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Arquitetura

Cheia de relíquias, casa de 87 anos tem histórias do Brasil Império

Escritora decorou casa com quadros, móveis da família e itens dados por amigos

Por Jéssica Fernandes | 30/07/2024 06:32
Cláudia Finotti na entrada da casa que foi herança e tem 84 anos de história. (Foto: Jéssica Fernandes)
Cláudia Finotti na entrada da casa que foi herança e tem 84 anos de história. (Foto: Jéssica Fernandes)

A casa de Cláudia Finotti, de 58 anos, carrega histórias que são contadas através de cada ambiente. De móveis herdados da família a presentes que vieram de amigos e até de funcionários, tudo tem um detalhe, curiosidade, algo que torna o lar especial. A escritora conseguiu imprimir os próprios gostos na residência, que foge da mesmice que caracteriza a maioria das novas construções.

Localizado no Bairro Amambai, o imóvel tem 84 anos e é herança da avó Clarice. Cláudia vive há três anos na residência, que tem a mesma fachada decorada com o azulejo hidráulico português da época da primeira moradora. A mudança em relação à época é que a moradora retirou o revestimento da parede de entrada para deixar os tijolinhos antigos à mostra.

É nesse primeiro ambiente que a escritora traz as primeiras impressões do lugar, começando pela cadeira que também é herança da avó. O móvel está posicionado no mesmo lugar que Clarice gostava de ocupar para ver o movimento da rua. “Ela gostava de ficar aqui e, diferente de mim, era bem urbana. Eu gosto de ficar no mato e minha avó gostava de ficar bem no centro”, diz.

Apesar de não se considerar uma pessoa urbana, ela fez a mudança porque achou o bairro charmoso e a casa era menor como desejava. Ainda na entrada, a moradora colocou um sino que veio de Minas Gerais e uma tina de água que tem 380 anos e estava na Bahia antes de chegar ao endereço.

A entrada fica completa com um azulejo pintado que traz o desenho de uma casa e a frase “Seja bem vindo, mas limpe os pés”. Para completar tem duas máscaras africanas talhadas em madeiras que foram presente do Chico Lacerda, criador do Grupo Acaba, que faleceu em 2022. Esses são somente dois dos vários presentes que Cláudia ganhou do músico e faz questão de guardar.

Ao atravessar a porta vem a surpresa de encontrar móveis de madeira e uma variedade de quadros e artesanatos que de forma harmoniosa estão ajeitados em cada canto. Mais de um quadro do Humberto Espíndola colorem as paredes que passaram por uma pequena mudança nos dois anos em que a escritora esteve reformando a casa.

Cadeira de balanço fica no lugar que a avó da escritora gostava de ficar. (Foto: Jéssica Fernandes)
Cadeira de balanço fica no lugar que a avó da escritora gostava de ficar. (Foto: Jéssica Fernandes)

A reforma colocou algumas paredes abaixo, transformou a dispensa da cozinha em lavabo, a garagem em jardim de inverno e um dos quartos no escritório. Foram alterações bem planejadas por Cláudia, que conseguiu deixar o lar mais espaçoso e bem dividido.

Voltando a falar sobre a decoração, a moradora relata que os instrumentos expostos também são fruto do Grupo Acaba, os crochês feitos pelas tias e irmãs. O lustre, que ganhou detalhes de crochê, foi produzido por uma amiga. “Eu quis preservar essas características e agora minha amiga está fazendo uma almofadinha para ficar bem com essa cara de vó”, diz.

Na sala também está a mesa redonda que era da avó, o sofá de madeira da mãe e uma vitrola onde estão os discos de música clássica que pertenciam ao pai. Outro item especial é o piano da Essenfelder que é um dos primeiros de semi cauda lançados quando a marca completou 100 anos no Brasil.

Visão da sala próximo a porta de entrada de madeira com ferro. (Foto: Jéssica Fernandes)
Visão da sala próximo a porta de entrada de madeira com ferro. (Foto: Jéssica Fernandes)
Parede ganhou quadros, sendo um deles com o retrato da autora. (Foto: Jéssica Fernandes)
Parede ganhou quadros, sendo um deles com o retrato da autora. (Foto: Jéssica Fernandes)

Próximo ao instrumento está uma pintura que retrata a Cláudia no auge dos seus 29 anos. Alguns dos quadros expostos não só na sala, mas também em outros ambientes são criações dela. O lado artístico da moradora compõe parte importante da decoração, sendo um dos exemplos mais bacanas de criatividade a mesa e a poltrona que estão no escritório.

Os dois móveis foram desenhados pela escritora que se inspirou no estilo da época do Luís XV. Em cima da mesa estão dois cachimbos, sendo um deles da avó Clarice e outro que o marceneiro que fez os móveis deu de presente.

“Quando ele entrou na minha casa ele viu que eu tinha muitas coisas antigas e daí ele fez esse de mogno. Ele viu que eu era psicóloga e fez o charuto do Freud e colocou a essa madeira de Marfim”, conta a escritora.

Escritório com o armário verde que guarda uma das vitrolas da moradora. (Foto: Jéssica Fernandes)
Escritório com o armário verde que guarda uma das vitrolas da moradora. (Foto: Jéssica Fernandes)
Canchimbos de madeira são detalhes decorativos em cima da mesa. (Foto: Jéssica Fernandes)
Canchimbos de madeira são detalhes decorativos em cima da mesa. (Foto: Jéssica Fernandes)

No escritório, a autora mostra alguns dos livros onde estão contos e poesias publicadas. Em cima da mesa está seu primeiro livro cuja capa é uma foto dela junto com um tear que agora vive nos fundos da residência com outras relíquias.

No mesmo ambiente estão outros objetos curiosos, como a máquina fotográfica que pertencia ao tio e foi uma das primeiras do Brasil no período imperial. “Isso aqui você subia, deixava da altura que você queria e ficava afastado aí tinha o botão que apertava e tirava a foto. Era o pau de selfie da época”, diz.

Próximo a máquina está o móvel que é uma espécie de armário que servia para guardar a vitrola da avó, porém também funcionava como bar. O item foi restaurado e ainda assim mantém o mesmo charme de antes. Esse charme se estende à escultura de uma mulher que era da tia de Cláudia.

Máquina fotográfica datada dos tempos do Brasil Império. (Foto: Jéssica Fernandes)
Máquina fotográfica datada dos tempos do Brasil Império. (Foto: Jéssica Fernandes)

No quarto dela o antigo tem destaque através da penteadeira, a cama e os dois guarda roupas que eram dos avós. No quarto, a autora tem acesso ao jardim de inverno decorado com um jogo de mesas e cadeiras de ferro.

Já na cozinha, que traz ares de modernidade em contraste com azulejos hidráulicos, a dona da casa tem mais presentes que viraram decoração. O jogo de panelas de ferro está penduradas na parede. Elas vieram das mãos de uma empregada que ao ver que Cláudia gostava de objetivos antigos resolveu abrir mão.

Boa parte da decoração tem as mãos de outras pessoas que ao verem esse carinho da autora com móveis, objetos e peças antigas decidiram desapegar de algo que não tinha utilidade para elas.

Penteadeira herdada da avó é mais um móvel que faz parte do lar. (Foto: Jéssica Fernandes)
Penteadeira herdada da avó é mais um móvel que faz parte do lar. (Foto: Jéssica Fernandes)

Somente uma porta de vidro separa a cozinha da varanda que foi construída para ser uma área gourmet. Na área externa estão flores coloridas, plantas. “Eu fiz esse jardim que é pequenininho, mas ele é bem acolhedor. Eu amo o Jardim”, comenta.

O verde divide espaço com ferros de passar, balanças antigas, quadros, canecas, moedores de ferro, o tear, os “pés” de uma máquina de costura, chaleiras da avó, balas de canhão da época da guerra no Paraguai e um biombo que veio da Índia. A grande mesa de madeira é outro item que embeleza a varanda que serve de área gourmet.

A casa de Cláudia tem muitos detalhes que não cabem somente em uma matéria, precisaria de pelo menos mais duas. Foi numa tarde calorosa que ela abriu as portas do seu lar para mostrar um pouquinho do tanto que tem vida e função entre os cômodos.

Móveis antigos, mesas de madeira e quadros decoram a área externa. (Foto: Jéssica Fernandes)
Móveis antigos, mesas de madeira e quadros decoram a área externa. (Foto: Jéssica Fernandes)
Varanda da residência é divida com área gourmet e repleta de plantas. (Foto: Jéssica Fernandes)
Varanda da residência é divida com área gourmet e repleta de plantas. (Foto: Jéssica Fernandes)

Hoje, ela vive na casa que sempre sonhou para si: cheias de significados e memórias. “Eu sempre sonhei com uma casa casinha no campo rodeada de plantas, animais e coisas antigas, coisas que eram da família mesmo. Todas são memórias afetivas, pontuam situações especiais e isso eu acho bem legal”, destaca.

Cláudia é formada em Psicologia e Artes Visuais, mas antes da faculdade já tinha aprendido a desenhar com a avó. A vontade de ser escritora surgiu ainda na infância, no convívio com autores regionais, como Sylvia Cesco.

“Ela mudou para frente da minha casa e eu era uma moleca de quatro anos de idade. A varanda da casa de Sylvia era lotada de artistas e eu lá brincando. Eu falei que quando crescesse queria ser igual a ela porque vi que ela era sempre feliz. Eu falei pra minha mãe que quando crescesse queria ser escritora”, conta.

No final da conversa, de volta a porta de entrada, a artista faz um último comentário sobre a casa. “A casa da gente tem que ter o nosso cheiro, a planta que você gosta, coisas da família. Tem que ter uma identidade, uma memória afetiva e você tem que imprimir essa identidade no seu espaço”, pontua.

No final da entrevista, escritora pousou para foto que mostra parede com os tijolos expostos. (Foto: Jéssica Fernandes)
No final da entrevista, escritora pousou para foto que mostra parede com os tijolos expostos. (Foto: Jéssica Fernandes)
Meg, a cachorrinha de estimação da Cláudia é a alegria da casa. (Foto: Jéssica Fernandes)
Meg, a cachorrinha de estimação da Cláudia é a alegria da casa. (Foto: Jéssica Fernandes)

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