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O futuro do profissional do Direito

Ádria Saviano | 08/01/2019 09:00
O futuro do profissional do Direito

Erra profundamente quem afirma que o profissional do direito é um repetidor, um imitador, que em breve será facilmente substituído por computadores, enquanto a sua profissão como paixão e essência desaparecerá.

Erra mais ainda o próprio advogado, defensor público, membro do Ministério Público, magistrado, ou funcionário da justiça que compreende ser a repetição de peças processuais a verdadeira essência do intérprete do Direito, sem ter a simples percepção de que os famosos “modelos”, presentes em todas as profissões jurídicas, apenas foram disseminados buscando-se enfrentar a morosidade da Justiça e a quantidade interminável e crescente de processos judiciais.

Não podemos negar a realidade brasileira da extrema judicialização das demandas por parte da população e da dificuldade de lidar com a quantidade de processos por parte do Judiciário, de modo que a utilização de modelos de peças processuais torna a administração de todo esse sistema possível e viável, em um país como o nosso, que apesar de se esforçar para buscar alternativas que contribuam para a celeridade, como os sistemas informatizados, não consegue diminuir a demora para a tão esperada Sentença.

Entretanto, esta não é a sua essência. O profissional do direito não é um simples aplicador; é um artista, um idealista. Utilizando-se da bela e rica ferramenta que é a língua portuguesa, ele deve se expressar, pôr no papel a sua visão e a sua verdade para demonstrar as razões de seu parecer e interpretação serem como são. Em apenas uma peça, o profissional do direito percorre um caminho científico, com direito a método e a horas de trabalho, como se pintasse em um quadro as suas razões, escolhendo cor por cor, palavra por palavra.

Compreendo atualmente a imensa relevância dessa arte que transforma o conhecimento técnico que aprendemos nas faculdades de Direito em lindas construções poéticas, mas com linguagem jurídica. Verdadeiras obras de arte podem ser criadas nesse processo, como por exemplo as sentenças dos magistrados, os pareceres do Ministério Público ou as iniciais redigidas pelos advogados e defensores públicos. “Uma palavra escrita é a mais fina das relíquias”, é, inclusive, “semelhante a uma pérola”, de tão preciosa e essencial, afirmam os intelectuais Thoreau e Goethe.

A própria escrita é por si só uma arte, dominada por jornalistas, professores, escritores e por todos os demais profissionais que em busca do aprimoramento do seu conhecimento adentram o universo da pesquisa científica ao realizarem pós-graduações, mestrados e doutorados. Para os profissionais do direito, essa valiosa ferramenta que é a escrita traz um encanto maior, proveniente do desejo de justiça, de garantir um direito legítimo ao cliente, de lutar para proteger a lei e a sociedade, de realizar aquilo que é justo e correto.

Certa vez, uma brilhante juíza me explicou que as peças judiciais deveriam ter sonoridade, como uma música e que esta era a beleza do trabalho dela. Não no sentido de se utilizar uma linguagem rebuscada – como a de Rui Barbosa –, linda, mas inacessível às partes do processo, nem no sentido de se utilizar uma linguagem técnica – o famoso juridiquês – que afaste o leitor de obter aquele conhecimento e compreender o que está sendo dito.

Sêneca, brilhante advogado e escritor do Império Romano, afirmou que “a lei deve ser breve para que os indoutos possam compreendê-la facilmente” e assim se percebe uma das funções do intérprete do Direito, que se apropriando do conhecimento, o transmite de forma clara e objetiva, para que as partes possam compreender com clareza, já que o linguajar excessivamente técnico ou rebuscado gera exclusão e ignorância.

A criação de teses jurídicas e a renovação dos entendimentos jurisprudenciais, por vezes movidos pelas próprias demandas sociais, constituem um universo de possibilidades para as mentes dos advogados, dos defensores públicos, dos membros do Ministério Público e dos magistrados, que se apressam em desenvolver interpretações que validem os seus posicionamentos em defesa dos tesouros os quais eles foram destinados constitucionalmente a resguardar.

Nesse sentido, a fim de potencializar a escrita como ferramenta de trabalho, o profissional do direito nunca deve parar de estudar, de ler e de renovar o seu vocabulário. Para o escritor Franz Kafka “um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós”, é, portanto, tudo aquilo que dá sentido para a vida, demonstrando que a busca incessante pelo conhecimento deve ser eterna e o apreço pela qualidade do que se está realizando deve ser a premissa do seu trabalho.

Em que pese ser necessário compreender a realidade da alta demanda de processos judiciais para as profissões jurídicas, não se pode perder a oportunidade de criar. Àqueles imersos na rotina acelerada e na zona de conforto proporcionada pelos “modelos”, relembro a importância de não deixarem adormecer em si o entusiasmo pela escrita e o fascínio pela leitura. Para caminhar em direção a esse propósito é fundamental valorizar os momentos de criação de novas teses como ocasiões únicas e preciosas, em meio ao mar gelado da rotina, do conformismo que habita em nós e nos paralisa.

De resto, para os profissionais que apostarem na repetição dos modelos de peças processuais para garantir a estabilidade de sua profissão, abandonando a criatividade e a paixão que definem a essência do profissional do Direito, infelizmente, o futuro é incerto e de fato, para estes, os computadores podem gerar grande competição. A tecnologia é capaz de substituir tudo o que é repetitivo, previsível e estático.

O futuro do profissional do Direito

Ádria Saviano Fabricio da Silva.

Acadêmica do 9º semestre do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Ocupa a função de Assistente Jurídico na Lima, Pegolo e Brito Advocacia (www.lpbadvocacia.com.br). Realiza pesquisa científica nas áreas de Direito Internacional Humanitário e de Direito Internacional dos Refugiados.

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