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Educação e Tecnologia

Madrugue, encare 110 km de estrada de terra e conheça a melhor escola de MS

Colégio vencedor do “MS Alfabetiza” fica localizado na zona rural de Água Clara

Por Aline dos Santos | 05/08/2024 13:55
Escola Municipal Isolino Cândido Dias, unidade Ipanema, na zona rural de Água Clara. (Foto: Paulo Francis)
Escola Municipal Isolino Cândido Dias, unidade Ipanema, na zona rural de Água Clara. (Foto: Paulo Francis)

Grande campeã do prêmio “MS Alfabetiza”, que selecionou as 30 unidades de ensino da rede pública de Mato Grosso do Sul com as melhores práticas de aprendizagem e alfabetização, a Escola Municipal Isolino Cândido Dias, na zona rural de Água Clara, tem alunos acostumada a desafios.  O primeiro é pular da cama antes do sol nascer para percorrer longa jornada pelas estradas de terra.

A partir do perímetro urbano de Água Clara, a 193 quilômetros de Campo Grande, a reportagem percorreu 110 km por vias sem pavimentação para chegar ao colégio, que na verdade se divide em duas extensões: Ipanema e a Francisco Vilela, mais conhecida como Pontal, por ser o nome da fazenda onde fica localizada. Para muitos alunos, a quinta-feira (dia 1º de agosto) começou bem cedo, numa rotina diária de despertar de madrugada.

Na MS-324, o asfalto é curto, são apenas 10 minutos de via com pavimentação. Depois, o vento forte de agosto levanta o poeirão até à Fazenda Ipanema. A primeira etapa da viagem dura exatos 1 hora e 20 minutos.

Iury, de 7 anos, chegou à escola com uma preocupação: queria aprender a ler. (Foto: Paulo Francis)
Iury, de 7 anos, chegou à escola com uma preocupação: queria aprender a ler. (Foto: Paulo Francis)

Espremida entre os eucaliptos, a nova força da monocultura na região Leste de MS, surge a primeira extensão da Isolino Cândido Dias. A escola funciona num imóvel antigo, um casarão com arquitetura típica de sede de fazenda. Em frente à construção que se espalha pelo entorno de um pátio com horta, balanços e escorregadores estão à disposição da meninada.

Na entrada, cartazes coloridos são estímulos para a persistência e qualidade. Do lado direito, ao lado do cartaz com o nome da escola, a mensagem é “Faça Bonito”. Do lado esquerdo, o texto inspira motivação: “A escola pode não formar grandes homens, mas pode formar os melhores”.

Outro cartaz colorido indica onde estudam o 2º e 3º ano. Na zona rural, os alunos de séries diferentes compartilham o espaço físico e a professora. Na sala pequena, com três ventiladores, cercada por livros e materiais lúdicos para a aprendizagem, os estudantes fizeram a prova do programa “MS Alfabetiza”.

 “Eu sei ler, fazer as continhas. E vou querer fazer faculdade", diz Yasmin. (Foto: Paulo Francis)
 “Eu sei ler, fazer as continhas. E vou querer fazer faculdade", diz Yasmin. (Foto: Paulo Francis)

Dos alunos que participaram do exame, no ano passado, restaram poucos. A zona rural vivencia alta rotatividade, em parte pela expansão da silvicultura: onde o eucalipto chega, os moradores saem. A conversão do solo faz com que os funcionários das fazendas de gado sejam demitidos e precisem procurar novo local para morar e trabalhar. Tão presente na paisagem, o eucalipto já está no imaginário das crianças, como mostra o cartaz em que aluno faz o personagem Chico Bento ter uma plantação da árvore.

José Guilherme, de 7 anos, que participou da avaliação, estuda na Isolino Cândido Dias desde a pré-escola, mora numa fazenda e vai para o colégio de van. Ele conta que a matéria favorita é Português e que está começando a aprender a ler. Na manhã de quinta-feira, já tinha anotado no caderno o cabeçalho o nome da escola, com dia e data.

 Marieta é professora há oito anos na unidade da escola na Fazenda Ipanema. (Foto: Paulo Francis)
 Marieta é professora há oito anos na unidade da escola na Fazenda Ipanema. (Foto: Paulo Francis)

Perto de José, estão os amigos Iury e Renan, que percorrem 88 km só para chegar à escola. Logo que entrou na turma da professora Marieta Pereira de Melo, Iury Gonçalves Eubank, 7 anos, já expressou uma preocupação, ele não sabia ler. Agora, avança na alfabetização, gosta de fazer continhas e sonha em ser do Exército. “Eu acordo bem cedo, tá escuro ainda e bem frio. Mas quando fica de dia, vem o calor”.

Em casa, onde chega às 16h, a atividade preferida é brincar de caminhão, depois vem o joguinho no celular. “Eu quero estudar, muito. Já faço as continhas, já sei fazer a letra cursiva e a de forma”. Quando agradeço pela entrevista, Iury retribuiu a gentileza. “Que Deus te abençoe”, diz o menino.

Cabeçalho escrito na lousa da sala de aula. (Foto: Paulo Francis)
Cabeçalho escrito na lousa da sala de aula. (Foto: Paulo Francis)

Dividido entre ser peão ou bombeiro no futuro, Renan Claudemiro Ferreira de Lima, 8 anos, conta que gosta de Matemática e Inglês. A aluna Yasmin Aparecida da Silva Cordeiro, 8 anos, prefere Ciência e Raciocínio Lógico, onde atividades de Matemática são tratadas de forma mais próxima do cotidiano dos alunos. “Eu sei ler, fazer as continhas. E vou querer fazer faculdade”.

Em Raciocínio Lógico, por exemplo, tem o dia do mercadinho. A professora Marieta reúne embalagens de produtos e monta o local de compras. Ali, os alunos aprendem sobre peso, quantidade, preço dos produtos, datas de validade e treinam a leitura vendo as embalagens. Marieta leciona Português, Arte, Produção Interativa (enfoque na produção de texto), Raciocínio Lógico, Matemática, Educação Física, Inglês, Ciência, História e Geografia.

“Comecei a dar aulas em Três Lagoas, já na zona rural. Eu caí em uma fazenda que não tinha água, luz, com privadinha de buraco. Fiquei um ano. Depois, vim para Água Clara. Com dois anos que estava aqui, passei no concurso e fiquei”, diz Marieta, que há oito anos é professora na unidade da Fazenda Ipanema. Natural de Castilho (interior de São Paulo), ela relata que se acostumou ter multifunções, uma exigência para quem leciona no campo.

Para Marieta, alunos de cidade e fazenda andam parecidos. O motivo é o celular com internet. Sobre a premiação, a professora conta que foi uma surpresa. “Tem os percalços, coisas que nos deixam triste. Mas aí acontece uma coisa assim e dá um up”.

Na sala, Aparecida Alves Machado é professora de apoio e mãe de três crianças com autismo. Ela conta que a fazenda onde mora foi vendida para cultivo do eucalipto, mas a família vai tentar ficar por perto da escola. “Eu estudei dois anos de Matemática na universidade federal e veio essa oportunidade de estar com ele, fiz o processo seletivo para professor de apoio”.

Os 45 alunos recebem café da manhã na chegada e almoçam antes da jornada de volta para a casa nas vans escolares. A merendeira Fátima de Souza Freitas Oliveira conta que o prato preferido é a galinhada.

Fátima prepara café da manhã e almoço para os estudantes. (Foto: Paulo Francis)
Fátima prepara café da manhã e almoço para os estudantes. (Foto: Paulo Francis)

“Dez para sete da manhã tem que servir o café deles. Faço pão, bolo. E depois tem o almoço. Hoje vou fazer carne com legumes, arroz, feijão e salada”. A refeição também é para os professores e motoristas das vans. Ao lado da cozinha, câmaras frias conservam os alimentos.

Uma nova escola, que vai reunir as duas extensões, será construída em breve. Quando isso acontecer, o prédio será demolido para o plantio de eucalipto. O colégio funciona em área particular, primeiro cedida pelo dono da fazenda de gado e depois por empresa de celulose.

Enquanto as crianças brincam nos balanços, a reportagem sai em direção à segunda unidade da Isolino Cândido Dias.

Nova escola será construída e imóvel vai ser derrubado para planto de eucalipto. (Foto: Paulo Francis)
Nova escola será construída e imóvel vai ser derrubado para planto de eucalipto. (Foto: Paulo Francis)

Duas horas e cinco porteiras – Após quase duas horas circulando por estrada de terra, com cinco paradas para abrir porteira, se chega à extensão da escola na Fazenda Pontal. O caminho feito pela reportagem não é o mesmo da linha das vans escolares, que se deslocam por outras rotas até aos colégios.

Noutra pequena sala de aula, mas com ar-condicionado, Izabela da Silva Lima, 8 anos, conta que se lembra da prova que resultou na avaliação. “Estava fácil, só que tinha que escrever”.

A aluna diz que a preferência é pela Matemática, mas que quando chega a algum lugar, logo se dedica a ler tudo que está no ambiente. Vitória Helena Marconato dos Santos Rodrigues, 8 anos, também avaliou a prova como fácil. A menina quer ser médica.

Jorge abre porteira no caminho para unidade da escola na Fazenda Pontal. (Foto: Paulo Francis)
Jorge abre porteira no caminho para unidade da escola na Fazenda Pontal. (Foto: Paulo Francis)

A premiação emocionou a professora Joseane dos Santos Souza. “Eu achei que tinha sido o resultado da avaliação da cidade”, diz. A rede municipal faz avaliações, com devolutiva para os professores.

Smyller Silva dos Anjos, coordenador da extensão Francisco Vilela, afirma que a fazenda mais distante da unidade fica a 50 km. “Normalmente, eles chegam em casa entre 15h e 15h30. Na vinda, trazem travesseiro, coberta e vêm dormindo. A gente torcia pela premiação, mas não esperava, porque são muitas escolas competindo no Estado. Não que a gente não confie no nosso serviço, mas tem escolas maiores. Graça a Deus conseguimos”.

Sala de aula na Escola Municipal Isolino Cândido Dias. (Foto: Paulo Francis)
Sala de aula na Escola Municipal Isolino Cândido Dias. (Foto: Paulo Francis)

Na unidade a avaliação foi de Língua Portuguesa. As crianças foram comunicadas que haveria uma atividade, mas não que seria uma prova de âmbito estadual. Uma medida para que não se sentissem pressionadas ou ansiosas.

Conforme Jorge Buissa Neto, o nome Isolino Cândido Dias é homenagem a um dos pioneiros na cidade. O colégio oferta da pré-escola ao nono ano.

“Estava fácil, só que tinha que escrever”, conta Izabela sobre avaliação. (Foto: Paulo Francis)
“Estava fácil, só que tinha que escrever”, conta Izabela sobre avaliação. (Foto: Paulo Francis)

Nova escola – No meio do caminho entre as unidades escolares, placa anuncia a construção da nova Escola Municipal Isolino Cândido Dias, que vai reunir os alunos e professores das duas extensões.  A obra é uma parceria da Prefeitura de Água Clara com a Greenplac, empresa do setor moveleiro.

De acordo com a secretária de Educação, Adriana Fini, a previsão é investir quase R$ 3 milhões. A nova estrutura deve atender 100 estudantes. “A premiação no ‘MS Alfabetiza’ é resultado da gestão da prefeita Gerolina da Silva Alves (PSDB), uma gestão que investiu na Educação. Tem o trabalho da secretaria, da coordenação e dos professores”.

Nova escola será construída para reunir os 100 alunos. (Foto: Paulo Francis)
Nova escola será construída para reunir os 100 alunos. (Foto: Paulo Francis)

O programa auxilia alunos a terem o domínio das competências de leitura e escrita adequados à idade e ao nível de escolarização.

O critério utilizado para aferir o desempenho das escolas foi o Idams (Índice de Desenvolvimento da Aprendizagem de Mato Grosso do Sul), que é resultado das avaliações previstas no Sistema de Avaliação da Educação Básica de MS. Os primeiros colocados foram contemplados com aporte adicional de R$ 80 mil.

A Escola Municipal Isolino Candido Dias recebeu a maior nota no Idams, sendo a única com pontuação acima de 15. A rede municipal de Água Clara tem 3.800 alunos e mais de 200 professores. Os alunos recebem kit escolar e uniforme.

Adriana Fini é secretária de Educação em Água Clara. (Foto: Paulo Francis)
Adriana Fini é secretária de Educação em Água Clara. (Foto: Paulo Francis)

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Confira a galeria de imagens:

  • Alunos em sala de aula. (Foto: Paulo Francis)
  • Professora Joseane dos Santos Souza. (Foto: Paulo Francis)
  • Coordenador Smyller Silva dos Anjos. (Foto: Paulo Francis)
  • Diretor Jorge Buissa Neto. (Foto: Paulo Francis)
  • Horta no pátio de escola na zona rural de Água Clara. (Foto: Paulo Francis)
  • Alunos na Escola Isolino Cândido Dias. (Foto: Paulo Francis)
  • Estrada na zona rural de Água Clara. (Foto: Paulo Francis)
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