guerra de facções
Todo dia polícia apreende carregamentos de drogas em MS; PCC e CV mudaram “cara” do crime na região e fuzilamentos se espalham
Nunca se aprendeu tanta droga como atualmente na fronteira do Brasil com o Paraguai, em território sul-mato-grossense. Também nunca se viu tanta gente sendo morta em chacinas, execuções a qualquer hora do dia, roubos a bancos, assaltos com reféns em residência e bandido colocando a arma na cara de gente de bem para levar o carro ou a moto.
O Campo Grande News começa a publicar hoje (28) a série de reportagens “MS nas mãos do crime”, que vai mostrar ao longo desta semana dados estatísticos, depoimentos e análises de especialistas sobre a escalada da criminalidade em Mato Grosso do Sul, onde as execuções com armamento de guerra se tornaram rotineiras e chegam até mesmo em cidades mais distantes geograficamente da fronteira, como a capital Campo Grande.
A produção de maconha está em franca expansão do lado paraguaio, mesmo com todo o apoio financeiro e treinamento da DEA, a agência norte-americana de combate às drogas.
Também sai do Paraguai por Mato Grosso do Sul boa parte da cocaína que entra no Brasil para abastecer o mercado interno e para ser mandada de navio para a Europa.
A coca, planta usada para produzir cocaína, não nasce em terras paraguaias, mas com boa parte da polícia na folha de pagamento do crime organizado e com uma fronteira seca gigantesca e abandonada, o Paraguai se tornou entreposto do pó branco produzido na Bolívia e trazido pelas quadrilhas internacionais para o território brasileiro.
Como tanta facilidade, não é se espantar que a Linha Internacional entre Mato Grosso do Sul e o departamento (equivalente a estado) de Amambay se tornasse o paraíso para os narcotraficantes, que não são mais os barões da droga das antigas – homens da sociedade que frequentavam eventos sociais e se misturavam com autoridades políticas, muitas vezes se tornando uma delas.
As facções na fronteira – Agora quem dá as cartas na fronteira são as organizações criminosas, mais precisamente o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho. São essas duas quadrilhas que estão patrocinando a matança em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã.
Essa é a leitura que fazem policiais da linha de frente do combate ao crime organizado em Mato Grosso do Sul. Vários foram ouvidos pelo Campo Grande News. Muitos aceitam falar, mas pedem o anonimato, para não se tornarem também alvos das balas de fuzil que mancham a fronteira de sangue.
Na semana passada, o ministro-chefe da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) do Paraguai Arnaldo Giuzzio disse que os brasileiros Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o “Minotauro”, e Jarvis Gimenes Pavão, mesmo recolhidos em presídios federais, continuam lutando pelo controle do crime organizado na Linha Internacional.
O mais recente banho de sangue na fronteira ocorreu na madrugada de 22 deste mês. Seis pessoas, entre elas uma adolescente de 16 anos, foram executadas a tiros de fuzil e pistola em Pedro Juan Caballero. A polícia paraguaia acusou o PCC e disse que os mortos eram ligados à quadrilha de Jarvis Pavão.
Jorge Rafaat – PCC e Comando Vermelho são atuantes na fronteira há pelo menos dez anos. Mas foi nos últimos cinco que os grupos intensificaram a presença em Ponta Porã-Pedro Juan Caballero e Coronel Sapucaia-Capitán Bado.
“As facções perceberam que tinham um filão na fronteira e decidiram cortar o atravessador, o intermediário. Decidiram fazer no crime organizado o que em mercados formais se chama de verticalização, ou seja, você ser dono de toda a escala de produção”, afirma um experiente policial com atuação na fronteira.
“Esses grupos se instalaram no Paraguai para assumir o controle da produção de droga e do fornecimento de armas. Mas quando chegaram lá se depararam grupos locais e travaram uma disputa velada. Essa disputa continuou até chegar ao Rafaat [Jorge Rafaat Toumani], que era dono de tudo e já estava brigado com o Jarvis [Jarvis Gimenes Pavão]”, conta a fonte.
Segundo o policial ouvido pela reportagem, Pavão decidiu aproveitar o momento para se livrar do antigo sócio e naquele momento concorrente e inimigo no submundo do crime.
“Ele se aliou ao PCC para matar o Rafaat. Com apoio do Comando Vermelho, a facção paulista decidiu eliminar o Rafaat porque ele começou a vender droga diretamente para o Brasil, traindo um acordo que tinham de repassar para o PCC e ficar com a Europa e outros mercados”, afirma o policial.
Apontado como um dos maiores narcotraficantes da América do Sul, o brasileiro Jorge Rafaat Toumani comandou o crime organizado na fronteira até ser morto a tiros de metralhadora calibre 50 em um ataque cinematográfico, na noite de 15 de junho de 2016.
Sem cabeça – Apesar de oficialmente poucas autoridades admitirem publicamente que a morte de Rafaat piorou a situação na fronteira, nos bastidores policiais não resta dúvida: ruim com ele, pior sem ele, já que a falta de uma única liderança tornou a disputa ainda mais sangrenta.
“Logo depois os três [PCC, Comando Vermelho e Pavão] romperam a aliança e ficou cada um por si. Aí começaram a matar todo mundo. Quase toda a família do Jarvis Pavão e seus aliados foram mortos”, revela a fonte. Entre os parentes de Pavão executados estão o irmão dele, em 2017, e o tio, o ex-vereador de Ponta Porã Francisco Novais Gimenez, o Chico Gimenez, em dezembro do ano passado.
“Sem comando, bandidos de todos os tipos e de todos os lados começaram a vir para a fronteira, porque antes eles não podiam agir como vêm agindo”, afirma o policial.
Ele continua: “com dólar nas alturas que prejudica a economia da fronteira e a crise na segurança pública dos dois países, todo dia tem gente procurando uma forma alternativa de ganhar dinheiro e muitas vezes encontra no tráfico e no contrabando”.
Violência se espalha – Outro policial ouvido pelo Campo Grande News avalia que os tentáculos do crime organizado fronteiriço estão espalhados por várias cidades de Mato Grosso do Sul.
Dourados, a segunda maior cidade, com 215 mil habitantes, é considerada pela Polícia Federal um “ponto nevrálgico” do crime organizado, por ficar em ponto estratégico da rota da droga e do contrabando.
Campo Grande também se tornou palco das execuções a mando do crime organizado. Entre os casos mais recentes estão as mortes do chefe da segurança da Assembleia Legislativa, o subtenente Ilson Martins Figueiredo; de Orlando Silva Fernandes, o “Bomba”; e de Matheus Coutinho Xavier, filho de um capitão reformado da Polícia Militar.
“Muita gente ligada ao crime da fronteira vai para a Capital, para se manter no anonimato ou para não ficar muito exposto nessa guerra. O Bomba, por exemplo, era segurança do Rafaat, traiu o patrão. Era questão de tempo para ele morrer. Ainda sobreviveu dois anos depois da traição, mas foi morto”.
O policial afirma que a guerra está perto do fim. Ainda não existe um único chefe, mas logo deve surgir. “A briga agora não é mais de soco nem de pistolinha, é de fuzil. Mas a guerra não é interessante para ninguém, nem para eles. Em breve, um ou no máximo dois grupos vão assumir o controle, para lucrar também com o contrabando e com a segurança das lojas, como o Rafaat fazia antes”.