Ideia de fim de parcelamentos longos e sem juros no cartão assusta consumidores
Medida é vista pelo Banco Central como alternativa para extinguir o rotativo, que tem juros de até 437,3%
Na última semana, o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, afirmou que a autarquia estuda medidas para extinguir o crédito rotativo de cartão de crédito. Essa é uma das modalidades de crédito mais caras do mercado, que no último mês teve juros de 437,3%. No entanto, o debate proposto pode acarretar em amargas medidas aos consumidores, principalmente das classes médias e baixas, que é o fim do parcelamento longo e sem juros no cartão.
O crédito rotativo é acionado quando os clientes não pagam o valor total da fatura do cartão, e a dívida é transferida para o mês seguinte, com taxas de juros extremamente elevadas, transformando-a em uma verdadeira bola de neve de dívidas com juros sobre juros.
Para acabar ou no mínimo baixar esse juro do rotativo que é praticado em patamares elevados atualmente, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou durante audiência no Senado que, em até 90 dias, a entidade deve apresentar uma solução para o “grande problema” que é o cartão de crédito.
A ideia que mais agrada técnicos do Banco Central é encaminhar os devedores de fatura do cartão de crédito para o parcelamento da dívida, que teria taxas de juros em torno de 9% ao mês.
“Extingue-se o rotativo, quem não paga o cartão vai direto para o parcelamento ao redor de 9%. E que a gente crie algum tipo de tarifa para desincentivar esse parcelamento sem juros tão longos. Não é proibir o parcelamento sem juros, é simplesmente tentar fazer com que eles fiquem um pouco mais disciplinados, numa forma bem faseada, para não afetar o consumo”, sugeriu Campos Neto.
Uma das situações que faz os juros do cartão serem tão altos e aumentar o endividamento dos brasileiros, segundo o presidente do Banco Central, é a grande utilização do parcelamento de compras por prazos mais longos como 12, 24 e 36x. De acordo com ele, esse cenário ajuda apenas o comércio, criando superendividamentos.
“A gente tem um parcelado sem juros, que ajuda muito o comércio, que ajuda muito a atividade, mas que tem aumentado muito o número de parcelas, de três para cinco, para sete, para nove, para onze. Hoje, o prazo médio são 13 parcelas. Então, é como se fizessem um financiamento de longo prazo sem juros. A pessoa que toma a decisão de dar os juros não é a mesma que paga pelo risco, isso gera uma assimetria”, explicou Campos Neto.
A ideia inicial para acabar com os abusos dos juros do rotativo é louvável, no entanto as consequências não foram bem aceitas pelo consumidor final, que avalia que a possível extinção do parcelamento sem juros pioraria significativamente ainda mais o poder de compra, desestimulando o consumo.
"Essa proposta vai ser muito ruim, até porque pobre mesmo não consegue comprar se não for em bastante parcelas. Como vai comprar carro, moto. Aí teria que fazer financiamento e continuar com juros altíssimos dos bancos”, disse o comerciante Róscio Ophir dos Santos.
Pega de surpresa com a proposta que está sendo ventilada pelo Banco Central, Luiza Mello, 51 anos, considera que o modelo de parcelamento atual deveria ser mantido ou até mesmo aumentado. “Tem pessoas que não conseguem pagar nem em dez parcelas. Inclusive acho que tinha que aumentar o numero de parcelas, ou manter como está", opinou.
Apontando os superávits que as instituições financeiras acumulam anualmente, Rafael Sandoval, 36 anos, comenta que “não faz sentido” beneficiar bancos que lucram embutindo juros em diversas outras operações em cima dos correntistas.
“Quanto os bancos estão lucrando em cima da população brasileira? Se mantiver os juros cobrados e ainda diminuir o número de parcela é ruim. Isso não é a solução. Se a taxa de juros dos cartões continuarem elevadas e ainda diminuir o parcelamento, qual benefício? Nenhum. Agora se baixar o juros para a população poder pagar e continuar o parcelamento em dez vezes, aí sim. Senão não faz sentido beneficiar apenas os bancos", questionou o consumidor.
A pensionista Janaína Rodrigues Guimarães, 49 anos, faz um contraponto em relação à proposta. Citando sua própria experiência com o uso de cartão de crédito, ela acredita que o alto número de parcelas acaba atrapalhando o controle financeiro. “Eu mesmo faço compra no cartão e não parcelo, porque se parcelar a gente começa a embaralhar e vai fazendo uma compra em cima da outra, então pra mim seria bom diminuir", justificou.
Com as discussões em estágio inicial, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) corrobora com as propostas de um redesenho do rotativo e também de aprimoramento do mecanismo de parcelamento de compras. No entanto, a entidade afirma que “não há qualquer pretensão de se acabar com as compras parceladas no cartão de crédito”.
“Defendemos que o cartão de crédito deve ser mantido como relevante instrumento para o consumo, preservando a saúde financeira das famílias. Isso porque estudos indicam a necessidade de medidas de reequilíbrio do custo e do risco de crédito. Para tanto, é necessário debater a grande distorção que só no Brasil existe, em que 75% das carteiras dos emissores e 50% das compras são feitas com parcelado sem juros”, informou a federação em nota assinada pelo presidente Isaac Sidney.
Nesta segunda-feira (14), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as mudanças que estão sendo estudadas no cartão de crédito rotativo não podem comprometer as vendas do varejo, uma vez que as vendas por meio do cartão de crédito respondem por 40% do consumo no Brasil.
"Estamos há uns meses discutindo com os bancos, mas não podemos perder o varejo. Não pode mexer nisso aí, tem que proteger quem está no rotativo. Mas sem comprometer o sistema de vendas que é o padrão hoje”, afirmou o ministro em entrevista ao podcast do jornalista Reinaldo Azevedo.
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