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Compartilhando Justiça

Os alunos, as universidades e o Código do Consumidor

Dr Henrique Lima | 03/04/2019 09:00
Os alunos, as universidades e o Código do Consumidor

Na medida em que o ensino deixa de ser uma atividade vocacionada para se tornar apenas mais um negócio que visa o lucro, ocorre o proporcional aumento das reclamações e dos atritos entre o estabelecimento de ensino e os alunos (que se tornam meros “números”: RA; RGM etc.).

Para o Poder Judiciário não há dúvidas de que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é aplicável às relações entre alunos e instituições de ensino, desde as escolas de ensino fundamental, médio e superior, até os cursos profissionalizantes, preparatórios, presenciais, à distância, de extensão, pós-graduações etc.

Por conta dessa sujeição ao Código Consumerista, tudo o que é “prometido” em propagandas, publicidades, merchandising, e também pelos atendentes da secretaria, da tesouraria ou de qualquer outro departamento, vincula a instituição de ensino e faz parte de suas obrigações. Já com relação a folders, explicativos, contratos e propagandas que porventura apresentarem informações dúbias, ambíguas ou incompletas, a interpretação será sempre a mais favorável ao consumidor.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o caso de uma aluna que cursou mestrado em determinada instituição de ensino por três anos, onde a divulgação do curso dizia que ele estava em conformidade com as diretrizes do CAPES (que é o órgão responsável por reconhecer e recomendar os cursos de pós-graduação).

No entanto, depois de concluído o curso, com inúmeros gastos com viagens, hospedagens, alimentação, mensalidades, livros e tempo, a aluna foi surpreendida com a notícia de que o curso não era “recomendado” pelo CAPES, tendo apenas “validade interna”, isto é, dentro da própria instituição. O STJ entendeu que houve propaganda enganosa, pois, a divulgação de que o curso estava de acordo com as diretrizes do CAPES induziu em erro a aluna, uma vez que não deixou clara a ausência de recomendação do órgão (muitas vezes necessária para concursos, promoção, aproveitamento em outros cursos, etc), mas tão somente a conformidade com suas diretrizes.

No que diz respeito à qualidade do ensino, a instituição deve cumprir todas as diretrizes legislativas e tudo aquilo que foi apresentado no projeto aprovado pelos órgãos fiscalizadores, que geralmente são os Conselhos Estaduais de Educação. Aliás, cumprir seu próprio projeto é o mínimo que se espera de uma instituição que deveria ter como razão de sua existência ajudar na formação dos alunos.

Outras situações que podem gerar direito à indenização decorrem de problemas que acontecem entre alunos e professores. São comuns as discriminações por questões raciais, sexuais, religiosas ou sociais, bem como os atritos por falta de urbanidade ou simplesmente por abuso de autoridade. Em todas essas hipóteses, é possível configurar a responsabilidade civil da instituição.

São frequentes os casos de estabelecimentos de ensino que não possuem adequada organização administrativa-financeira e, por conta disso, acabam cobrando seus alunos por mensalidades já pagas, chegando a incluí-los algumas vezes nos cadastros de restrição ao crédito (SPC, Serasa, Protesto etc.). Nessas hipóteses, o direito à justa reparação pelo constrangimento moral é inquestionável.

Outra fonte de muitas discórdias também decorrentes da desorganização de alguns estabelecimentos de ensino são os requerimentos administrativos feitos junto à secretaria e/ou tesouraria da escola, tais como pedidos de cancelamento de matrícula, trancamento de curso, abono de falta, entre outros. Nesses casos, o mais adequado é formalizar o requerimento, isto é, fazer por escrito, pois futuramente pode ser necessário provar que o fez e a documentação escrita, devidamente protocolizada (com “carimbo e assinatura”), é sempre a mais segura.

No caso do ensino fundamental, a maioria dos problemas são relacionados a acidentes ocorridos com alunos, o que também gera a responsabilidade do estabelecimento de ensino, pois existe o “dever de guarda” da escola, ou seja, ela se torna responsável pelo aluno a partir do momento em que ele lhe é “entregue”. Isso vale tanto para acidente exclusivamente com o aluno (brincando no parquinho, por exemplo), como também nos casos de brigas ou de brincadeiras perigosas entre dois ou mais alunos, que deveriam ter sido impedidas pela fiscalização.

Como visto, infelizmente são muitas as hipóteses de problemas e de acidentes relacionados às instituições de ensino que podem gerar, em favor do aluno, direito à indenização por danos morais e até materiais. Como é uma relação regida pelo Código de Defesa do Consumidor, o aluno e/ou seu representante legal deverá ter consciência de que terá a seu favor várias facilidades para reivindicar seus direitos.

Os alunos, as universidades e o Código do Consumidor

Henrique Lima.

Advogado (www.henriquelima.com.br). Mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado em Direito Constitucional, Civil, do Consumidor, do Trabalho e de Família. Autor de livros e artigos, jurídicos e sobre temas diversos. Membro da Comissão Nacional de Direito do Consumidor do Conselho Federal da OAB (2019/2021). Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5217644664058408

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