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Economia

Projeto cria mangueiro inspirado em manejo criado por autista nos EUA

Caroline Maldonado | 22/03/2015 09:44
A norte-americana Mary Temple Grandin encontrou no campo a força para conviver com o autismo e hoje é referência no mundo todo em manejo antiestresse (Foto: Rosalie Winward/Colorado State University)
A norte-americana Mary Temple Grandin encontrou no campo a força para conviver com o autismo e hoje é referência no mundo todo em manejo antiestresse (Foto: Rosalie Winward/Colorado State University)

O desconforto do gado ao longo da vida e o sofrimento no abate não importava aos pecuaristas, tampouco a indústria, até que uma autista norte-americana chamou a atenção do mundo para o assunto, a partir dos anos 70. Ela percebeu que um compartimento, usado para prender os animais na hora da vacinação, os deixava calmos. Então, fez um semelhante para si, afim de superar a hiper-sensibilidade. Com a “máquina do abraço”, Mary Temple Grandin, perdeu o medo que tinha de ser abraçada por pessoas.

É por conta dessa experiência incrível que foi retratada até em filme, da menina que só começou a falar com cinco anos de idade e quase foi internada em uma clínica para doentes mentais, que hoje se sabe que o mangueiro, onde o gado é manejado, deve ter curvas para prevenir os animais do estresse causado pelo medo do que pode acontecer mais a frente.

Grandin descobriu que as curvas diminuem o medo, porque sem ver o que tem pela frente, os animais não se assustam e chegam até a imaginar que estão retornando no caminho. Hoje, com 67 anos, Temple Grandin é doutora em Ciência Animal, professora na CSU (Universidade do Estado do Colorado), nos Estados Unidos, e referência para pesquisadores e pecuaristas no mundo todo.

É dela que vem a inspiração para um projeto da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em parceria com a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) e a Tramasul, uma empresa de engenharia de instalações rurais.

Mangueiro digital - Os pesquisadores reuniram em um mangueiro, também conhecido como curral, as técnicas de manejo humanitário da norte-americana e as tecnologias mais recentes, como aplicativos e equipamentos de precisão. A ideia do grupo de pesquisa que criou o mangueiro digital é manter o gado nesse espaço o tempo todo e não levá-lo até o local somente para o manejo, ou seja, para identificar, vacinar, fazer tratamento e pesar, segundo o mestre em Ciência da Computação e analista de Tecnologia da Informação da Embrapa Gado de Corte, Quintino Izídio dos Santos Neto.

Mangueiro desenhado em curvas evita trauma do animal, garante segurança do manejador e bem-estar do gado, segundo Quintino (Foto: Marcelo Calazans)
Mangueiro desenhado em curvas evita trauma do animal, garante segurança do manejador e bem-estar do gado, segundo Quintino (Foto: Marcelo Calazans)
Pesquisadores aliam as técnicas de manejo antiestresse a softwares e hadwares desenvolvidos por universitários (Foto: Marcelo Calazans)
Pesquisadores aliam as técnicas de manejo antiestresse a softwares e hadwares desenvolvidos por universitários (Foto: Marcelo Calazans)

“Os animais vão conviver ali o tempo todo. Eles vão permanecer ali dentro, como uma área boa para eles, não estranha. Se eu pego um boi no meio do campo e trago ele uma vez só para colocar um colar, ele é bravo, vai dar cabeçada e convivendo ali no mangueiro, ele entra na baia, bebe água, anda pelo mangueiro. Quando a gente precisar colocar um sensor nele, ele já vem calmamente”, explica Quintino, ao destacar que não se trata de confinamento.

Além de ser todo desenhado em curvas para evitar o trauma do animal, o mangueiro, que tem capacidade para 100 cabeças, visa a segurança do manejador e o bem-estar do gado. “Quando o gado vem para o mangueiro ele já sabe que vai acontecer algo de ruim, já 'está no DNA dele'. Ele convivendo ali, tira esse estresse. A gente põe o sensor e ele sai tranquilo”, detalha Quintino.

O mangueiro tem sensor de GPS (Sistema de Posicionamento Global), balanças eletrônicas, sensores, dispositivos de identificação por radiofrequência, colar de frequência; além de pedômetro, um aparelho que conta os passos da vaca e pode auxiliar na detecção do cio, o estado de receptividade sexual; entre outros. “O boi se mexe a gente sabe, onde o boi está, a gente sabe. Foi feito para isso”, comenta o pesquisador sobre o mangueiro, que segue todas as normas do BPA (Manual de Boas Práticas Agropecuárias) da Embrapa.

Mangueiro digital é um experimento e não tem custo definido, mas pode ganhar corpo suficiente para ir ao mercado em cerca de três anos, segundo professor João Costa (Foto: Marcelo Calazans)
Mangueiro digital é um experimento e não tem custo definido, mas pode ganhar corpo suficiente para ir ao mercado em cerca de três anos, segundo professor João Costa (Foto: Marcelo Calazans)
Mangueiro tem sensor de GPS, balanças eletrônicas, sensores, dispositivos de identificação por radiofrequência, colar de frequência e pedômetro, entre outros (Foto: Marcelo Calazans)
Mangueiro tem sensor de GPS, balanças eletrônicas, sensores, dispositivos de identificação por radiofrequência, colar de frequência e pedômetro, entre outros (Foto: Marcelo Calazans)

Parceria - O projeto tem um ano, porém surgiu de mais de uma década de pesquisas acerca da pecuária de precisão. O mangueiro já pode ser utilizado, mas é só o começo. Agora os pesquisadores têm um novo desafio. “Você já viu alguém de Ciência da Computação mexer com gado? Eles não sabem nem onde fica o rabo do boi”. A partir da brincadeira, Quintino conta os planos para a continuação das pesquisas, que envolvem alunos da Facom (Faculdade de Computação) da UFMS e dos cursos de Mecatrônica e de Engenharia da Computação da UCDB.

Antes de trazer para o meio do gado as tecnologias que podem potencializar a produtividade, os universitários precisam se familiarizar com os animais. Por isso, foi criada no mestrado profissional em Ciências Aplicadas da Computação (Pecuária de Precisão) da UFMS, a disciplina optativa Tecnologia no Manejo de Gado de Corte.

Quem tem a tarefa de ensinar aos “nerds” onde fica o rabo do boi e algo mais é o professor doutor em Zootecnia, João Batista Gonçalves Costa Júnior, que estudou, durante um ano, na Universidade do Estado do Colorado, a mesma onde a Temple Gradin desenvolve suas pesquisas. É a partir dos hardwares e softwares, pensados e criados pelos alunos e professores, que o manejo dos bovinos passa a ser cada vez mais automático, dispensando horas de trabalho manual, o que, consequentemente, aumenta a rentabilidade do negócio.

“O foco é fazer com que os alunos conheçam como é feito o manejo reprodutivo, nutricional, sanitário e pensar em que eles podem ajudar, onde podem inserir uma inovação tecnológica ali”, resume o professor, que atua com apoio de bolsa da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimentos Científico e Tecnológico), que visa o desenvolvimento científico regional, trazendo para Mato Grosso do Sul pesquisadores de regiões que usam tecnologias mais avançadas.

Curral sem curvas é considerado ultrapassado na perspectiva do manejo humanitário (Foto: Divulgação/Tramasul)
Curral sem curvas é considerado ultrapassado na perspectiva do manejo humanitário (Foto: Divulgação/Tramasul)
Mangueiro projetado, nos EUA, sob perspectiva da professora Temple Grandin (Foto: Reprodução/YouTube)
Mangueiro projetado, nos EUA, sob perspectiva da professora Temple Grandin (Foto: Reprodução/YouTube)

Pecuária de precisão – O mangueiro digital é um experimento e não tem custo definido, mas pode ganhar corpo suficiente para ir ao mercado em cerca de três anos, segundo professor João. O que vai demorar muito ainda é o trabalho de fazer com que os produtores se voltem para a pecuária de precisão, que pode reduzir o tempo médio de abate de 24 para 18 meses, conforme o pesquisador.

“Nós estamos engatinhando em relação ao desenvolvimento de inovações tecnológicas voltadas para pecuária. Não adianta o produtor adotar uma tecnologia, por exemplo, se ele não faz nem uma adubação de pastagem. Existem etapas que têm que ser feitas antes para que se possa chegar a isso, que a gente chama de upgrade”, comenta João.

Para o pesquisador, o problema não é falta de pesquisa, mas o receio do produtor sul-mato-grossense com relação a tudo que é novo. “Ele fica preocupado: ‘será que isso vai me trazer rentabilidade?’”. Resta à comunidade científica investir nos jovens da geração Y, já familiarizados com a tecnologia, assevera o professor. Ele acredita que tanto MS, quanto o Brasil vão levar ainda entre cinco e dez anos para avançar em tecnologia de manejo.

É uma meta alta, mas o desejo é diminuir o tempo entre o nascimento e o abate do animal, que nos EUA não passa de 16 meses. Por lá, os criadores sabem se os animais estão se alimentando corretamente em uma granja, por meio dos sons que os bichos emitem e a movimentação, como exemplifica o professor. “Eles usam câmeras e avaliam a partir de padrões de comportamento e intensidade do som. Então a agropecuária de precisão trabalha com sinais, que vão dar suporte para fazer esse ajuste fino”, detalha.

Nas fazendas de Mato Grosso do Sul, destaca o professor, o tempo para o abate chega a demorar dois anos e meio, porque os produtores não monitoram o animal para saber, ao menos, quando ele está perdendo peso e precisa de suplemento.

A falta de inovação, que atrasa os ciclos de produção, destoa das previsões para o mercado da carne sul-mato-grossense, que tem como maior importador o continente asiático, segundo a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul). Em função do aumento de 11% na população da Ásia, que deve ocorrer até 2022, o continente pode aumentar em 58% o consumo de carne, nos próximos oito anos, na previsão do WAF (Fórum Mundial de Agricultura), que reúne representantes do setor privado e do poder público, na discussão do fornecimento de alimentos, combustíveis, fibras e água, frente ao crescimento da população mundial.

Apoio no campo – Para quem não quer parar no tempo, os pesquisadores recomendam o uso de aplicativos gratuitos desenvolvidos no PLEASE Lab (Laboratório de Precisão Pecuária, Meio Ambiente e Engenharia de Software), onde são criados os softwares e hardwares usados no mangueiro digital. Os sistemas estão disponíveis na Google Play, a loja de Apps do Android.

O primeiro aplicativo do laboratório foi desenvolvido para ajudar o pecuarista a escolher produtos de nutrição de bovinos de corte. Com o “$uplementa Certo” dá para comparar os rendimentos do mesmo tipo de suplemento, de diferentes marcas e ver a diferença entre a suplementação com sal proteinado e semi-confinamento.

O “SAC Gado de Corte” tem informações para produtores e técnicos rurais sobre sanidade animal, pastagens, sistemas integrados, extensão rural, sistemas de produção, meio ambiente, nutrição animal e pecuária de precisão. O grupo criou ainda o App “Embaixadas Brasileiras” com endereços de consulados do Brasil no exterior para quem tem negócios fora do país. Após a instalação, ambos os aplicativos não precisam de conexão com a internet para funcionar. Clique aqui para conferir os Apps da Embrapa Gado de Corte.

Pesquisas envolvem alunos da Facom (Faculdade de Computação) da UFMS e dos cursos de Mecatrônica e de Engenharia da Computação da UCDB (Foto: Marcelo Calazans)
Pesquisas envolvem alunos da Facom (Faculdade de Computação) da UFMS e dos cursos de Mecatrônica e de Engenharia da Computação da UCDB (Foto: Marcelo Calazans)
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