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Interior

Esquema de pirâmide tinha apoio de igreja e deu golpe até em Cuba

Organização criminosa captava até 100 mil dólares de investidores e prometia ganhos diários

Helio de Freitas, de Dourados | 19/10/2022 09:19
Piano em sala de uma das casas de alto padrão onde mandados são cumpridos hoje (Foto: Divulgação)
Piano em sala de uma das casas de alto padrão onde mandados são cumpridos hoje (Foto: Divulgação)

O esquema de pirâmide financeira transnacional, alvo da Operação La Casa de Papel deflagrada hoje (19), contava com apoio de entidade religiosa pertencente a um dos líderes da organização. A investigação da Polícia Federal mostrou que o grupo captou dinheiro de investidores em pelo menos 80 países, entre eles Cuba.

A investigação conduzida pela delegacia da PF em Dourados (a 251 km de Campo Grande) começou em agosto do ano passado após a apreensão de 100 mil dólares em esmeraldas com dois integrantes da organização em Rio Brilhante. Viajando com escolta, eles seguiam para a fronteira com o Paraguai.

Nesta terça-feira estão sendo cumpridos seis mandados de prisão preventiva contra os líderes da organização criminosa e 41 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Santa Catarina.

Os mandados foram expedidos pela 3ª Vara da Justiça Federal em Campo Grande e não há alvos em Mato Grosso do Sul. A operação tem apoio da Receita Federal e da ANM (Agência Nacional de Mineração).

Segundo a PF, a organização fazia uso massivo de redes sociais, marketing, reuniões em estados brasileiros e outros países, arregimentava líderes e mantinha a estrutura da entidade religiosa para captar recursos.

As empresas montadas pela quadrilha ofereciam pacotes de investimentos e aportes financeiros com valores de 15 dólares a 100 mil dólares e prometia ganhos diários em percentuais altíssimos. Nas redes sociais, os chefes divulgavam que as empresas estavam legalizadas na Estônia e que seriam sócios de duas instituições financeiras, mas de fato não existiam.

Em 14 meses de trabalho, a PF descobriu que os investigados não tinham qualquer autorização para a captação e gestão de recursos levantados no Brasil, na Estônia, ou em qualquer outro país. Em vários países, como Espanha e Panamá, havia alertas de órgãos financeiros sobre ausência de autorização desse grupo e de que se tratava de esquema de pirâmide financeira.

Lucro fácil – Para convencer os investidores, a organização usava sites e aplicativos que mantinha nas redes sociais para prometer investimentos multiplicados em ganhos diários que poderiam render lucro até 20% ao mês e de mais de 300% ao ano.

Basicamente, o esquema era semelhante às outras pirâmides financeiras já descobertas no Brasil. Além de prometer multiplicar o capital investido, a organização convencia quem ingressava no negócio a captar novos investidores, proporcionando ganhos sobre esses valores investidos.

Para atrair cada vez mais investidores, os líderes do esquema ostentavam nas redes sociais, onde possuem milhões de seguidores em todo o mundo, para demonstrar sucesso pessoal e de investimentos, com imagens de viagens internacionais para Dubai, Cancun e Europa.

Conforme a Polícia Federal, a prática ilegal foi se tornando mais sofisticada e passou a englobar supostos investimentos decorrentes de lucros advindos de minas de diamantes e esmeraldas que a empresa teria no Brasil e no exterior, em mercado de vinhos, de viagens, em usina de energia solar e usina de reciclagem.

Arte produzida pela Receita Federal mostra como funcionava o esquema (Reprodução)
Arte produzida pela Receita Federal mostra como funcionava o esquema (Reprodução)

Criptomoedas – O esquema cresceu tanto que a quadrilha criou duas criptomoedas, lançadas pelo grupo no final de 2021, sem qualquer lastro financeiro.

“Foi identificada manipulação de mercado para valorizar uma das moedas artificialmente em 5.500% em apenas 15 horas, com pico de até 38.000%, dias depois. Tudo isso para manter a pirâmide financeira o mais tempo possível em atividade, pois as criptomoedas foram também utilizadas para pagar os investidores”, afirma a PF.

Entretanto, após alta meteórica e especulativa promovida pelos investigados, as criptomoedas perderam todo o valor de mercado e passaram a valer casas decimais abaixo do centavo de dólar.

Para movimentar o dinheiro, foram utilizadas contas bancária dos investigados, empresas de fachada, parentes, além de terceiros ligados ao grupo. Só a entidade religiosa pertencente a um dos líderes movimentou pelo menos R$ 15 milhões. A igreja também era utilizada para captar investidores e lavagem de dinheiro.

Cuba – Com a prisão de um dos líderes da pirâmide financeira em Cuba, os fundadores da organização interromperam os pagamentos dos lucros aos cubanos e divulgaram nas redes sociais que o governo cubano teria impedido a empresa de ajudar o país.

Como acontece em todas as pirâmides financeiras, os investigados começaram a impor dificuldades para fazer pagamentos aos investidores lesados e passaram a estabelecer prazos cada vez maiores para resgate, impedindo saques por parte dos investidores.

A PF descobriu que os investigados planejaram ataque hacker, implementado no final de 2021, para que os líderes da organização criminosa pudessem alegar imenso prejuízo financeiro. Dessa forma, retiveram todo o dinheiro dos investidores e alegaram que os pagamentos seriam suspensos para auditoria financeira.

“Meses depois, comunicaram a conclusão da auditoria e anunciaram reestruturação da empresa, mantendo o esquema e migração para uma nova rede, a fim de que os investidores efetuassem novos aportes e a continuação do negócio, com ameaças do ‘CEO’ da empresa de que quem processasse ou realizasse registros de boletins de ocorrências seria identificado, processado e não receberia qualquer valor investido de volta”, afirma a PF.

Depois disso, milhares de reclamações surgiram nas redes sociais e em grupos criados no Brasil e no exterior de pessoas buscando recuperar o dinheiro investido, sem sucesso. Conforme a PF, o objetivo da operação de hoje é desmobilizar completamente a organização, impedindo de continuar a efetivar os golpes.

Os investigados vão responder por organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro por operar sem autorização, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, usurpação de bem mineral da União Federal, execução de pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, falsidade ideológica e estelionato por meio de fraude eletrônica.

As penas máximas somadas podem chegar a 41 anos de prisão. A operação recebeu o nome de La Casa de Papel porque alguns dos investigados possuírem também nacionalidade espanhola e por terem montado a bilionária pirâmide financeira com seu próprio banco e a sua própria “casa da moeda”, fabricando dinheiro através de criptoativos próprios.

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