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Comportamento

Depois de mais de 60 anos, nem a poliomielite barra sonho de estudar

Artesã recebeu ajuda de amigos e conhecidos para tomar os rumos que pareciam impossíveis

Aletheya Alves | 09/03/2022 09:02
Marileide Andrade Barbosa sonha em aprender a ler e escrever. (Foto: Aletheya Alves)
Marileide Andrade Barbosa sonha em aprender a ler e escrever. (Foto: Aletheya Alves)

Nos últimos dois anos, a artesã Marileide Andrade Barbosa decidiu que iria começar a viver uma nova vida, que estava sendo sonhada há muito tempo, longe das barreiras deixadas pela poliomielite. Foi assim que, com ajuda de amigos e conhecidos, conseguiu se preparar física e mentalmente para iniciar seus estudos aos 61 anos e marcar 2022 como o período em que irá, finalmente, aprender a ler.

Diagnosticada com paralisia infantil aos 9 meses de idade, Marileide vivia em uma fazenda na região de Bonito com os pais e irmãos. Ela conta que devido à falta de recursos financeiros e informação, sofreu as consequências deixadas pelas sequelas da doença durante toda sua vida.

Causada por um vírus que permanece no intestino, a doença pode infectar tanto crianças quanto adultos. Em casos graves, como o de Marileide, paralisias musculares são as principais sequelas causadas pela pólio.

Minha mãe contava que eu comecei a ter dores fortes e como a gente precisava sair da fazenda para ir até o hospital, ficou mais difícil. Me deram alguns remédios para a dor, mas não fiz nenhum tratamento”, diz.

Nos anos que se passaram, a paralisia das pernas em conjunto com dificuldade de falar e atrofia muscular fizeram com que a então moradora de Bonito ficasse restrita às paredes de casa. Sem se aproximar de qualquer escola ou convívio fora da fazenda, foi só aos nove anos que ganhou uma cadeira de rodas e começou a se locomover com independência.

Ela detalha que seus pais não sabiam como lidar com a doença e, por isso, as sequelas deixadas pela paralisia infantil se tornaram ainda mais intensas. Já adolescente, Marileide se mudou com a família para Campo Grande, mas o sonho de estudar ainda levaria décadas para se realizar.

Puxando os fios da memória, a artesã explica que começou a se aproximar de pessoas fora da família ao participar de uma igreja e assim, conheceu o crochê. “Eu tinha vergonha naquela época, não conseguia falar direito com as pessoas, mas consegui muita ajuda e agora, já falo com todo mundo”, conta.

Mesmo com as mudanças acontecendo em sua vida, a falta de escolaridade continuou presente até que novas pessoas a encorajassem a voltar a sonhar em escrever seu próprio nome. Antes de procurar por uma escola, ela conseguiu ajuda para resolver os problemas de saúde e confirmar para si mesma que a independência era possível.

Apoio e impulsos 

Através de uma amiga, Marileide conheceu a pedagoga Meire Pereira dos Santos e, desde então, antigos desejos passaram a se tornar parte de sua realidade. A artesã conta que com o apoio de Meire, recebeu uma cadeira de rodas motorizada, um aparelho auditivo e colocou os exames médicos em dia.

Meire Pereira dos Santos ao lado de Marileide. (Foto: Aletheya Alves)
Meire Pereira dos Santos ao lado de Marileide. (Foto: Aletheya Alves)

“Ela me ajudou demais e me incentivou a procurar escola. Nesses últimos dois anos, aprendi a escrever meu nome e agora, quero aprender a ler e escrever outras coisas também”, diz. Sobre a necessidade de aprender a ler e escrever, ela explica que não consegue se imaginar vivendo sua vida totalmente sem a escolaridade.

Foi ao lado de Meire que Marileide se matriculou na Escola Municipal Osvaldo Cruz e, empolgada para o ano letivo, também aprendeu a chegar até o endereço de ônibus. Sobre o apoio prestado à amiga, a pedagoga relata que, desde o início, sabia que as sequelas deixadas pela doença e o ambiente social em que vivia não poderiam a marcar para o resto da vida.

Orgulhosa do novo presente e futuro de Marileide, Meire comentou que, além de estar feliz pela alfabetização da artesã, novos sonhos já estão sendo traçados.

Eu sempre falei para ela que tudo era possível. Agora, vamos atrás de uma casa para ela, porque ela merece uma vida totalmente dela, esse é o nosso projeto.”

Poliomielite

Entre os fatores que favorecem a transmissão da poliomielite, estão a falta de saneamento básico, condições ruins de habitação e higiene precária, de acordo com o Ministério da Saúde. Por não existir um tratamento específico, as vítimas devem ser hospitalizadas e receber tratamento conforme seu quadro.

Problemas nas articulações, paralisia nas pernas e nos músculos da fala, atrofia muscular e crescimento diferente das pernas são algumas das sequelas deixadas pela doença. Por isso, as consequências costumam ser tratadas com fisioterapia e uso de medicamentos para alívio das dores.

Hoje, a única forma de prevenção da poliomielite é a vacinação. Todas as crianças menores de cinco anos devem ser vacinadas e, conforme informações do Ministério da Saúde, o esquema vacinal contra a doença é feito com três doses aos 2, 4 e 6 meses, além de duas doses de reforço.

Atualmente, a doença é considerada oficialmente eliminada do território nacional graças à forte campanha de vacinação.

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